Bacharelado em Direito: por que não pós-graduação em vez de graduação?

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Que grande nação será a nossa quando não mais tiver a ineficiência administrativa [EC nº 19/98] do MEC e não mais punir os cidadãos que querem seus direitos humanos, na prática.

No Brasil, para se bacharel em Direito é preciso cursar Universidade, isto é, o cidadão deve terminar o ensino médio, antigo 2º grau, para poder ingressar numa Universidade.

Nos EUA a situação é diferente. Para o cidadão norte-americano ser bacharel em Direito basta ter qualquer graduação. O curso de Direito é considerado pós-graduação. Em poucas palavras, o cidadão norte-americano faz o ensino médio e vai para o “college” obter bacharelado — que são de 4 a 5 anos. "College" é uma iniciação científica.

Por que é interessante ao Brasil?

O curso de Direito sempre foi elitizado.

Conforme Rodrigues, a criação dos cursos jurídicos no Brasil foi uma ideologia político jurídico do liberalismo, projetado pelas elites, para integração do Estado Nacional, sendo a máquina burocrática pouco visando os interesses da grande maioria (RODRIGUES, 1993, p. 13).

Essa ideologia elitista garantiu que somente os filhos de famílias nobres conseguissem cursar Direito. Não obstante, a educação [controlada pela oligarquia] permitiu controle à ascensão social, o que assentou no Brasil o poderio da elite na economia e na política. Wolkmer cita a formação dos bacharéis no Brasil.

No bojo das instituições, amarrava-se, com muita lógica, o ideário de uma camada profissional comprometida com o projeto burguês individualista, projeto assentado na liberdade, na segurança e na propriedade. Com efeito, a harmonização do bacharelismo com o liberalismo reforçava o interesse pela supremacia da ordem legal constituída (Estado e Direito) e pela defesa dos direitos individuais e dos sujeitos habilitados à cidadania sem prejuízo do Direito à propriedade privada. O bacharel assimilou e viveu um discurso sócio-político que gravitava em torno de projeções liberais desvinculadas de práticas democráticas e solidárias, privilegiavam-se o fraseado, os procedimentos e a representação de interesses em detrimento da efetividade social, da participação e da experiência concreta. Concomitantemente, o caráter não democrático das instituições brasileiras inviabilizava, também, a existência de um liberalismo autenticamente popular nos operadores do Direito (WOLKMER, 2005, p. 101).

Não é de se estranhar, que nessa fase da história brasileira, quanto à formação acadêmica, somente pouquíssimas pessoas conseguiam ingressar e ser forma como bacharéis. Ou seja, o Direito era um meio elitista, e servia muito bem aos interesses da elite, que controlava o Estado — e ainda controlam.

Se, até 1930, o exercício de advocacia era livre no Brasil, com a criação da OAB muita coisa mudou. Através do Decreto nº 19.408 de 1930 foi instituída a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Governo Getúlio Vargas, e nada mudou em relação à elitização do curso de Direito, ou seja, ainda era acessível, somente, as classes elitizadas.

Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo.

O Exame da Ordem já existia desde 1963, mas não era um divisor ao exercício da profissão de advogado, como o é o contemporâneo Exame, o qual impede, ao candidato que não logrou êxito na prova, o exercício profissional. O Exame da Ordem, como forma mercantilista – ou será elitista? Ou os dois? – começou na década de 1992. Se antes o bacharel poderia exercer sua profissão [liberal] depois de estágio em escritório de advocacia, a aprovação no exame passou a ser o país das maravilhas para o exercício profissional.

Não sendo coincidência, a aprovação no Exame da Ordem, como único meio de o bacharel exercer a profissão, como advogado, teve simetria com a expansão do Ensino Superior no país, durante a Era FHC [Fernando Henrique Cardoso]. Ora, a proliferação do Ensino Superior serviu justamente para proporcionar a todos os brasileiros, principalmente pelas ações afirmativas, o acesso à educação, ou seja, criou-se uma universalização [sem elitização], junto com o Estado social, à educação [Superior]. E o que a OAB fez? Foi de encontro à oportunidade de milhões de brasileiros de terem a oportunidade de ingressarem no mercado de trabalho. E trabalho é uma garantia Constitucional [Direito social].

A justificativa da OAB sobre a exigência de exame paira sobre a não proficiência dos bacharéis em razão da má formação universitária. Concordo, mas onera o cidadão consumidor estudante. Por que a OAB não entra com uma Ação Civil Pública [Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985] cobrando das instituições particulares de ensino, e do próprio MEC, já que este é responsável pelo credenciamento e fiscalização, danos morais e materiais? Tanto a OAB e o Ministério Público poderiam agir na defesa da coletividade.

CDC

“Art. 81, Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”.

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Constituição da República/88

“Art. 129- São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Desde a exigência de aprovação no Exame da OAB, para o exercício profissional, cursos especializados, para preparar os candidatos ao Exame, surgiram num piscar de olhos. E quem tem condições pecuniárias para pagá-los? Além disso, é preciso tempo para fazer o curso e, novamente, para estudar. Assim como os concurseiros, muitos bacharéis se dedicam exclusivamente, até param de trabalhar, para lograr êxito no Exame. São pouquíssimos brasileiros que logram aprovação em única tentativa.

Diante da historicidade brasileira, de exclusão social, mais uma vez, o Brasil dá demonstração de que lei serve para interesses de poucos brasileiros. E a OAB está do lado não do Estado social, mas do Estado liberal, que trouxe abissais desigualdades sociais.

“Milhares de bacharéis que concluíram seus cursos, com muitos sacrifícios pessoais, gastos, tempo e inúmeros outros problemas, têm um diploma que nada vale” (MACHADO, 2003, p. 22).

Se o problema é a má qualidade de ensino nas instituições acadêmicas, que se faça a devida correção: que o MEC as descredencie, dentro de um prazo, para que os cidadãos consumidores não sejam violados em suas dignidades, que é princípio basilar da República Federativa.

Pós-graduação em vez de graduação

Democracia pressupõe muito mais do que votar e ser votado, os direitos e deveres dos cidadãos, os limites do poder do Estado. A educação é à base da democracia. Quanto maior for o acesso à educação, de boa qualidade, maior o poder/controle do povo sobre as arbitrariedades dos gestores públicos, maior o uso dos Remédios Constitucionais, na participação [consciente] na condução das políticas de governo.

A pós-graduação proporcionaria uma universalização ao conhecimento, do Estado Democrático de Direito. Qualquer cidadão, que possua graduação, poderia obter o bacharelado através de pós-graduação. Até aqui, o leitor poderá perguntar “Não é mais fácil continuar com a graduação tradicional, pois não mudaria nada. Certo?”. Ou seja, é só fazer a graduação tradicional.

A “pós” seria um curso sequencial. Na esteira da Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (Lei 9.394/96), o curso de Direito poderia ser dividido por formação específica. Ou seja, em vez do aluno ter que aprender todas as matérias (Direito Civil, Direito Penal etc.) aprenderia a matéria que usaria no dia a dia como profissional liberal. Já conversei com vários operadores de Direito, os quais disseram desnecessário o aprendizado de todos os Códigos, já que quando formados e passado no Exame da Ordem, os operadores iriam atuar em alguma área jurídica.

Perguntei sobre uma nova formação acadêmica, como no caso o curso sequencial. A maioria achou interessante a minha ideia. E como seria? Primeiramente, não poderia faltar o Direito Constitucional, a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro, além de língua portuguesa [Brasil]. Assim, caso o graduado, em qualquer área [ciências humanas ou exatas], quisesse cursar Direito poderia escolher a área que atuaria, por exemplo:

  • Relações que envolvem consumidores e fornecedores — Constituição Federale Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990;
  • Relações que envolvem os particulares [contratos civis, relações de família, relações de sucessões e as responsabilidades civis] — Constituição Federal e Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
  • Segurança e a ordem social — Constituição Federal e Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940;
  • Sistema Tributário Nacional — Constituição Federal e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966;
  • Trânsito terrestre — Constituição Federal e Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997.

Seja a aquisição do bacharelado em Direito como pós-graduação ou curso sequencial, nada impediria de que o cidadão agisse [operador de Direito] com proficiência, desde que o ensino fosse de qualidade. Nos EUA, a “pós” não diminui a proficiência do futuro operador, pelo contrário, atesta que, o que vale é a garra do estudante somado a instituições de ensino eficientes.

Ah! Que grande nação será a nossa quando não mais tiver a ineficiência administrativa [EC nº 19/98] do MEC e não mais punir os cidadãos que querem seus direitos humanos, na prática.

Referências:

AZEVEDO, Fernando de. As origens das instituições escolares. In: A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 4ª. Ed. São Paulo/SP: Edições Melhoramentos, 1964.

MACHADO, Rubens ApprobatoAdvocacia e Democracia. OAB Editora: Brasília, 2003, p. 236-238

WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 3. Ed. Rio de Janeiro:Forense, 2005.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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