Sua Excelência, a Presidente Dilma Rousseff, editou, no dia 18 de janeiro de 2016, a Medida Provisória n. 711. A MP n. 711/2016, "abre crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público da União, no valor de R$ 419.460.681,00, para os fins que especifica".
Quais são os fins especificados? Serão gastos quase meio bilhão de reais para pagamento de "ajuda de custo para moradia ou auxílio-moradia a agentes públicos". Para viabilizar os créditos orçamentários a serem utilizados nos pagamentos referidos, são canceladas dotações orçamentárias em: a) fiscalização da aplicação dos recursos públicos federais; b) apreciação, processamento e julgamento de causas; c) apreciação e julgamento de processos disciplinares e administrativos; d) defesa do interesse público no processo judiciário.
A edição da referida MP está expressamente fundada no art. 167, parágrafo terceiro, da Constituição, que possui a seguinte redação: "A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública".
A análise da jurisprudência do STF parece apontar claramente no sentido de que a margem de atuação do Poder Executivo é muito restrita ao editar medidas provisórias para autorizar a abertura de créditos extraordinários. Nesses casos, segundo o Supremo, seria preciso observar, com rigor, e extrema clareza a presença de todas as exigências constitucionais. Por maior que seja o esforço hermenêutico, não parece que a MP n. 711/2016 passa pela estreitíssima bitola constitucional.
Por falar em Constituição, está expressamente previsto em seu art. 6º. que a moradia é um direito social fundamental para a realização da dignidade da pessoa humana. Parece que o constituinte se refere a todas as pessoas humanas...
Deixo o juízo de valor para o Dr. Luciano Rolim, Procurador da República, em texto publicado no jornal O Estado de São Paulo, no dia 23 de fevereiro de 2015. Afirmou o ilustre membro do Ministério Público:
Deverá ser levado em conta que o pagamento do auxílio [moradia] a todos os juízes e membros do Ministério Público pode, em primeiro lugar, soar financeiramente irresponsável, sobretudo porque, segundo a mensagem da presidenta da República ao Congresso Nacional para o ano de 2015, o País chegou ao 'limite' fiscal; pode, além disso, aparentar desprezo pela justiça social, no momento em que o ajuste das finanças públicas acabou de impor restrições ao seguro-desemprego e a outros benefícios dos trabalhadores; pode, por fim, mostrar-se institucionalmente desastroso, afetando a credibilidade do Judiciário e do Ministério Publico para controlar a legalidade de diversos atos dos poderes públicos que costumam ser encarados como ofensivos à moralidade administrativa.
A origem do pagamento do auxílio-moradia em questão está numa decisão do STF na Ação Originária n. 1.773. Em setembro de 2014, o Ministro Luiz Fux determinou o pagamento dessa "vantagem", no valor de R$ 4.377,73, a todos os juízes do País. Segundo a decisão, por ter natureza indenizatória, a verba em questão não está sujeita ao imposto de renda.
A percepção do auxílio-moradia entra em rota de colisão: a) com a Lei Orgânica da Magistratura que admitia, em 1979, a instituição do benefício nos termos da lei (não editada até hoje); b) com o regime de subsídio (remuneração fixada em parcela única); c) com o princípio da moralidade (não se trata de um padrão ético construtivo e merecedor de ser seguido ou reproduzido); d) com o princípio republicado (por se constituir num privilégio dos mais censuráveis) e e) com o princípio da igualdade (porque promove uma ajuda pecuniária justamente para um segmento muitíssimo bem remunerado e com condições de promover as necessidades de moradia por intermédio da retribuição normal do trabalho desenvolvido).
O agravo regimental da Advocacia-Geral da União (AGU) interposto contra a decisão do Ministro Fux continua pendente de julgamento. Importa destacar que os membros da AGU não recebem o auxílio-moradia, não pleitearam o auxílio-moradia e atuam institucionalmente contra o auxílio-moradia. A AGU, curiosamente, vivencia as menores remunerações e as piores condições de trabalho, incluídas prerrogativas funcionais, em comparação com o Ministério Público e a Magistratura.
Essa questão do auxílio-moradia ensina algumas importantíssimas lições. A primeira delas indica que, mesmo durante as crises mais agudas, em sociedades marcadas por profundas desigualdades, a força política, econômica ou institucional garante ganhos ou vantagens inaceitáveis para restritos segmentos sociais. A segunda aponta no sentido de que a construção do Estado Democrático de Direito, como caminho para o desenvolvimento de uma sociedade livre, justa e solidária, é uma conquista que reclama níveis elevados de mobilização política e controle social.