Novo CPC: tempos pós-modernos e processo virtual

24/01/2016 às 20:11
Leia nesta página:

As dificuldades encontradas por aqueles que militam na advocacia (projudi, sistema "mensageiro" e comunicações entre tribunais).

Um advogado narra um fato verídico que ocorreu recentemente, numa comarca do interior do Estado do Paraná.

O advogado tinha requerido, em julho/2010, a penhora (reforço) de um imóvel de propriedade do Executado, a Juíza deferiu o pedido, posteriormente, o Executado questionou via simples petição a impenhorabilidade. Mas, a experiente Juíza Rosangela Faoro, não aceita e despacha mantendo a penhora; o Executado interpõe Agravo de Instrumento ao TJPR que reforma a decisão de primeiro grau.

Deu-se então o início da novela.

O Exequente apresenta Embargos de Declaração do acórdão, para fins de pré-questionamento e em seguida interpõe Recurso Especial que é aceito (e sobe ao STJ).

Depois de mais de 04 anos, o Ministro Relator Monocraticamente julga procedente (15/setembro/2015), reformando o acórdão do TJPR e mantendo a penhora e a decisão da então experiente Juíza Rosangela Faoro (formada na UEM – Universidade Estadual de Maringá: a mesma do Juiz Sergio Moro, dos juristas Jose Miguel Garcia Medina e Miguel Kfouri Neto).

Assim que é publicada a r. decisão do STJ e intimado o advogado, via Diário da Justiça União Eletrônico, ansioso, açodadamente, o advogado extrai cópia da intimação (recebida claro por e-mail) que contém os dados da publicação (número do REsp, nome das partes, origem, e nome dos advogados) e na íntegra a r. decisão do STJ, peticiona, anexa fotocópia e requer “tudo de novo” o que tinha feito há 05 anos atrás: requerimento para penhora, avaliação, registro, designação de leilão, intimação do cônjuge meeiro.

Lembre-se que o REsp não tem efeito suspensivo (art. 542, § 2º, CPC/73) e não foi interposta Medida Cautelar para dar este efeito, o que fez prevalecer a decisão do TJPR (impenhorabilidade do imóvel), até quando da decisão do STJ, 04 anos depois. De forma mais fácil e acessível, sabiamente, o Novo CPC – Lei 13.105, permite tal pedido diretamente no próprio RESP (art. 1029, §5º).

Em 05/outubro/2015, os autos e petição vão conclusos e o Juiz de primeiro grau (que pelos anos, já não era o mesmo que havia deferido a penhora em 2010), despacha rapidamente em 05 dias - nem deferindo nem indeferindo – “para aguardar a juntada do acórdão e respectiva certidão do trânsito em julgado” (intimação DJPR 27/10/2015).

O advogado pensa: o trânsito em julgado do RESP ocorreu antes da conclusão (28/setembro/2015) da petição requerendo cumprimento do STJ (penhora);  o processo principal é físico, mas o REsp é digital; o processo físico tramita na comarca desde 19/12/1989; é meu primeiro cliente do escritório, apesar do 26 anos tramitando pela Justiça Gratuita, ainda não recebeu seu crédito; meu cliente  já tem quase 70 anos e tanto no Juízo origem, TJPR, STJ, o processo tramitou com os benefícios do art. 1211-A, CPC/73; o trânsito em julgado pode  ser verificado acessando-se o site do STJ por qualquer estagiário;  a reprodução da decisão do STJ tirada da internet no DJe serve como prova do conteúdo do julgamento naquela Corte Superior.

O advogado olha pra sua biblioteca e vê TODOS os livros do Luiz Guilherme Marinoni, TODOS do José Miguel Garcia Medina, ALGUNS do Candido Rangel Dinamarco, da Teresa Arruda Alvim Wambier, do Humberto Teodoro Junior e fica pensativo: acho que eles já falaram sobre isso (processo digital) muitos anos atrás.

Na verdade, os Juristas tinham escrito muito sobre isso em suas obras, quando da edição da Lei 11.419/2006 – Processo Eletrônico/Digital.

Lembra também o advogado que neste processo físico, no início de carreira de Juiz  despachou e presidiu audiência de conciliação, o então Juiz Miguel Kfouri Neto (hoje Desembargador do TJPR). Minutos pensando na morosidade do processo e sobre a EC 45/2004 (art. 5º, LXXVIII) na Carta Maior, no cliente que espera a solução do processo: receber seu crédito, originário de indenização pela morte de seu filho.

O causídico abre o livro Processo de Conhecimento (Curso de Processo Civil, vol. 2, RT, 2008,) do Marinoni & Arenhart, e na leitura encontra comentários sobre a Lei 11.419/2006 e o art. 365 do CPC/73:

 “Fazem a mesma prova que os originais:

IV - as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

V – os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem como que consta na origem. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006).

VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento, publico ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização”. (I ncluído pela Lei nº 11.419, de 2006).

Era mesmo necessário aguardar a “baixa do Resp virtual” para comprovar a veracidade do que o advogado peticionava?!?! Inexistiam meios deste Magistrado saber a veracidade da reprodução da intimação do DJe contendo na integra a decisão do STJ???

Os dias se passam e o advogado acredita que logo vai “baixar” o “Resp virtual”. Ora, os autos físicos foram conclusos ao Juiz depois do trânsito em julgado do RESP e o despacho no Juízo de primeiro grau, ocorreu após o trânsito em julgado!

Percebe-se a preocupação do Magistrado com segurança jurídica, prova documental, digital, prova física (decisão digital do Resp) a ser juntada aos autos físicos.

Quando o advogado, teve ciência da decisão de primeiro grau (que determinou aguardar o a baixa do RESP à origem) já era 27/outubro/2015 e então resolveu aguardar alguns dias. Inicia-se novembro/2015 e nada de chegar o “REsp virtual” no primeiro grau (origem).

Então, o causídico, questiona no cartório: Chegou “RESP virtual?? Não baixou?? R: Não.

Resolve o advogado telefonar para sua colega advogada curitibana, a fim de que ela verifique pessoalmente junto ao TJPR, se baixou para a origem o RESP virtual ou não. Volta com a informação (05/novembro/2015) que ainda está no STJ. Provavelmente, o funcionário consultou o site do próprio TJ e verificou no “sistema” que ainda estava na mesma fase quando subiu àquela Corte.

O advogado então telefona para Brasília-STJ e é informado que “Resp virtual” baixou “virtualmente” ao TJPR no final de 26/outubro/2015. O advogado resolve enviar e-mail ao STJ para ter a prova que o “Resp virtual” tinha mesmo baixado “pra algum lugar”.

Vem a confirmação por e-mail do STJ que o Resp e decisão do Ministro Relator havia “baixado virtualmente” em 26/outubro/2015 para o TJPR, mas no Juízo de primeiro grau (origem) não havia chegado o “Resp virtual”.

Para quem conhece os Tribunais dá para imaginar a dimensão física e virtual (e-mail) dos departamentos, e localizar para onde foi, ou quem recebeu o e-mail do STJ contendo “a decisão e respectiva certidão do trânsito em julgado”.

Decide o advogado, em 10/dezembro/2015, ir até a capital Paranaense, e verificar “in locu” no Tribunal onde estava o Resp virtual. Descobriu que tinha chegado o e-mail do STJ comunicando a baixa e trânsito em julgado, mas que enviariam um e-mail para a origem (comarca do interior), no sistema “mensageiro”.

O tal “mensageiro” só chegou na Comarca em 16/dezembro/2015, ou seja, somente depois das férias e recesso forense voltaria à conclusão tal processo.

É claro que este fato ocorreu ainda na vigência do CPC/73, que mesmo timidamente, contem dispositivos que permitem analisar a prova digital, a veracidade da reprodução digital ou não, de decisão digital, bem como se ocorreu o trânsito em julgado ou não desta ou daquela decisão.

Claro que o Juiz não tem tempo e nem é obrigado a fazer isso: verificar se ocorreu o trânsito em julgado, acessando o site do STJ ou outro Tribunal.

Também é notória a ampla divulgação do Novo CPC (Lei 13.105/2015) - que já aprovado, mas ainda não vigente - que se aplicará tanto aos processos futuros, quanto aos processos em trâmite, no caso o processo mencionado aqui.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

É um código mais moderno, e contém alguns dispositivos, em especial sobre processo digital, que permitem fazer analise ou comparação no momento atual, para como decidir, ou seja, no momento da decisão de primeiro grau (27/outubro/2015). Já vimos recentemente, que o STJ mesmo não estando em vigor o Novo CPC, o aplicar em casos que chegou naquela Corte.

Para a comprovação da divergência em RESP, o próprio STJ não permitia a juntada de repertorio de jurisprudência do próprio STJ e de outros.

            Posteriormente o STJ permitiu que as decisões extraídas via internet e disponível no DJe serviriam para a comprovação de divergência jurisprudencial (art. 541, parágrafo único do  CPC).

O mundo evoluiu e o processo brasileiro evoluiu também, portanto, se a parte (exequente) anexa a decisão na integra do STJ, mesmo que não seja a original, ela vale como prova do julgamento quer seja pelo art. 365, V, VI, CPC/73, quer seja pelo Novo CPC (art. 193 a 197). E, caso a Exequente não apresentasse o trânsito em julgado na data do peticionamento, bastaria consulta ao site do STJ e se constataria que havia ocorrido e claro, deferisse o pedido, dando continuidade aos atos executórios.

O correspondente ao dispositivo é o art. 425,  III, IV, V, do Novo CPC.

Brilhantemente, o Novo CPC, no Livro II - Dos atos processuais, dispôs no Capitulo I- Forma dos Atos Processuais, a Seção II – Destinada à prática eletrônica dos atos processuais. A norma é muito avançada, clara e não deixa dúvidas ao operador do Direito (art. 193 a 199).

Mesmo em vigor o CPC/73, bastaria dar uma olhadinha nestes artigos e verificar que o rigorismo de trânsito em julgado (documentalmente), é excessivo; são públicas as informações disponíveis no STJ (diga-se o melhor site dos Tribunais Brasileiros), para qualquer pessoa que tenha um pouco de conhecimento de informática. Uma olhadela no STJ e consultando o Resp em questão, se saberia que quando do peticionamento para nova penhora, já tinha ocorrido o trânsito em julgado.

É exigência demais quando o trânsito em julgado já ocorreu e bastaria a consulta ao site do STJ, bem como o aguardo do “original” da decisão “virtual”, que claro só virá por e-mail, a ser juntada aos autos “físicos” no Juízo de Primeiro grau.

Realmente é complexo e dificultoso conviver lado a lado, no mesmo cartório/gabinete o processo físico e o processo digital.  Mas exigências dessa natureza onde se duvida da veracidade da reprodução da decisão extraída do DJe, bastaria consultar o site do próprio STJ para ver que havia concretizado o que determinou, dias atrás.

Já estava adentrando o mês de dezembro/2015, o advogado preocupado com o recesso judiciário (20/12/2015) que estava próximo e temia que não haveria conclusão do processo, com a comprovação do trânsito em julgado e do original “Resp virtual”, haja vista os longos anos passados sem solução da tal lide.

Outro detalhe importante: o processo tramita sob o pálio da Lei 1060/50; tramita na Comarca X e o imóvel a penhorar localizava na Comarca Y distante 130 km. O ato a ser deferido seria via Carta Precatória... e, claro em 2015 certamente não seria realizada!

SÊNECA (Lucio Anneo Sêneca) foi advogado e posteriormente Senador Romano, deixou excelentes ensinamentos apesar dos escritos datarem de quase 2000 anos (faleceu em 65 d.C):

“Ninguém valoriza o tempo, faz-se uso dele muito largamente como se fosse gratuito. (...)Se pudéssemos apresentar a cada um a conta dos anos futuros, da mesma forma que se faz com os que já passaram, como tremeriam aqueles que vissem restar-lhes poucos anos e como os economizariam (...) Ninguém te devolverá aquele tempo , ninguém te fará voltar a ti próprio”. (Sobre a brevidade da vida, Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 44-45)

Estamos em pleno Século XXI, onde os meios digitais e eletrônicos são utilizados exaustivamente no dia-a-dia, nossa Justiça Eleitoral é mais avançada do Mundo justamente por causa da urna eletrônica, nosso processo judicial eletrônico digital é inovador e recebe elogios dos Países de Primeiro Mundo.

Talvez encontremos a explicação destes tempos Pós-Modernos nos livros do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, entre eles "Modernidade Líquida" e "Tempos líquidos".

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Fausto Trentini

Formado pela UEM - Universidade Estadual de Maringá/PR em 1988. Desde então militando na advocacia. Ex- Procurador Jurídico do Município de Paranavaí-PR. Ex-Assessor Parlamentar da Assembleia Legislativa-PR. Ex-Secretário da OAB, Subseção Paranavaí-PR. <br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos