Direitos humanos e o sistema penitenciário brasileiro

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2 A REALIDADE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO FRENTE AOSDIREITOS HUMANOS

Conforme dispõe Foucault:É preciso que a justiça criminal puna em vez de se vingar. Essa necessidade de um castigo sem suplício éformulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelomenos deve ser respeitada quando punimos: sua "humanidade" (FOUCAULT, 2004, p. 64).

Como já foi dito anteriormente, nosso sistema carcerário está falido. São inúmeros os problemas encontrados nesse sistema, sendo estes resultantes da falta de compromisso do Estado e até mesmo dos órgãos jurisdicionais e administrativos encarregados de sua organização, que se mostram indispostos a cumprir o que propõe a lei e superar as dificuldades do dia a dia carcerário. 

Tanto a Constituição Federal, como a Lei de Execuções Penais, não só visam proteger os direitos dos presos, como também a sua integridade, uma vez que estes, após cumprirem a pena ao qual foram condenados, serão reinseridos na sociedade.

A função das unidades prisionais é recuperar o criminoso, de modo que, quando este voltar a conviver em sociedade, esta se sinta protegida. No entanto, na prática, a realidade é muito divergente.

Garantias básicas conferidas pela lei aos condenados tais como alimentação, assistência médica, educação dentre outras, são violadas constantemente, o que faz com que essa expectativa da sociedade na recuperação do condenado seja cada vez mais frustrada.

A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões um ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças (ASSIS, 2007).

De acordo com o CNJ, “a nova população carcerária brasileira é de 711. 463 presos. Os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a representantes dos Tribunais de Justiça brasileiros, nesta quarta-feira (4/6), levam em conta as 147.937 pessoas em prisão domiciliar”.

Dentro da prisão, além de terem diversas outras garantias desrespeitadas, os presos sofrem com a prática constante de agressão, seja de outros presos, seja dos próprios agentes penitenciários, e o preso mais fraco acaba tendo que se subordinar ao mais forte para poder sobreviver.

Além de todos esses problemas, muitos apenados ainda sofrem com a demora do Judiciário em beneficiar os presos que fazem jus à progressão de regime ou até mesmo de colocar em liberdade aqueles que já cumpriram o cômputo da pena.

Como esses indivíduos não têm nenhuma ocupação dentro do estabelecimento prisional, acabam pensando em fugas, rebeliões, praticando outros crimes e formando quadrilhas.

Todos sabem que esse Sistema tem um custo muito elevado para o Estado, que gasta mais com os presos do que com Educação. No entanto, em virtude da má administração ou até mesmo da insuficiência dos recursos, os presídios oferecem aos detentos um serviço de péssima qualidade, deixando muito a desejar no que diz respeito à ressocialização e acabam se tornando verdadeiras fábricas de criminosos.

No que diz respeito aos regimes prisionais, o regime fechado se encontra com superlotação, o que faz com que não sejam cumpridas as garantias estabelecidas pela LEP e pelo CP. Mesmo estando superlotado, sempre há vaga disponível para um novo criminoso, o que colabora mais ainda com a superlotação e desumanidade dentro das celas.

Quanto ao regime aberto, poucas são as Casas do Albergado que estão em funcionamento no Brasil e por conta disso, tem-se aplicado o albergue domiciliar de que trata o artigo 117 da LEP, onde o preso fica recolhido em sua própria residência sem qualquer fiscalização e em muitos casos cometendo novos crimes.

Já no tocante ao regime semiaberto, há muitas colônias industriais e agrícolas no país, no entanto, em virtude da grande quantidade de apenados, há carência de vagas nesses estabelecimentos. Quando se é condenado a esse regime, acaba sendo colocado no regime fechado, em virtude da falta de vagas. É o que acontece também com os presos beneficiados com a progressão de regime, que permanecem no regime fechado até que venha a surgir uma vaga nessas colônias.

Para DINIZ (1996), a aplicação de penas alternativas é uma das soluções para o sistema penitenciário, porém, há ausência de meios de fiscalização, mas que certamente custariam muito menos para o Estado do que investir em casas de reclusão. E o retorno social e educacional seria muito mais proveitoso para a comunidade.

2.1 Sistema penitenciário como solução para a criminalidade

A pena privativa de liberdade não tem sido eficaz no que diz respeito à ressocialização do condenado, o que pode ser comprovado pelo alto índice de reincidência dos presos.

Apesar de não haverem números oficiais, no Brasil, a maioria dos ex-detentos que retornam à sociedade volta a delinquir e por conta disso acabam retornando à prisão.

Não bastasse o tratamento ao qual o condenado é submetido na prisão, ao retornar à sociedade, este se depara com o sentimento de repúdio e de rejeição de todos, inclusive do próprio Estado, o que acaba fazendo com que venha a cometer novos crimes por conta da falta de oportunidades.

Faz-se necessário que a direção do estabelecimento esteja no comando, mantendo o controle desse sistema e evitando a formação de grupos dissidentes dentro dessa organização, bem como um melhor acompanhamento dos presos com profissionais, de modo que estes venham a influenciar na ressocialização dos apenados.

Mirabete assegura que:A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Oscentros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se nummicrocosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições queexistem no sistema social exterior (...). A pena privativa de liberdade nãoressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporaçãoao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve comoinstrumento para a manutenção da estrutura social de dominação. (MIRABETE.2002, p. 24)

Nas palavras de Thompson:O fracasso de um estabelecimento carcerário, quanto ao alvo reeducação, seja noBrasil, seja nos Estados Unidos, seja na Noruega, é atribuído, indefectivelmente, emsua maior parte, ao número deficiente de profissionais de tratamento (médicos,psicólogos, educadores, assistentes sociais) e à imperfeita instrução da guarda, nosentido de se preocupar mais em ajudar o preso a se reabilitar do que em cuidar dasegurança e disciplina do estabelecimento. (THOMPSON 2002, p. 17)

Segundo Assis, “o estigma de ex-detento e o total desamparo pelas autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário torne-se marginalizado no meio social, o que acaba o levando de volta ao mundo do crime, por não ter melhores opções” (ASSIS, 2007).

O conceito da palavra egresso está definido no artigo 26 da própria Lei de Execução Penal, que considera egresso o libertado definitivo, pelo prazo de 1 ano após sua saída do estabelecimento. Equipara-se também a egresso, o condenado que adquire a liberdade condicional, durante o período de prova. Passado o prazo estipulado pela lei, o ex detento perde, portanto, a qualificação de egresso, bem como a assistência legal proveniente dessa qualificação.

O egresso tem um amplo amparo legal, sendo-lhe garantido pela Lei orientação para sua reintegração à sociedade, assistência social para que possa obter um emprego, e se necessário, alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, nos primeiros dois meses após sua liberdade. A efetivação desses direitos incumbe ao Patronato Penitenciário, Órgão do Poder Executivo Federal e integrante dos Órgãos responsáveis pela Execução Penal.

O Patronato Penitenciário, além de outras atribuições, tem como finalidade principal a de promover a reintegração do egresso no mercado de trabalho, bem como prestar-lhe assistência psicológica, pedagógica e jurisdicional. Este Órgão tem um papel de extrema relevância na reintegração do ex-detento na sociedade.

No entanto, esse importante papel que é atribuído ao Patronato tem encontrando muitos obstáculos para seu cumprimento, devido à falta de interesse dos governos estaduais, que não lhe proporciona os recursos necessários e impossibilitando, assim, que ele efetive atribuições que foram conferidas pela própria lei.

É necessário que tanto a sociedade, como as autoridades, se conscientizem de que a principal solução para esse quadro de reincidência gira em torno da adoção de uma política que apóie o egresso, fazendo com que seja cumprido o que desde muito tempo está previsto na Lei.

2.2 Cárcere brasileiro: berço de violação aos Direitos Humanos

Existem diversos dispositivos legais que garantem aos presos proteção aos seus direitos humanos durante o período de execução da pena.

Na Constituição Federal de 1988, são reservados 32 incisos do art. 5º visando à proteção do sentenciado. A LEP, nos incisos I a XV do art. 41, trata dos direitos infraconstitucionais assegurados a eles no decorrer da execução da pena. 

Entretanto a realidade é bastante diferente do que é disposto na lei, sendo comum, na prática, a violação dessas garantias durante a execução da pena. 

No momento em que é preso, o condenado não só é privado de sua liberdade, mas também perde todas as suas garantias fundamentais, sendo tratado de forma desumana dentro da prisão.

Além disso, há a agressão dos próprios presos que vai desde a extorsão, abusos sexuais, espancamentos até a ocorrência de homicídios, o que é comum dentro do ambiente da prisão por parte dos presos que detêm “poder” sobre os outros, ficando estes subordinados a essa hierarquia interna, sujeitando os presos mais fracos à lei do mais forte e fazendo prevalecer a “lei do silencio”.

Deve-se considerar que a maioria dessas pessoas que se encontram encarcerados provém da classe marginalizada, ou seja, pobres, negros, desempregados e principalmente pessoas com histórico de familiares que já tiveram passagem.

Ao efetivar a lei, assegurando-se, desse modo, as garantias pertinentes ao preso, buscase criar um ambiente justo, onde o maior objetivo é a ressocialização do preso, de modo que ele possa ser reinserido na sociedade e assim, encontrar mais oportunidades de mudar de vida.

Entretanto, enquanto o Estado não buscar efetivar esses direitos, a situação continuará se agravando e a sociedade sofrerá cada vez mais com o reflexo disso.

Um concreto dessas violações e do descaso do Estado com os direitos do preso, o caso da Casa de Detenção José Mário Alves, mais conhecida como Presídio Urso Branco, localizado em Porto Velho – Rondônia e que foi cenário de diversas barbaridades fruto do descaso do governo do Estado com os direitos mínimos dos presos.

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Por conta dessas repetidas atrocidades e da falta de providencias, o Estado brasileiro foi denunciado pela CorteInteramericana de Direitos Humanos em 18 de junho de 2002.

2.3 Direitos humanos como protetor dos apenados

Os Direitos Humanos são inerentes à própria natureza humana. Constituem um direito adquirido inalienável e imprescritível. Esses direitos se dão desde o momento em que o indivíduo nasce.

Há quem diga que os direitos humanos tem como finalidade inviabilizar a responsabilização e a punição daqueles que cometem crimes, e acaba “passando a mão” na cabeça dos criminosos.

É bastante comum ouvirmos as pessoas criticando e dizendo que os direitos humanos defendem os bandidos, que são os “direitos dos bandidos”, no entanto, isso não condiz com o que de fato acontece.

Por conta dos altos índices de violência e da falta de investimento em segurança pública, algumas pessoas acabam por achar que eliminar esses criminosos é a melhor maneira de acabar com a criminalidade.

Entretanto, essas medidas não se mostram eficientes, uma vez que países que admitem severas penalidades e até mesmo a pena de morte, não apresentam diminuição da violência e da criminalidade.

De fato, é equivocado o pensamento de quem acha que a criminalidade deverá ser combatida com penas exacerbadas.

Nas palavras de Pe. Xavier:A história do sistema penitenciário brasileiro nos mostra exatamente ocontrário. Um sistema punitivo violento e aviltante só desencadeia mais violência. Éhora de sentar para uma reflexão profunda. O enfrentamento à violência exige váriasrespostas muito mais complexas do que a construção de um sistema punitivo evingativo. Precisa investir mais na prevenção reduzindo os fatores que incentivam aprática da criminalidade.É necessário assumir um sério compromisso contra a impunidade quefavorece a proliferação da violência, estimula a criminalidade, encoraja a ousadia doagressor e leva descrédito para com as instituições. Enfim, precisa construir ummodelo de justiça que ajude a quebrar o círculo da violência através da recuperaçãodo agressor, a reparação dos danos, a superação dos traumas causados pelo crime e arestauração das relações sociais entre agressores e vítimas. É nessa linha que seinsere o trabalho dos defensores de direitos humanos.

Os defensores dos direitos humanos não lutam apenas pelos direitos dos presos. Esse pensamento se dá por causa da mídia tendenciosa. Mas o fato de nosso país ter um dos piores sistemas carcerários acaba fazendo com que se dê uma atenção maior para este assunto.

Os defensores desses direitos não compactuam com nenhuma espécie de delito, sua preocupação se dá por conta do aumento da criminalidade. Visam apenas a mudança na forma como o Estado dispõe de recursos para o sistema penitenciário, uma vez que essa má administração tem um reflexo direto na sociedade.

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Sobre os autores
Marcus Romulo

Economiário, acadêmico do 10• semestre do curso de Direito na Faculdade Luciano Feijão, Sobral -CE

Ana Caroline Martins Campos

Acadêmica do 10 semestre do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão.

Nyelssen Loiola Melo Vasconcelos

Acadêmico do 10 semestre do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto elaborado como requisito para cumprimento de atividades complementares para conclusão do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão.

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