Otimização das medidas socioeducativas como alternativa na redução da maioridade penal

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Trata-se de uma breve análise sobre as medidas socioeducativas impostas aos adolescentes autores de atos infracionais, como se dá a aplicação dessas medidas e quais os seus resultados, tendo como referência o município de Sobral, Ceará.

Resumo: O presente estudo tem como tema a Otimização das Medidas Socioeducativas como Alternativa na Redução da Maioridade Penal. Tem por objetivo analisar as medidas socioeducativas impostas aos adolescentes autores de atos infracionais, como se dá a aplicação dessas medidas e quais os seus resultados. A partir dessa análise, busca indagar se a otimização das medidas socioeducativas é uma alternativa à redução da maioridade penal. Para isso, delineou-se como objetivos específicos evidenciar as potencialidades e desafios da aplicação das medidas socioeducativas, bem como a análise das propostas doutrinárias e parlamentares que versam sobre o tema em questão.

Palavras chave: Medidas Socioeducativas, Redução da Maioridade Penal, Ressocialização, Estatudo da Criança e do Adolescente.


Introdução

Esta pesquisa busca analisar as medidas socioeducativas, sua aplicação e se a redução da maioridade penal sé realmente necessária quando há outros meios mais eficazes e eficientes para diminuir a sensação de impunidade da sociedade.

Será feita uma abordagem do processo histórico e conceitual  de criança e adolescente à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente; Estatuto este que visa complementar o art. 227 da Constituição Federal, contemplando o princípio da prioridade absoluta e a doutrina da proteção integral.

Busca-se, através desse regulamento, intervir de forma positiva na segregação vivida por jovens e adolescentes brasileiros, procurando, nas palavras de Netto, apresentar duas propostas fundamentais:

a) garantir que as crianças e adolescentes brasileiros, até então reconhecidos como meros objetos de intervenção da família e do Estado, passem a ser tratados como sujeitos de direitos;

b) o desenvolvimento de uma nova política de atendimento à infância e juventude, informada pelos princípios da descentralização político-administrativa (com a conseqüente municipalização das ações) e da participação da sociedade civil. (NETTO, 2003, p. 1)

Essa pesquisa se justifica pela intenção de estimular a discussão acerca da relevância do tema tão atual e de construção histórica, que é o  cometimento de atos  por adolescentes. A pretensão é lançar o olhar jurídico-social e político sobre a temática, tendo como referência o que trata o art. 227 da Constituição Federal de 1988, que dispõe:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.


1 Conjuntura Social 

Em decorrência dos altos indices de pobreza e desemprego existentes no país, é grande a quantidade de menores abandonados que vem a habitar os centros urbanos, e, para sua própria sobrevivência, realizam todo e qualquer tipo de atividade, seja ela lícita ou ilícita.

De fato, é grande a quantidade de menores que vem a cometer atos infracionais e a maioria desses jovens se encontra nas camadas mais vulneráveis da sociedade. No entanto, a marginalização desses indivíduos não está restrita tão somente às suas condições sócio-econômicas, mas também é fruto de diversos outros fatores, tais como desestrutura familiar, alcoolismo dos pais, violência (física, sexual e moral), desemprego etc. 

Desse modo, numa sociedade em que os valores estão condicionados a uma economia capitalista, os rumos da política criminal, consequentemente, serão voltados para aqueles que possuem condições financeiras menos favorecidas. 

De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal de 1988:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Para regulamentar este dispositivo nasceu a lei federal especial de nº 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, que, no seu artigo 4º, reafirma o art. 227, dispondo sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Nesses dispositivos constitucionais, o legislador trouxe essa grande possibilidade de garantir direitos e combater a violência. Entretanto, o cenário da sociedade brasileira, a despeito do crescimento econômico das últimas décadas, continua caracterizado por uma grande disparidade social e pela pobreza da maior parte de sua população. Este fator, aliado à fragilidade do dever constitucional, acima referido, tem gerado o crescimento da violência criminal. 

Como exemplo da realidade dessa espécie de violência, cabe chamar atenção para as mortes por causas violentas, maior incidência no País. Segundo o Ministério da Saúde, as violências têm sido as principais causas de óbito na faixa etária de 10 a 19 anos (52,9%). Entre os adolescentes, de 15 a 19 anos, 58,7% dos óbitos, no período analisado, foram por violências (DATA SUS, 2006-2010). Os dados de mortalidade na adolescência são importantes indicadores sociais, na medida em que são considerados o grupo social de maior vulnerabilidade.

Ainda, de acordo com o documento Mapa da Violência 2015, no período de 1980 a 2012, o crescimento da mortalidade por arma de fogo, entre os jovens, foi intenso. Se no conjunto da população os números cresceram 387% ao longo do período, entre os jovens esse crescimento foi de 463,6%. Também os homicídios entre os jovens cresceram de forma mais pesada: na população como um todo foi de 556,6%, mas entre os jovens o aumento foi de 655,6%. O Nordeste apresenta elevados índices de crescimento, com destaque para o Ceará e o Maranhão, cujo número de vítimas por arma de fogo quadruplicou na década.

Entretanto, esse quadro de violência em que os jovens são vítimas, não tem divulgação nos meios de comunicação social. Por outro lado, e de forma bem específica, a violência praticada por jovens é um tema cada vez mais presente e assustador na vida cotidiana e nos meios de comunicação. A cada episódio com maior repercussão de violência praticada por um adolescente, aumenta o temor que a população vivencia, especialmente nos centros urbanos.

Nesse contexto, o alarme do crescimento do número de infrações da população juvenil e a propagação midiática deste tipo de violência geram solicitações de medidas repressivas por parte da população, o que se materializa nos vários projetos de lei e de emendas à Constituição que tramitam no Congresso Nacional, que buscam a redução da idade de imputabilidade penal.

Nesse sentido, ganha espaço o discurso justificador do sistema punitivo ou mesmo do uso da violência, enquanto força estatal, como forma de garantir a segurança da população. Conforme refere Karan (1993, p. 196), parte-se da idéia de que a criminalidade convencional é definida como violência, levando a população a naturalizar outras formas de violência institucionalizadas no interior da sociedade e produzindo-se um pânico tal que se faz crer que a única solução é efetivamente o encarceramento ou o sistema penal utilizado em grande escala.

Sendo assim, o desejo punitivo, como solução para o sentimento de insegurança, e a escolha maniqueísta dos adolescentes como bodes expiatórios da violência entram em constante contradição com o que se espera que seja feito no trabalho político institucional, do ponto de vista da previsão normativa. O trabalho socioeducativo a ser desenvolvido, previsto nos objetivos do ECA e na Lei do SINASE (lei 12.594/12), deve ser realizado em interação com a sociedade, respeitando os princípios da brevidade, excepcionalidade e a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 121,ECA).

Entretanto, o que ocorre de fato no Sistema Socioeducativo cearense, a exemplo de muitos no Brasil, segundo o Cedeca Ceará ( DN,15/11/15): “há um cenário de colapso, com superlotação de até 400%. Nem no sistema prisional tem esse número. Os internos não têm atividades socioeducativas, atividades de lazer e esporte. Eles passam praticamente 24 horas em celas lotadas. Isso forma o contexto das rebeliões”.

Assim, é que se pretende demonstrar que otimizando as medidas socioeducativas, com a garantia do trabalho socioeducativo efetivo, conforme as normativas legais hoje vigentes, ECA e SINASE, é uma alternativa à redução da maioridade penal.  Pois, como bem diz Loïc Wacquant( 2001) “todos concordam em ver o crime controlado como uma prioridade nacional, tendo como resultado a tendência à multiplicação de leis repressivas e à perda de garantias individuais e sociais”.


2 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Redução da Maioridade Penal

Nas palavras de Segalin (2008, p. 39):

A Doutrina da Proteção Integral representa o ingresso e reconhecimento das crianças e adolescentes no Estado Democrático de Direito, em igualdade com o cidadão adulto, aplicáveis à sua idade e capacidade, além dos direitos especiais que decorrem, precisamente, da especial condição de pessoas em desenvolvimento. 

Entretanto, observa-se que a realidade se mostra bastante diferente do que é proposto pela Lei, a começar pela desigualdade social que é reproduzida nas diversas esferas sociais, o que leva a crer que o Estatuto da Criança e do Adolescente é ineficaz.

Segundo Moreira (2011, p. 32):

Desse modo, muitos destes jovens, vivendo em condições de vulnerabilidade, são recrutados precocemente pelo tráfico de armas e de drogas o que resulta no ingresso destes ao mundo da violência e, consequentemente, evidencia os índices de homicídios de jovens. Cerca de quarenta e cinco mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil e, em algumas regiões, a pobreza, a degradação, a fragilização dos vínculos familiares e as dificuldades de acesso aos serviços públicos como educação, cultura, esporte, lazer e emprego, são marcas expressivas (MOREIRA, 2011, p. 32). 

No Brasil, o sensacionalismo da mídia acaba por induzir a população ao pensamento de que reduzir a maioridade penal irá acabar com os problemas da violência no país. No entanto, Moreira (2011, p. 23) defende que:

Reduz-se a discussão à solução da violência urbana nas suas múltiplas dimensões, no retrocesso e na violação de direitos dos adolescentes. [...] É preciso compreender que os adolescentes autores de atos infracionais, na sua maioria, provêm de situações de criminalização e exclusão social, permeadas pelo abandono, invisibilidade, processos de estigmatização, marginalização e, consequente, privação de liberdade. 

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Diante desse fato, no tocante às propostas de redução da maioridade penal, Moreira (2011, p. 82) assevera:

As Propostas de Emenda à Constituição – (PECs), que propõe a alteração da idade penal e, consequentemente, do art. 228 da CF, entraram em pauta no período compreendido entre 1993 e 2004, e totalizam 26 proposições. Quase todas elas propõem o rebaixamento da idade penal para 16 anos, havendo, porém, um legislador que defende até a idade de 13 anos para os crimes hediondos. Cumpre ressaltar que, ao longo deste período, as propostas foram sendo apensadas umas as outras, por se tratarem de temas idênticos, sendo que todas acabaram arquivadas por 34 falta de aprovação nas comissões específicas do Congresso Nacional ou por término dos mandatos dos parlamentares propositores. 

No entanto, o encarceramento de adolescentes sugerido pelas PECs no lugar do cumprimento das medidas socioeducativas propostas pelo Estatuto representa um regresso na efetivação dos direitos humanos, sendo uma saída enganosa que vem para criminalizar esses jovens ao invés de garantir-lhes direitos.


Conclusão

Através desse estudo podemos observar que a redução da maioridade penal se tornou um dilema para a sociedade brasileira. A mídia tem divulgado informações cada vez mais deturpadas no que diz respeito ao tema em questão, o que contribui com o sentimento de revolta da sociedade para com os jovens autores de atos infracionais. 

De fato, caso seja feita uma pesquisa, grande parte da população será a favor da redução da maioridade penal, o que é preocupante, visto que, conforme pesquisas, os jovens são as maiores vítimas de violências no país, o que, infelizmente, não ganham repercussão da mídia.

Esse estudo visa contribuir para a reflexão acerca do tema, a fim de propor ao leitor um novo olhar sobre a redução da maioridade penal. Nas palavras de Moreira: 

Ao propor o rebaixamento da idade penal diferente do previsto na Constituição Federal os legisladores desconsideram que a fixação da idade máxima de dezoito anos para a inimputabilidade penal é uma opção política do Brasil. Esta opção se deu diante a partir de análises e estudos por parte de organismos internacionais e nacionais na garantia que confere, à criança e ao adolescente, tratamento 82 diferenciado, a fim de respeitar as etapas do desenvolvimento e os direitos que lhes são devidos (MOREIRA, 2011, p. 165).

Busca-se, neste trabalho, contrariar o ideal de redução da maioridade penal e apresentar como alternativa para diminuição da violência e sensação de impunidade a análise dos programas socioeducativos propostos pelo SINASE, de modo que se possibilite a construção de conhecimento e a efetivação dos direitos, não de forma punitiva, mas de forma ressocializadora.


REFERÊNCIAS

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SPOSATO, Karyna Batista. Porque dizer não à redução da idade penal. Unicef. 2009.

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Sobre os autores
Marcus Rômulo Brito Pinto

Acadêmico do 10 semestre do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão

Francisco Lício Gomes Leite

Academico de Direito

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Texto elaborado como requisito para preenchimento da carga horária exigida para conclusão do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão.

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