5. A INTERPRETAÇÃO CONFORME NA JURISPRUDÊNCIA DO STF
5.1 A Súmula Vinculante nº 10
A Súmula Vinculante nº 10 aduz que:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
A cláusula de reserva de plenário, conforme dispõe a súmula, está prevista no artigo 97 da Constituição Federal o qual aponta:
Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Segundo o que entende o Supremo Tribunal Federal, ao utilizar o método da interpretação conforme a Constituição, o Tribunal não precisa observar a cláusula da reserva de plenário, visto que não declara a inconstitucionalidade da norma, mas apenas exclui interpretações não compatíveis com a Constituição. Vejamos:
A parte agravante, em síntese, alega que 'esse STF no julgamento do RE 389.808 (...), por maioria (ocasional) de cinco votos a quatro, conferiu ao art. 6º da LC 105 'interpretação conforme a Constituição (portanto não declarando a inconstitucionalidade do dispositivo), firmando o entendimento de que conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal - parte na relação jurídico tributária - o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte. Não obstante, a decisão foi proferida em sede de controle difuso, não ostentando efeitos erga omnes nem eficácia vinculante.' (...) A decisão agravada está alinhada com a orientação do Supremo Tribunal Federal (...). (...) No caso, conforme assentado na decisão agravada, no julgamento do RE 398.808, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o art. 6º da LC 105/01. (...) 'É certo que a questão está em revisão no âmbito do Supremo Tribunal, tendo sido admitida, no RE 601.314, a repercussão geral do tema. A despeito disso, os tribunais que seguem a orientação atualmente fixada não necessitam submeter a questão aos respectivos plenários' (Rcl 17.574, Rel. Min. Gilmar Mendes). (Rcl 18598 AgR, Relator Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgamento em 7.4.2015, DJe de 5.5.2015).
5.2 A jurisprudência do STF e os limites da interpretação conforme
Em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, por meio da ADI 134, o STF concluiu por não declarar a inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul e, ao contrário, conferir-lhe interpretação conforme, com o fim de preservar sua constitucionalidade. Observa-se o teor da ementa:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. LEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS-AMB. VINCULAÇÃO DE VENCIMENTOS. OBSERVÂNCIA DO MODELO FEDERAL. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. FUNÇÃO FISCALIZADORA: LIMITAÇÃO AOS ATOS DO PODER EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. INOBSERVÂNCIA.
1. Tem legitimidade ativa ad causam a Associação dos Magistrados do Brasil - AMB, uma vez que os textos impugnados promovem vinculação de vencimentos entre os auditores do Tribunal de Contas do Estado e os juízes do Tribunal de Alçada, evidenciando o interesse corporativo da entidade.
2. Vencimentos. Equiparação e vinculação de remuneração. Inconstitucionalidade, excetuadas situações especialmente previstas no próprio Texto Constitucional. Percepção dos vencimentos em virtude do exercício do cargo em substituição. Acumulação de vencimentos não-caracterizada. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Inconstitucionalidade tão-só da expressão "e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, os dos Juízes do tribunal de Alçada", contida no § 2ºdo artigo 74 da Constituição estadual.
3. Poder Legislativo. Função fiscalizadora. Conforme prevê o artigo 49, X, da Constituição Federal, a função fiscalizadora do Poder Legislativo está restrita aos atos do Poder Executivo. Não-observância ao princípio da simetria. Inconstitucionalidade da expressão "sobre fatos relacionados a cada um deles", inserida no inciso XX do artigo 53 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que não foi acolhida pela maioria, prevalecendo o posicionamento de se conferir à norma interpretação conforme a Constituição, para excluir do seu alcance os atos jurisdicionais. Ressalva de ponto de vista do Relator. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente procedente.
Em algumas situações, entretanto, o STF tem optado por não utilizar a técnica da interpretação conforme com o receio de atuar como verdadeiro legislador positivo. De fato, conforme visto, a interpretação conforme a Constituição deve obedecer a determinados limites. Essa postura restritiva é verificada no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.344. Segundo o Ministro relator Moreira Alves:
Em face do que se acentuou na parte inicial desse voto, é relevante a fundamentação jurídica da arguição de inconstitucionalidade desse dispositivo no tocante às gratificações, existentes na data da publicação dessa lei Complementar estadual, que não têm o caráter de vantagens pessoais, como as gratificações pelo exercício de função gratificada, pelo exercício de cargo em comissão, de produtividade, e de representação.
Tendo em vista, porém, que é inequívoca a mens legis no sentido de que esse preceito visa a alcançar indistintamente todas as vantagens e gratificações de qualquer natureza que excedam ao teto nele referido, não é possível dar-se-lhe outra interpretação, para reduzir o seu alcance, e, assim, torná-lo conforme à Constituição Federal, porque a técnica da interpretação conforme só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco, como sucede no caso presente.
Entretanto, na jurisprudência da Suprema Corte também podemos encontrar julgados nos quais os Ministros utilizam a técnica de modo a criar ou alterar hipóteses de incidência da norma não previstas pelo legislador. Com efeito, na decisão proferida na ADI-MC 4.389, a interpretação conforme serviu de mecanismo para a inserção de significado diverso à norma.
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA PARA POSTERIOR INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME AO O ART. 1º, § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 116/2003 E O SUBITEM 13.05 DA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. FIXAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ICMS E NÃO DO ISS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Até o julgamento final e com eficácia apenas para o futuro (ex nunc), concede-se medida cautelar para interpretar o art. 1º, § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS.
Segundo o acórdão da ação mencionada, o STF declarou constitucional determinada interpretação dada ao artigo 1º, caput e parágrafo 2º, da Lei nº 116/2003 que trata do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Ao conceder a esse artigo a interpretação segundo a qual o ISS não deverá incidir sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria, devendo incidir o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), a Corte, a pretexto de realizar uma interpretação conforme a Constituição, acabou por criar uma nova hipótese de incidência do ICMS.
Sobre o caso analisado, Marina Corrêa Xavier:
A norma criada não pode ser extraída nem dos preceitos constitucionais utilizados como parâmetro nem das disposições objeto da ação direta, inclusive por contrariá-los. Explica-se. A Constituição é clara ao atribuir aos municípios a instituição do Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza, desde que (a) não compreendidos no artigo 155, inciso II, e (b) definidos em lei complementar. Em relação ao ponto (a), o artigo 155, inciso II, refere-se apenas aos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Quanto ao ponto (b), a União editou a Lei Complementar 116/2003, que lista os serviços sujeitos ao ISS, e entre eles está a composição gráfica.
A Constituição define, ainda, em seu artigo 146, inciso I, que cabe a Lei Complementar dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre os entes federados. Em cumprimento ao preceito, a LC 116/2003 dispõe em seu artigo 1º, parágrafo 2º, que, para evitar conflitos, os serviços constantes da lista, salvo exceções expressas, não se sujeitam ao ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias. É justamente esse o caso da impressão gráfica em embalagens produzidas sob encomenda para posterior comercialização de outros produtos. Vê-se, portanto, que o novo comando cria hipótese de incidência do ICMS e afasta a incidência do ISS.
Em outro julgado, ao analisar a natureza jurídica da OAB, o STF entendeu não ser possível se fazer uma interpretação conforme ao artigo 79 da Lei 8.906/1994, a fim de entender cabível a exigência de concurso público aos trabalhadores contratados pela OAB. A mencionada norma apenas afirma que à OAB aplica-se o regime celetista. Desse modo, conforme destacou o Ministro Eros Grau, não há, no caso, uma norma plurissignificativa que permita mais de uma interpretação ou a extração de mais de uma norma.
Apesar do que foi decidido pelo Supremo, alguns Ministros apresentaram posicionamento divergente apontando haver ambigüidade na medida em que a natureza jurídica da OAB não estava definida. Caso a entidade fosse considerada de Direito Público, haveria a exigência de concurso, caso fosse considerada de Direito Privado, não haveria tal exigência. Em razão disso, a aplicação da norma do artigo 79 citado, cumulada com o artigo 37 da Constituição Federal geraria uma ambigüidade, permitindo a incidência da interpretação conforme. No entanto, como visto, não foi esse o entendimento do tribunal.
6 CONCLUSÃO
Conforme exposto, a interpretação da Constituição possui características especiais que a diferem da interpretação das demais leis do ordenamento jurídico. Para tanto, além dos métodos tradicionais de interpretação, utilizados pelo direito privado, faz-se necessária a utilização de métodos específicos, tais como o científico-espiritual, o tópico-problemático, dentre outros.
Aliados a esse métodos, os princípios de interpretação constitucional também são preceitos importantes que auxiliam o exegeta e o operador do direito quando da aplicação das normas da Constituição aos casos concretos.
Considerado por muitos um princípio de interpretação constitucional e, por outros, uma técnica utilizada no âmbito do controle de constitucionalidade, a interpretação conforme a Constituição surge como importante mecanismo da hermenêutica constitucional. Com o objetivo de conferir permanência às leis do ordenamento jurídico, a interpretação conforme garante que, caso aquelas possuam um significado que esteja de acordo com as demais normas da Constituição, não devem ser declaradas inconstitucionais.
Todavia, essa prática possui alguns limites que devem se observados pelo Poder Judiciário. Com efeito, somente as normas polissêmicas ou plurissignificativas dão margem a essa interpretação conforme. Ademais, o magistrado deve observar as finalidades da lei, isto é, os objetivos pretendidos pelo legislador positivo.
O Supremo Tribunal Federal há muito vem adotando essa técnica em sede de controle abstrato e incidental de constitucionalidade. Por vezes, o Supremo possui entendimento no sentido da aplicação da técnica, em outras situações, pela sua não aplicação e, em algumas, até mesmo excede os limites dessa interpretação.
Conforme exposto, a jurisprudência do STF ainda não se mostra uniforme e consolidada quanto à aplicação da técnica da interpretação conforme a Constituição. Desse modo, tendo em vista sua importância para a unidade do ordenamento jurídico brasileiro, constata-se a necessidade de que o tema seja objeto de discussões e análises, tanto por parte da jurisprudência como também por parte da doutrina, para que seja aplicado da forma mais adequada à interpretação do texto constitucional.