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Responsabilidade civil pela desistência na adoção

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Resumo:


  • A desistência da adoção durante o estágio de convivência é, em regra, legítima e não enseja responsabilidade civil, mas excepcionalmente pode gerar reparação se houver sofrimento psíquico intenso para a criança ou adolescente.

  • Após o estágio de convivência, durante a guarda provisória, a desistência da adoção pode configurar abuso de direito e acarretar responsabilidade civil, especialmente se houver formação de vínculo afetivo consolidado.

  • Depois do trânsito em julgado da sentença de adoção, a adoção é irrevogável e a "devolução" de um filho adotado constitui ilícito civil e potencialmente ilícito penal, configurando abandono de incapaz.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. CONCLUSÕES E REFLEXÕES FINAIS

 O drama da desistência na adoção é agudo e tem desafiado, cada vez mais, os nossos Tribunais.

Partindo da premissa da possibilidade de entrelaçamento das esferas da responsabilidade civil e das relações familiares, investigamos o cabimento de indenização pelos danos derivados das “devoluções” de crianças e adolescentes em processo de adoção ou com a adoção já consumada.

Trata-se de uma indenização que não apenas atende ao escopo compensatório, mas também se justifica em perspectiva pedagógica, à luz da função social da responsabilidade civil. 

Aliás, a dor, a angústia, o sofrimento derivados da “devolução de um filho” - como se mercadoria fosse - acarretam, em nosso sentir, um dano moral que dispensa prova em juízo (“in re ipsa”).

Se a desistência ocorre dentro do estágio de convivência (ECA, art. 46) no sentido estrito, não se há que falar, em regra, em responsabilidade civil, eis que o direito potestativo de desistência é legítimo e não abusivo.

Se a desistência ocorre, contudo, após o estágio de convivência, durante período de guarda provisória e antes da sentença transitada de adoção, pode se configurar o abuso do direito (de desistir), à luz do art. 187 do CC, daí emergindo a responsabilidade civil.

Após a sentença de adoção transitada em julgado, é juridicamente impossível a pretendida “devolução”, caracterizando, tal ato, se efetivado, no plano fático, ilícito civil (e, a depender do caso, também, ilícito penal, por abandono de incapaz - art. 133, CP).  Ressalte-se que o juiz, inclusive, pode proferir uma sentença de rejeição do pedido de devolução, sem sequer citar o réu (hipótese atípica de improcedência liminar do pedido - art. 332, CPC).

Adotar é lançar ao solo sementes de amor, mas esse ato precisa se dar no terreno da responsabilidade e da consciência de que as relações paterno ou materno-filiais, quaisquer que sejam as suas origens, são repletas de arestas que demandam paciência, resiliência e afeto para serem aparadas.


REFERÊNCIAS 

1. DIAS, Maria Berenice. O Perverso Sistema da Adoção in PEREIRA, Rodrigo da Cunha, DIAS, Maria Berenice (Coord.) Familia e Sucessões. Polêmicas, tendências e inovações. Editora IBDFAM, 2018, 1 Ed. p. 114.

2. DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. 1, 22ª ed. Salvador: JusPodivm, 2020, pp. 740/741.

3. GAGLIANO, Pablo Stolze. Aula proferida pelo coautor Pablo Stolze Gagliano, em aula, por videoconferência, proferida no dia 17 de julho de 2020, a convite da ilustre Promotora de Justiça Márcia Rabelo, coordenadora do Caoca do Ministério Público do Estado da Bahia.

4. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias  Editora Forense, 2020, p. 449.

_________________________. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. São Paulo: Del Rey, 2005, p. 156.

5. TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil - volume único. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 79-80.

6. https://istoe.com.br/policia-investiga-caso-de-youtuber-que-devolveu-filho-tres-anos-apos-a-adocao/  acessado em 25 de julho de 2020.

7. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40464738 acessado em 25 de julho de 2020.

8. https://www.conjur.com.br/2020-mar-08/casal-pagar-indenizacao-desistir-adocao acessado em 25 de julho de 2020.

9. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40464738 acessado em 25 de julho de 2020.


Notas

[1] https://istoe.com.br/policia-investiga-caso-de-youtuber-que-devolveu-filho-tres-anos-apos-a-adocao/

[2] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40464738

[3] https://www.conjur.com.br/2020-mar-08/casal-pagar-indenizacao-desistir-adocao

[4] Nesse sentido, vale a pena conferir Rodrigo da Cunha Pereira, segundo o qual "a família contemporânea não admite mais a ingerência do Estado, sobretudo no que se refere à intimidade de seus membros. Conforme salienta Luiz Edson Fachin, está-se diante de um notório processo de privatização das relações, com propagação da interferência mínima do Estado no âmbito das relações privadas, notadamente nas relações de família". (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais Norteadores do Direito de Família. São Paulo: Del Rey, 2005, p. 156).

[5] A exemplo do dano provocado por aquele que age sob estado de necessidade ou em legítima defesa nos termos dos artigos 929 e 930, CC.

[6] TARTUCE, Flávio. Manual de Responsabilidade Civil - volume único. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 79-80.

[7] Essas conclusões basearam-se em aula proferida pelo coautor Pablo Stolze Gagliano, por videoconferência, no dia 17 de julho de 2020, a convite da ilustre Promotora de Justiça Márcia Rabelo, coordenadora do Caoca do Ministério Público do Estado da Bahia.

[8] Segundo diálogo virtual que mantivemos com Silvana Du Monte, uma das maiores especialistas do país em matéria de adoção, presidente da Comissão do IBDFAM destinada ao tema, essa é a fase do “cortejo” entre os candidatos a pais e filhos, que se dá, comumente, no próprio abrigo, acompanhado pela equipe técnica e com saídas aos finais de semana.

[9] DIAS, Maria Berenice. O Perverso Sistema da Adoção in PEREIRA, Rodrigo da Cunha, DIAS, Maria Berenice (Coord.) Familia e Sucessões. Polêmicas, tendências e inovações. Editora IBDFAM, 2018,  p. 114.

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[10] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias  Editora Forense, 2020, p. 449.

[11] Nesse sentido “ A devolução injustificada do menor/adolescente durante o estágio de convivência acarreta danos psíquicos que devem ser reparados(TJ-SC AI: 40255281420188240900 Joinvile 4025528-14.2018.8.24.0900, Rel: Marcus Túlio Sartorato, 3 Camara de Direito Civil, j: 29/01/2019)

[12] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias  Editora Forense, 2020, pag. 450

[13] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40464738

[14] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias  Editora Forense, 2020, p. 450

[15]  DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. 1, 22ª ed. Salvador: JusPodivm, 2020, pp. 740/741.

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Sobre os autores
Pablo Stolze Gagliano

Juiz de Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor da Universidade Federal da Bahia. Co-autor do Manual de Direito Civil e do Novo Curso de Direito Civil (Ed. Saraiva).

Fernanda Carvalho Leão Barretto

Advogada. Mestre em Família na Sociedade Contemporânea pela UCSAL. Professora da UNIFACS- Universidade Salvador e de diversos cursos de pós-graduação. Conselheira da OAB/BA. Vice-presidente do IBDFAM/BA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAGLIANO, Pablo Stolze ; BARRETTO, Fernanda Carvalho Leão. Responsabilidade civil pela desistência na adoção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6235, 27 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46411. Acesso em: 22 dez. 2024.

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