“Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; Quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; Quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; Então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”. (Ayn Rand)
O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal – STF, na última quarta (17.02), do Habeas Corpus- HC 126.292, acendeu uma luz amarela frente ao meio jurídico nacional e internacional.
Em um pleito resultante de sete (7) votos a quatro (4), o Plenário do Supremo negou provimento a um recurso de defesa, originário do TJ/SP, afirmando a possibilidade de execução da pena após decisão confirmada em segundo grau recursal.
Para aqueles que atuam no mundo jurídico, as mudanças repentinas de entendimento e a falta de uniformidade nas decisões de nossas cortes não chegam a ser novidade, mas o tema em questão surpreende, pois coloca em xeque os direitos e garantias do homem.
A referida decisão colide com os princípios da presunção da inocência e da ampla defesa e contraditório (due process of Law) que, juntos aos princípios do juiz natural e devido processo legal, formam-se como elos da corrente que sustenta o Estado Democrático de Direito. São princípios consolidados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. XI, 1), no Pacto de São José da Costa Rica (Art. 8º, 2), e recepcionados pela nossa Constituição Federal (Art. 5º, LVII c/c Art. 15, III) com reflexo em nosso Código de Processo Penal – CPP (como no Art. 594 entre outros).
Fica sinalizado no controverso decisum que nossa Suprema Corte não pode mais tolerar a delinquência dos danos ao erário público, como o que ocorre nos tristes e recentes casos de corrupção, os tidos crimes lesa-pátria. É a resposta ao apelo da nação brasileira à sensação de imunidade penal que reina no sistema jurídico do país, principalmente quando envolve pessoas de alta condição financeira e outros nem tanto, mas sob a proteção das chamadas imunidades parlamentares e ‘amigos da Corte’.
A pretensão do STF é clara: querem punir os beneficiários da corrupção que assola o país.
Para se ter uma ideia da gravidade e extensão do rombo ou roubo (como queira interpretar) relacionado a corrupção, segundo dados da Federação das Indústrias de São Paulo – Fiesp, desde a redemocratização do Brasil (1985) até os dias atuais, o desfalque é astronômico, bate a casa dos cinco (5) trilhões de reais.
O gravame da decisão do STF é que a decisão pode tomar caráter erga omnes (para todos) e, nesse caso, o réu pobre, aquele que não pode arcar com custas de advogados de renome (as defensorias públicas ainda não estão bem estruturadas no Brasil), serão as maiores vítimas.
O episódio se agrava quando se detecta o grande número de réus, que se tornam vítimas do capenga sistema jurídico brasileiro, que são condenados de forma indevida por nossos tribunais (segundo a Fundação Getúlio Vargas – FGV, cerca de 10% das decisões do STF e 30% do STJ são alvos constantes de reforma).
Além do alento de alguns baluartes da justiça, que, ao se debruçarem sobre os votos da polêmica decisão, alegam faltam-lhes a devida motivação jurídica, comprometendo a validade da decisão (a fundamentação como pré-requisito de validade em uma decisão), alertamos que não podem ser esquecidos os ensinamentos, em estudo mais aprofundado nas lições de Alexy e MacCormick, que tratam sobre as consequências e justificação das decisões [1] – em que uma decisão judicial introduz um padrão de conduta a ser observado sob o ponto de vista não apenas moral, de forma isolada, mas também jurídico (princípio da justiça formal), implicando que suas justificações devem estar assentadas em razões universais, tornando-se, assim, uma regra para todas as pessoas.
De qualquer maneira, a polêmica decisão levanta um ponto que urge ser debatido em nossa sociedade, “abrindo os olhos” do Legislativo para reformas profundas em nossa legislação, adequando-a para uma nova era, um novo momento de nosso país, em que a validade da justiça deve ser para todos, ricos e pobres, “patrícios e plebeus”.
Nota
[1] Para aprofundamento indicamos a leitura das obras de Neil MacCormick – On legal decisions and their consequences: from Dewey to Dworkin - N.Y. University Law Rewiew. vol. 58. 1983; e Robert Alexy – Teoria da argumentação jurídica, a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica – Landy Editora. 2001.