Tortura: da história mundial à atualidade brasileira

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TORTURA NO BRASIL

Quando falamos da prática de tortura no Brasil, remetemos nossa memória imediatamente à época da ditadura militar. Sem dúvida, nesse período torturavam-se, sem distinção, homens, mulheres, crianças e idosos, mas no Brasil a tortura acontece desde o seu descobrimento, ou até mesmo antes pelos próprios índios em seus rituais de antropofagia.

No início do país práticas tortuosas eram realizadas contra os povos indígenas que de maneira alguma aceitavam a ocupação e as imposições territoriais dos portugueses e com a chegada dos navios negreiros essas eram utilizadas como punição para escravos que tentavam fugir das senzalas. Podemos assim dizer que a Coroa Portuguesa admitiu as práticas de tortura quando concedeu total poder aos capitães donatários sobre as capitanias pensando apenas na prosperidade delas sem levar em conta os índios, os escravos, dentre outros[28].Foi na época colonial que os portugueses encontraram no Livro V das Ordenações Filipinas seu fundamento legal, a tortura, como meio de prova sendo amplamente utilizada.

Não se pode dar certa forma quando e em que casos o preso deve ser mettido a tormento, porque pode ser contra elle hum só indício, que será tão grande e tão evidente, que baste para isso convem a saber, se elle tiver confessado fora do Juizo, que fez o maleficio, porque he accusado, ou houver contra elle huma testemunha, que diga que lho vio fazer, ou fama publica, que proceda de pessoas de auctoridades e dignas de fé, ou se o preso se absentou da terra pólo dito malefício, antes que delle fosse querelado, com outro algum pequeno indicio. E poderão ser contra elle muitos indicios tão leves e fracos, que todos juntos não bastarão para ser mettido a tormento; por tanto ficará no arbitrio do Julgador, o qual verá bem, e examinará toda a inquirição dada contra presoE se achar tanta prova contra elle, que o mova a crer que elle fez o delicto, de que he accusado, mandai-o-há metter a tormento, e de outra maneira não.[29]

Todavia, após a Declaração de Independência, essa pratica foi abolida pela constituição outorgada de D. Pedro I em 1824 onde já dizia em seu artigo 179 incisoXIX que “desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis”[30], mas a tortura ainda continuava presente no cenário brasileiro, na verdade, a tortura ou punições degradantes continuaram a ser praticados rotineiramente contra os escravos, até as vésperas da abolição da escravatura.

Nas constituições seguintes de 1891, 1934 e 1946 nada foi mencionado sobre a tortura, tornando sua prática livre já que não haveriam punições para tal, principalmente entre 1937 à 1945 onde foi implantada a primeira ditadura do país, a ditadura de Getúlio Vargas. Porém, ao termino da ditadura de Vargas não demorou muito tempo para que os militares chegassem ao poder. Após diversas manifestações populares o até então presidente João Goulart fugiu para o Uruguai, mas Jango, como era conhecido sempre mantinha relações com governos socialistas, assim como seu antecessor Jânio Quadros que condecorou Ernesto Che Guevara, por esse motivo os militares instauraram, sob o pretexto de “ameaça comunista”, uma ditadura militar que duraria vinte e um anos com atitudes de terror e maldade com a vida de todos que fossem contra ou apoiassem os comunistas. Paulo Juricic, em sua obra “Crime de Tortura” afirma sobre este período que:

Na sistemática de tortura no Brasil, foram surgindo muitos abusos cometidos pelos interrogadores, que oprimiam os presos para arrancar-lhes a verdade. Com o regime militar, a tortura transformou-se em método cientifico, passando a pertencer aos currículos de formação de militares.[31]

Nos anos seguintes o pais buscou uma redemocratização onde em 1984 o deputado Dante de Oliveira apresentou uma emenda constitucional que pregava primeiramente por eleições diretas para presidente, mas o Congresso não aprovou, fazendo com que o pais se comovesse e saísse as ruas em protesto e lutando pelas “Diretas Já”[32]. Desse modo, os militares não permaneceram no poder acabando com a ditadura e dando início a redemocratização, porém como a ditadura muito nos interessa merece mais atenção então voltaremos nele no próximo capitulo.

Em busca da democratização brasileira em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a nova Carta Magna do país e nela em seu artigo 5º, inciso III e XLIII torna crime a tortura no país:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo‑se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evita‑los, se omitirem.[33]


DITADURA MILITAR

Com uma breve introdução, a Ditadura Militar foi instaurada a partir de um golpe que ocorreu no ano de 1964, como conseqüência de uma série de tendências e contradições que vinham acontecendo nos anos anteriores, mas esse período foi incrivelmente marcado pelo autoritarismo, pelas perseguições políticas, supressões dos direitos constitucionais, censuras para com os meios de comunicações. Vale destacar que durante esse período, houve um up na economia da época, havendo a modernização das indústrias e serviços, mas como um dos pontos que mais se destaca, é sobre o assunto que se trata o referido artigo, nesse período, há uma série de perseguições e torturas, os quais, os militares da época utilizavam de diversas técnicas para obterem informações de quaisquer pessoas que se opusesse a forma de governo daquele período.

Mas foi por um projeto onde houve a participação do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, da Arquidiocese de São Paulo, e o pastor Jaime Wright,  os quais realizaram juntamente com sua equipe, uma pesquisa de todo o processo político, analisando e constatando as formas de torturas realizadas na época, onde as que mais se destacam são: "O pau de arara, Cadeira do dragão, choque elétrico, Espancamentos, Soro da verdade, Afogamentos, Geladeiras"[34], dentre outros.

Como a tortura era utilizada como meio de obtenção de prova, os quais os torturadores eram favorecidos pelas confissões que conseguiam arrancar de suas vítimas, e ainda, como forma de castigo para seus prisioneiros, a tortura participa não só do momento histórico aqui nesse capítulo exemplificado, mas remonta os primórdios da ocupação deste país pela metrópole portuguesa, remonta o período em que os escravos do período colonial, eram submetidos a seqüências de chibatadas como formas de castigos.

O que se pode perceber, é que não foi o grande projeto capitaneado pelo cardeal e o pastor, para classificar as formas, técnicas e vítimas das torturas existentes, mas que a mesma participou de toda evolução história do país, e que foi no período da Ditadura, onde as formas tortura obtiveram modernização, e técnicas mais eficazes, os quais houve a participação de oficiais de outras nacionalidades para especializar e treinar as novas técnicas aos militares brasileiros.

(...) a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter informações. (...) no tempo do governo Juscelino alguns oficiais, (...) foram mandados à Inglaterra para conhecer as técnicas do serviço de informação e contrainformação inglês. Entre o que aprenderam havia vários procedimentos sobre tortura. O inglês, no seu serviço secreto, realiza com discrição. E nosso pessoal, inexperiente e extrovertido, faz abertamente. Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior. (O Globo, 1996, p.12)[35]


A ATUALIDADE DA TORTURA BRASILEIRA

A tortura continua existindo em nossos dias, os quais milhares de pessoas são submetidas a essas técnicas, mas a mesma passou por várias mudanças onde os seus métodos não mais são a agressão física, como estamos habituados a conhecer, mas as formas psicológicas que estamos submetidos sem nossa percepção, podendo ser atingido até mesmo em nossos locais de trabalho, acompanhado de outros fatores que complementariam para que nosso corpo seja de certa forma agredido, fisicamente e psicologicamente pelas intempéries do tempo, espaço e esforços realizados e que somos forçados a realizar.,

O Brasil, é signatário dos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos relativos a tortura, o qual aderiu sem demora à declaração universal dos Direitos Humanos e ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,  por conseguinte, no Brasil, a tortura recebeu da atual presidente, projetos de Lei para que se criem formas para combaterem a tortura, sendo uma delas, o Sistemas Nacional de Prevenção e Combate à tortura[36]. Possui ainda como meio de proteção a novas vítimas de Tortura, a Lei nº 9.455, de 7 de Abril de 1997, o qual define os crimes de Tortura[37].

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Por mais que tenha projetos, Leis, Sistemas prevenção, ainda há casos famosos de tortura no Brasil, como o caso do pedreiro Amarildo que desaparece após operação policial na Favela da Rocinha, e que ao todo 25 policiais da UPP da rocinha foram denunciados por tortura seguida de morte, e mais outros policiais por outros que de certa forma participaram do desprezível ato.

Percebe-se que com o passar dos tempos no Brasil, as várias formas de prevenção vem sendo, como quaisquer outros meios de segurança que por força de lei, norma, são violadas. Os quais, todos os dias deparamos com diversos crimes, acidentes, atentados, onde são nos mostrados pelos mais variados veículos de divulgação existente.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pode ver, desde os tempos mais remotos, nas sociedades primitivas, a tortura dava oportunidade para que os poderosos se fizessem presentes, e de serem obedecidos por seus subordinados.  Ainda, os senhores de escravos acreditava que a tortura não causava nenhum tipo de estrago a consciência, e que os escravos não possuíam almas, e ainda eram reduzidos a condição de animais domésticos. Vale-se destacar, os milhões de vítimas do nazismo, em decorrência de interrogatórios individuais e das mortes lentas, dos prisioneiros dos campos de concentração.

Com a Ditadura Militar ocorrida no Brasil, o qual as técnicas de tortura foram mais aprimoradas e especializadas, se utilizava destas técnicas para obterem confissões, e como um dos principais objetivos, de se judiar das pessoas que se opusesse a forma de governo da época.   Ainda hoje, técnicas de tortura são aplicadas em sistemas de Penitenciária, e por mais absurdo que se possa parecer, os meios de tortura que muitos cidadãos estão submetidos a sofrer, pelas condições de trabalho, pela falta de segurança, controle, proteção, e que nos expõe a áreas e ambientes de riscos, onde muitos necessitam do esforço humano para não correrem riscos de vida. Torturas estas que indiretamente nos forçam ar que no final do dia possamos estar em segurança, e ainda, aos sofrimentos que temos de suportar pelas mazelas do homem em geral.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.455. de 07 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá  outras providências. Disponível em: < http://www. planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l 9455.htm  >. Acessado em 19/11/2013.-

CASTANHO, Sandra Maria. Tortura: uma estratégia para coibir os adversários do regime militar. Maringá, Ano I, nº 02, jul.2001. Disponível em <http://www.urutagua.uem.br//02sandra.htm> Acesso em 19/11/2013.-

MENDES, Priscila. Dilma sanciona sem vetos lei de combate à tortura, informa ministério. Disponível em: < http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/08/dilma-sanciona-sem-vetos-lei-de-combate-tortura-informa-ministerio.html>. Acessado em 19/11/2013.

NAVARRO, Roberto. Quais foram as torturas utilizadas na época da ditadura militar no Brasil?. Disponível em <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quais-foram-as-torturas-utilizadas-na-epoca-da-ditadura-militar-no-brasil>. Acesso em 19/11/2013.-

OLIVEIRA, Luciano. DITADURA MILITAR, TORTURA E HISTÓRIA: A "vitória simbólica"dos vencidos*. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v26n75/01.pdf>. Acessado em 19/11/2013.

O PAÍS. O Globo, Rio de Janeiro, 14 set. 1996. Disponível em:  <http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?busca=Geisel+afirma>. Acessado em 19/11/2013.-

SOLET, Bertand. SILVA, Irami B. (Trad). Justiça seja feita contra a tortura. São Paulo: Scipione, 2001.

VOLKELIS, Gabriel. Para promotora, PMs que ouviram tortura de Amarildo não tinham como agir de outra forma. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/10/28/para-promotora-pms-que-ouviram-tortura-de-amarildo-nao-tinham-como-agir-de-outra-forma.htm> Acessado em 19/11/2013

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Sobre os autores
Camila Tawane

Acadêmica do Curso de Direito na Faculdade do Norte Novo de Apucarana - FACNOPAR. Estagiária no escritório Zanetti Advogados Associados.

Carlos Henrique dos Santos

Graduando em Direito pela Facnopar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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