Capa da publicação Iter criminis: fim dos atos preparatórios x início dos atos executórios
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A emblemática distinção entre o término dos atos preparatórios e o início dos atos executórios no iter criminis

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4. O FUNDAMENTO DA PUNIÇÃO DA TENTATIVA

Levando-se em consideração o fato de que, conquanto ao início da execução, é “sumamente problemática a sua delimitação em relação aos atos preparatórios”,85 necessário é o estudo analítico e detalhado de todas as nuances envolventes a problemática questão. Conduta adversa e que deve ser evitada, é o comportamento assumido por grande parte da doutrina ao si negligenciarem em realizar denso estudo temático, desculpando-se na complexidade ali existente. Tal atitude se assemelharia, há alguns anos, “em Medicina afirmar [...] que é absolutamente impossível encontrar remédio para o câncer, ou que, à falta de solução, melhor será tratar o paciente com penicilina.”86

Sendo assim, ante a atipicidade objetiva da conduta tentada, torna-se indispensável a consciência do fundamento de sua punição, haja vista a sua imprescindibilidade para a compreensão das teorias distintivas expostas adiante, para que, com estas, aproximar – diga-se tal verbo pois como se verá logo mais que a definição exata é impossível – do ponto distintivo entre o término do momento preparatório e o início do executório, além de fundamentar o presente estudo.

Com o intento de possibilitar a real compreensão das teorias aqui apresentadas, há de se fazer algumas ponderações sobre capacidade da conduta do agente ativo em lesionar o bem jurídico, já que tal resultado será objeto de justificação para as teorias.

4.1. Teoria objetiva

Tal teoria tem como principal fundamento a implicação ao “perigo para o bem jurídico”,87 ou “a periculosidade objetiva na causação da tentativa”,88 sendo que, para respeitáveis doutrinadores89, o ordenamento jurídico brasileiro a tem adotado, em virtude do atuante princípio da legalidade. Desta feita, punir-se-á sempre que determinada conduta oferecer perigo ao bem jurídico tutelado para a norma.

Em contrapartida, há críticas expressas tecidas em desfavor da presente teoria sustentando-se na impossibilidade, segundo os conceitos daquela, da punição da tentativa inidônea, tendo em vista o ordenamento penal português e a legislação penal brasileira anterior, que aplicavam a medida de segurança ao crime impossível.90 No entanto, Hodiernamente, o Código Penal Brasileiro não pune, de qualquer forma, a tentativa inidônea, por força do seu art. 17. ao mencionar que “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”

4.2. Teoria subjetiva

A concepção subjetiva remonta ao direito romano, desenvolvendo-se com Grolmann e se destacando com von Buri,91 alçando vários adeptos na Alemanha principalmente após a reforma penal de 1939.92

A teoria subjetiva “[...] fundamenta a punição da tentativa na vontade do autor contrária ou inimiga do Direito, [...]”93 alegando que “o ilícito jurídico-penal considera-se constituído pela violação da norma como tal, mais rigorosamente, pelo comportamento através do qual o agente, vistas as coisas da sua perspectiva, viola uma norma proibitiva ou impositiva.”(grifo do texto).94 Desta feita, o cerne do pensamento subjetivista é a vontade do autor, sua intenção delitiva.

Visto tal importância sobrelevada ao intelecto delitivo do agente quando da realização dos atos executórios, tem-se que tal vontade é a mesma que se encontra no delito consumado, considerando-se a vertente finalista adotada na ciência penalista e “posto que em ambos a vontade criminosa é igual.”95 Desta feita, ocorre a equiparação da punição entre o crime tentado e o consumado, o que na atual ordem penalista brasileira, é inadmissível, visto ao tratamento distintivo atribuído à questão pelo Código Penal.

Ademais, “a teoria subjetiva possui sentido geral muito autoritário”96 ao considerar apenas o subjetivismo do autor como fundamento para se punir os atos executórios. Assim o considerar, trata-se de “concepção extremada ou exclusivamente subjetiva”97 que desconsidera todo o elemento objetivo, conduzindo-se à uma “apenação, como delitos, de atos que não atingem bem jurídico algum”98, o que contradiz à função precípua do Direito Penal, conforme outrora explanado.

4.3. Teoria da impressão

Elaborada e formulada inicialmente por Der Versuch Horn99, tal teoria atua como complemento da teoria subjetiva ao afirmar que há “a punibilidade da tentativa só quando a atuação da vontade inimiga do Direito seja apta a perturbar a confiança existente na vigência da ordem jurídica e o sentimento de segurança jurídica entre aqueles que tenham conhecimento da mesma”100, gerando a “diminuição da ‘consciência da própria segurança’.”101(grifo do texto).

Fundamenta-se a punibilidade da tentativa em um suposto “alarme social”102 gerado pela conduta do agente quando da prática delituosa, sempre que ela for “adequada a pôr em causa a confiança da comunidade na vigência daquele ordenamento e, deste modo, a frustrar as suas expectativas de segurança e de paz jurídicas.”103 (grifo do texto), causando-se uma “impressão na generalidade”104 social. Diga-se suposto “alarme social” dada a insustentabilidade da “existência daquele sem um fundamento objetivo certo”105, sem que haja o mínimo de lesão ao bem jurídico, fundamentando a punição da tentativa em uma “presumida intranquilidade da opinião pública e que não estaria respaldada pela lesão de algum bem juridicamente tutelado”106(grifo do texto). Ora, tal o é como ocorre, pois a segurança jurídica é atingida por atos que sequer ofereçam ameaça para o bem jurídico, o que impossibilita a atuação repressiva penal. Desta forma, arriscar-se-ia à punição de atos que, apesar de gerar instabilidade social e ferir o sentimento de segurança jurídica, não atingem de qualquer forma o bem jurídico tutelado, o que não concede ases à atuação do direito penal.

Com isso, forma-se a crítica em relação à adoção da teoria da impressão, construída por “elementos irracionais e incertos, vagos e franqueados à maior arbitrariedade interpretativa”, assim como ocorre na teoria subjetiva, ocorrendo-se o regresso àquela inconstância.

Jorge de Figueiredo Dias, por sua vez, rebate as críticas dizendo que intenta-se o fundamento para a punição da tentativa e não critérios de interpretação das normas penais, dizendo, ademais, que “a teoria da impressão é que melhor se compatibiliza com o regime conferido aos actos de execução, [...].”107 Acrescenta o autor, em contra-argumento ao alegado “conceito vago” da teoria da impressão, que o critério substituto – “proximidade do tipo” – não é menos vago daquele que se apresenta naquela teoria, acrescentando que apenas se discute o fundamento para a punição e não o direito material em si.

Em contrapartida, mirando-se naquela mencionada crítica (incerteza e irracionalidade dos elementos), os doutrinadores Zaffaroni e Pierangeli108 a alimentam apresentando outras duas vertentes complementares à teoria da impressão na generalidade, filiando-se apenas à uma, por acreditarem ser a que mais oferece coerência. A primeira vertente alegada é a teoria da “impressão no sujeito passivo”, configurando-se no temor da lesão gerado ao bem jurídico no sujeito passivo pela conduta executante do agente. No entanto, assim como na “impressão na generalidade”, o temor gerado no indivíduo passivo é eventual e amplo, sendo-o insuficiente para fundamentar a punição da tentativa, até mesmo pelo retorno à adoção do subjetivismo. Ademais, em determinadas circunstâncias o sujeito passivo ao menos tem consciência da conduta contundente do sujeito ativo, o que, nos ditames da referida teoria, ocasionaria na impunibilidade do agente, o que seria inaceitável.

Por outrora, alcança guarida daqueles doutrinadores a “teoria da impressão na ordem jurídica”, onde o Direito, em uma valoração prévia da conduta, teme pelo sujeito passivo, que pode não se sentir atemorizado. Neste raciocínio, diga-se que “o Direito Penal tipifica condutas porque teme pelos homens, porque teme que essas condutas os privem das possibilidades de realização em coexistência, e pune essas ações mesmo quando, de fato e no caso concreto.” Desta feita, a fundamentação para a punição da tentativa (atos executórios) estaria no temor causado na ordem jurídica, através de uma conduta praticada pelo agente.

Evidencia-se ainda que a teoria fundamenta a punição da tentativa no temor gerado pela conduta do agente, sendo-a uma “conduta ameaçadora”109 ao bem jurídico e ignorando-se o perigo e a lesão. Limitar a punição somente à lesão ao bem jurídico seria desconsiderar toda uma gama de condutas que não agridem o bem jurídico de forma contundente, mas o ameaça e gera uma desestabilização quanto à sua segurança.

Conquanto ao perigo, o mesmo é composto por dois elementos, quais sejam: objetivo, configurando-se pela proximidade do meio à consumação do delito, ou, a viabilidade e eficácia do meio em atingir o resultado lesivo – há uma possibilidade palpável da ocorrência da consumação, o que justifica o fato de que a tentativa é punida com menos intensidade que o delito consumado110, por não o ter alcançado (quanto à proximidade, a mesma é claramente vislumbrada pelo fato de que o ordenamento jurídico pátrio tipifica certas condutas perigosas, transformando-as em delitos autônomos e que se consumam mesmo com a ocorrência da lesão ao bem jurídico protegido, conforme outrora mencionado), e; subjetivo, sendo-o a mera ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado, capaz de incutir temor seja no sujeito passivo, seja na ordem jurídica.111

Dito isto, ainda segundo Zaffaroni e Pierangeli, tem-se que o perigo é volátil enquanto a sua configuração de proximidade do meio à consumação do delito, pois tende a se ampliar sempre que o agente se aproxima da consumação do delito112, motivo pelo qual não pode ser, exclusivamente, o fundamento da punição da tentativa. Já a ameaça configura-se no início do perigo, a possibilidade de convivência com este pois “não se mostra como ameaçador e temível só o que aumenta o perigo de maneira efetiva, mas também o que pode proporcionar a vivência do perigo.”113

Com isso, é a ameaça, o temor gerado frente ao bem jurídico tutelado que justifica a punição retrógada dos atos executórios e não somente quando do alcance da consumação de determinado delito.


5. A DISTINÇÃO ENTRE ATOS PREPARATÓRIOS E EXECUTÓRIOS

Após longa e extensa exposição de fundamentos necessários à discussão e compreensão do tema central proposto, os ânimos ansiosos finalmente haverão de ser pacificados com a chegada do momento da análise da distinção tema do presente trabalho. Como se verá nas próximas elucidações, as questões anteriores emergidas são de profunda e necessária importância para a exata compreensão das teorias aqui apresentadas, visando atingir um ponto de delimitação entre os atos preparatórios e os executórios.

Ressalta-se que “a questão do fundamento e dos limites da punibilidade da tentativa tornou-se, nos dois últimos séculos, em dos temas mais controvertidos de toda a dogmática jurídico-penal, [...]”114, o que justifica aventurar-se neste imponente desafio e demonstra a complexidade existente.

Conforme alhures mencionado, na tentativa ocorre a atipicidade objetiva ou a tipicidade objetiva incompleta, ocorrendo esta em sua completude somente quando da consumação do delito. No entanto, nos atos executórios há de se falar em tipicidade subjetiva completa, composta por todos os elementos subjetivos exigidos para o crime consumado – destaca-se a necessidade do dolo idêntico ao necessário para o delito consumado.115

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Com tal raciocínio, tem-se que “a norma amplia-se para abranger em seu conteúdo proibitivo a ameaça ao bem jurídico (a perturbação do bem jurídico), como uma forma a mais de ofendê-lo, mas não muda o bem jurídico, que continua a ser o mesmo do delito consumado.”116

Considerando tal tipicidade subjetiva envolvente de todos os elementos subjetivos descritos no tipo penal, somente há de se falar em tentativa na vigência do pensamento finalista, em detrimento da estrutura causalista, justamente pelo não reconhecimento desta dos elementos subjetivos presentes na conduta, ocorrendo-o na culpabilidade. Neste sentido:

A única caracterização possível da tentativa como delito imperfeito é dentro da estrutura finalista, posto que é a única em que a tentativa consiste só na falta de uma parte da tipicidade objetiva, sem que isso altere a estrutura geral do delito – como sucede com os que pretendem que o dolo atue, no delito tentado, como elemento subjetivo do tipo – nem produza uma desordem na teoria – como sucede como os que pretendem existir culpabilidade sem tipicidade.117

5.1. Teoria negativista ou subjetiva pura

Dada à complexidade exaustivamente mencionada outrora, muitos doutrinadores se furtam a distinguir os atos preparatórios dos executórios, alegando que entre eles não há delimitação. Desta feita, negam-se a existência de uma distinção entre aqueles atos, o que faz surgir, deste modo, a teoria negativista ou subjetiva pura.

A teoria implica a punição de todo e qualquer ato que, conforme o plano delitivo do autor, já esteja presente a finalidade criminosa, estendendo-se “a punibilidade a todo ato em que se manifeste a resolução do autor, por longe que possa achar-se do núcleo consumativo do delito.”118

Esta longínqua distância que poderá ocorrer entre a conduta do agente e a consumação do delito, é alvo das críticas mais contundentes realizadas em desfavor de presente teoria. Punir-se-ia condutas que nem mesmo ameaçariam o bem jurídico tutelado, ocasionando uma punição de atos por deveras distantes da execução, abolindo-se, desta maneira, qualquer distinção havida entre ato preparatório e executório.119

O doutrinador Jorge de Figueiredo Dias menciona que a teoria deve ser rejeitada pois “é indispensável, já na definição da tentativa, que ao lado da decisão se coloque um momento objectivamente estruturado; sob pena, de outro modo, de o próprio princípio da tipicidade ser posto inapelavelmente em causa.”120 Com isso, tem-se que somente o plano delitivo do autor é insuficiente para a delimitação da punibilidade da tentativa, visto à sua imprecisão e indefinição. A importância que se dá ao plano do autor ocorre somente quando for levado em consideração para a delimitação da “referência típica” do fato121, ou seja, para estabelecer liame entre a conduta praticada e o tipo previsto no ordenamento.

5.2. Teorias objetivas

5.2.1. Teoria objetiva-formal

Contraditando o excessivo e ganancioso subjetivismo apresentado pela teoria subjetiva, Ernest von Beling122 formulou o entendimento de que a conduta reprovável pelo Direito Penal deveria ser aquela expressamente prevista no tipo legal, sendo a tentativa a prática incompleta daquela ação tipificada. Noutras palavras, o “começo da execução” enunciado pelo Código Penal seria realizar “de maneira efetiva uma parte da própria conduta típica, penetrando assim, no “núcleo do tipo”.” 123(grifo do texto). Pela conceituação do doutrinador Luiz Regis Prado, para a tentativa

exige-se que o agente realize, efetivamente, do modo concreto, uma parcela da própria conduta típica, penetrando, assim, no núcleo típico. Importa, portanto, examinar se o ato estava compreendido na descrição típica ou não, ou ainda, em sua zona periférica (expresso no verbo constante do tipo).124(grifo do texto)

Para Jorge Figueiredo Dias, trata-se da “prática de (uma parte daqueles) actos que caem já na alçada de um tipo de ilícito e são portanto abrangidos pelo teor literal da descrição típica 125 (grifou-se), enfatizando-se o critério da interpretação literal do tipo prescrito em lei para a configuração do início da prática delitiva, conferindo curta relação com o princípio da reserva legal126, motivo pelo qual Fernando Capez menciona ser a teoria adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro.127

Visto a esse critério interpretativo, Luiz Regis Prado, novamente, realiza interessante elucidação conquanto à ocorrência da tentativa nos crimes qualificados, levando-se em consideração a proximidade das condutas qualificadores em relação ao verbo elementar, abarcadas pelo tipo:

[...], é havido como executivo qualquer ato abarcado pelo referido âmbito próximo ao núcleo. Logo a escalada ou a destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa móvel já configurariam atos executórios no delito de furto, por exemplo, bem como o emprego da violência ou da grave ameaça à pessoa no delito de roubo.128 (grifou-se)

No entanto, a teoria objetiva acima definida é demasiadamente estreita e se limita a apenar somente aqueles atos que constem expressamente no tipo legal. Sendo assim, considerando-se a imprecisão dos verbos descritos como elementares129 e a possibilidade da prática delitiva por diversos modos – alguns mais simples outros mais complexos130 – tem-se como insuficiente a teoria objetiva-formal, configurando-se, desta maneira, devido a “uma excessiva restrição do âmbito da tentativa, inadmissível do ponto de vista político-criminal.”131

Os autores Zaffaroni e Pierangeli ainda tecem outra crítica embasados nos critérios de fundamentação da punibilidade da tentativa outrora já mencionado. Segundo os doutrinadores, que defendem a teoria da impressão no Direito para fundamentar a punição dos atos executórios, não é a lesão efetiva que originará o início da execução, mas sim, conforme já explicitado, a ameaça causada pela conduta delitiva do agente.132

Ante ao exposto, percebe-se que, apesar da maior obediência ao princípio da reserva legal pela teoria objetiva-formal, motivo pelo qual alguns doutrinadores a consideram adotada pelo atual Código Penal brasileiro, ela padece de elevada estreiteza e não abrange as mais variadas possibilidades de realização de determinado delito pelo agente.

5.2.2. Teoria objetiva-material

Elaborada por Frank133 - por isso também denominada “fórmula de Frank”134 – a teoria buscou complementar a objetiva-formal conferindo-lhe maior alargamento quanto à sua abrangência. Tal vertente, utilizando-se de um critério material, “inclui na tentativa as ações que, por sua vinculação necessária com a ação típica, aparecem como parte integrante dela, segundo uma “concepção natural”.135 (grifo do texto)

Ante tal conceito, sob a ótica da vinculação com o tipo, tem-se que “só há ato executivo se estiver em conexão necessária com a ação típica, isto é, intimamente unido ao descrito na ação típica [...].”136 Ademais, esta vinculação é vista segundo o critério da “concepção natural”, ou, como mencionam os autores Zaffaroni e Pierangeli, sobre o “uso de linguagem”, o que abrange o sentido típico à atos além daqueles expressamente descritos pela norma.

No entanto, na desesperada tentativa de socorrer à teoria objetiva-formal, na ânsia de suprir sua exagerada estreiteza, o critério “uso de linguagem” acaba por ultrapassa o necessário para o fazê-lo e atinge um caráter de grande amplitude, demonstrando uma enorme “nebulosidade e geral indefinição.”137 Desta forma, o que antes era excessivamente concreto e restrito, assume uma postura genérica e abstrata, tornando-se inconveniente a sua aplicação.

Também se tentou ampliar o sentido objetivo com a aplicação do critério “perigo imediato”, para o qual “o ponto terminante será o da decisão que tiver feito perigar de forma imediata o bem jurídico,”138 remetendo-se ao ‘uso de linguagem’ para a sua determinação, o que o subordina às mesmas críticas daquele. Ademais, na tentativa, o perigo é eventual e crescente, conforme já defendido quando da explanação do fundamento da punição da tentativa, inviabilizando-se, desta forma, a assunção do mesmo como critério delimitador.139

Por todo o exposto, interessantemente, analisa-se que, almejando identificar o ponto delimitador entre os atos preparatórios e os executórios, estabeleceu-se inicialmente um critério por demais objetivo, fundamentado em uma estrita relação típica da conduta, revelando uma insuficiência para abranger todas as condições variadas de prática delituosa. Em contrapartida, criou-se outro critério que caminhou para a direção inversa, desta vez aumentando a abstração da teoria com a adoção do termo imediatidade da conduta baseada no “uso de linguagem”.

No entanto, apesar das críticas realizadas em desfavor das teorias até então explicitadas, forçoso é reconhecer, que, pelo princípio da legalidade vigente no ordenamento brasileiro, a relação com a conduta prevista no tipo penal é indispensável, mas insuficiente como critério único. Dada a multiplicidade da prática delituosa e a ameaça do bem jurídico presente, o início dos atos executórios não pode se resumir a apenas a conduta prevista no tipo, mas sim à conduta imediatamente anterior, determinada pelo “uso de linguagem”. Tal critério, conforme já mencionado, é deveras indefinido e não permite um critério correto, motivo pelo qual fundamentou Hans Welzel a substituí-lo pelo “plano individual do autor”140. Surge, assim, a teoria objetiva-individual.

5.2.3. Teoria objetiva-individual

Nas palavras do mestre Hans Welzel, seu idealizador, a teoria expressa que “a tentativa começa naquela atividade com a qual o autor inicia imediatamente, de acordo com seu plano de delito, a concretização do tipo penal.”141 Desta feita, tem-se que a imediatidade da conduta é vista agora não pelo critério amplo do “uso de linguagem” – antes auferido de forma externa –, mas sim através do “plano concreto do autor”142 através do qual ele pratica a ação imediatamente anterior àquela prevista na tipificação legal.

Seguindo tal raciocínio, “esta teoria mantém-se no plano objetivo enquanto parte da consideração da conduta típica particular (teoria formal-objetiva), introduzindo um elemento individualizador (subjetivo), como o é o plano do autor;” 143. (grifo do texto). Nos ditames de Welzel “é importante que o juízo do começo da execução se realiza sempre a base do plano individual do autor (teoria objetiva-individual), e não desde o ponto de vista de um espectador hipotético, que não conhece o plano delituoso (teoria objetiva-geral)”144, sob a justificativa de que “como os caminhos para a concretização do delito são ilimitadamente múltiplos, o começo da execução depende sempre também do plano individual do autor.”145

Com expressiva menção ao “plano concreto do autor” como critério de delimitação da imediatidade da conduta do agente, a teoria é considerada a mais adequada porque “ela oferece no entanto o caminho mais seguro e exacto de concretização da linha separadora de actos preparatórios e de execução”146, o qual, sem dúvida, “é o critério que mais se aproxima do real [...].”

O ponto de arranque, portanto, deve ser a teoria formal-objetiva, estreitamente vinculada ao princípio da reserva legal. Todavia, para evitar o inconveniente de seu caráter excessivamente restritivo, faz-se indispensável a adoção de critérios materiais-subjetivos (unidade natural da ação/início do ataque ao bem jurídico e a resolução para o fato), [...].147(grifou-se)

Ademais, tal teoria é acolhida pelo Código Penal Alemão vigente, o qual, em seu §22, dispõe que “intenta um fato penal aquele que, conforme a sua representação do fato, se esmera imediatamente à realização do tipo”. No mesmo sentido caminha o direito brasileiro que pretende adotar tal teoria – somada à objetiva-formal – como regra para a configuração da tentativa em seu novo Código Penal, como se verá mais adiante.

No entanto, apesar de confessarem ser esta teoria a que mais se aproxima da realidade, Zaffaroni e Pierangeli dizem que tal teoria se trata apenas “de um princípio orientador, que não proporciona qualquer regra certa”148 para uma definição exata do término dos atos preparatórios e o início dos executórios, sendo correto que – ainda segundo os autores – “este princípio tampouco resolve sempre as dúvidas quando tratamos de aplicá-lo aos caos individuais.”149

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Sobre o autor
Marco Aurélio da Silva Oliveira

Advogado Criminalista. Graduado na Unipac Bom Despacho. Pós-graduando em Direito Penal pelo Damásio Educacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marco Aurélio Silva. A emblemática distinção entre o término dos atos preparatórios e o início dos atos executórios no iter criminis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7709, 9 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47052. Acesso em: 23 dez. 2024.

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