O petróleo cru e o cozido jornalístico brasiliense

04/03/2016 às 09:14
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O STF e a OAB Brasil foram capturados pelo jogo sórdido e criminoso jogado pela imprensa e pela quadrilha tucana para depor a presidenta eleita pela maioria dos brasileiros em eleições limpas.

É evidente que a imprensa brasileira tem lado e que isto prejudica a qualidade do jornalismo praticado diariamente nos jornais, revistas e redes de TV. A evidência mais brutal deste fato foi dada no dia de hoje.

Hoje (03/03/2016) os jornalistas começaram o dia atacando ferozmente o governo por causa da retração do PIB em 2015. Os reflexos negativos da crise na Europa e na China na internacionalizada economia brasileira foram solenemente ignorados. Também foi omitido o fato de que Dilma Rousseff  nomeou um ministro neoliberal (Joaquim Levy) que fez tudo o que os apóstolos jornalísticos do mercado desejavam. A presidenta está errada, pois sua culpa original foi ter vencido a eleição que a imprensa perdeu com Aécio Neves.

O dia prosseguiu. Mas o fato que deveria ter concentrado toda a atenção da mídia foi noticiado de maneira desleixada e burocrática. Nenhum jornalista da grande mídia refletiu de maneira séria sobre as implicações políticas internas e externas da aceitação da denúncia contra Eduardo Cunha pelo STF.

A notícia quente de hoje - aquela que deveria dominar todas as pautas em todos os veículos de comunicação - deveria ter sido a decisão do STF e a vergonha internacional imposta ao Brasil por Eduardo Cunha. A permanência de um “bandido em potencial” no comando do Poder Legislativo transformou o Brasil numa República de Bananas. O terceiro homem do Estado, aquele que pode ocupar a Presidência na ausência/impedimento do Presidente e do Vice-presidente é um marginal procurado pela Justiça.

Todo o esforço feito pelo Itamaraty para recuperar a credibilidade do Brasil após duas décadas de ditadura foram pelo ralo. Estou com dó dos diplomatas brasileiros. Eles é que terão que explicar o inexplicável aos seus colegas dos outros países. Que argumentos eles usarão para justificar como e porque o Poder Legislativo do nosso país foi transformado num esgoto povoado por bandidos comandados por alguém que está mais perto da prisão do que da consagração histórica?

O presidente da Câmara dos Deputados, contudo, é um homem do mercado. Ele foi eleito com dinheiro dos empresários e tudo tem feito para destruir os direitos sociais dos trabalhadores e para ampliar as possibilidades de exploração empresarial dos assalariados. Como não poderiam atacar o STF em razão da decisão que foi tomada, os jornalistas preferiram minimizar o fato de Eduardo Cunha ser oficialmente réu num processo por lavagem de dinheiro e recebimento de propina.

O espetáculo grotesco imposto ao Brasil por um político que se recusa a renunciar a presidência da Câmara e que acredita ter credibilidade para ficar no cargo mesmo tendo sido oficialmente declarado “bandido preso em potencial” por todos os Ministros do STF é, contudo, menos destrutivo que a cortina de fumaça lançada pela imprensa para proteger seu predileto.

Ao invés de atacar Eduardo Cunha e exigir sua renúncia ou afastamento do cargo, a maioria dos veículos de comunicação preferiu atacar Lula e Dilma Rousseff com base numa suposta delação premiada feita por Delcídio Amaral. O fato do suposto delator ser outro bandido que amargou um período na prisão foi seletivamente esquecido pelos jornalistas. Eles também se esqueceram que Aécio Neves foi delatado 5 vezes por exigir e receber propina - de forma muito chata segundo um delator - ao dar grande destaque ao ataque que ele fez contra Dilma Rousseff por causa da suposta delação de Delcídio Amaral.

Além de ter lado, a imprensa brasileira escolhe cirurgicamente os bandidos que pretende proteger. Os brasileiros tem direito à informação, mas estão sendo obrigados a consumir um jornalismo de porta de cadeia que se diz isento e comprometido com o leitor. Isto não chegaria a ser um problema, se a “imprensa marrom” fosse exceção e não a regra. Nem causaria danos se as matérias jornalísticas não fossem citadas por Procuradores para iniciar investigações e por Juízes ao decidir processos criminais. Estas características singulares da nossa República e Bananas certamente criará embaraços para a atividade intelectual dos diplomatas obrigados a explicá-la às seus colegas mundo afora.

O circo de sombras, em que a imprensa funciona como partido de oposição e tribunal de exceção para proteger alguns bandidos premiados (Eduardo Cunha e Aécio Neves, entre os tais), foi completado pelo discurso palavroso do decano do STF ao aceitar a denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados. O Ministro Celso de Mello fez questão de lembrar o Mensalão e o Petrolão (dois escândalos atribuídos pela imprensa exclusivamente ao PT, apesar de vários políticos de outros partidos estarem entre os réus) ao afirmar que há uma grande desconfiança entre governantes e governados.

Sobre o Trensalão, Metrolão e Merendão (três casos escabrosos de roubalheira de dinheiro público que envolvem exclusivamente políticos do PSDB paulista) o decano do STF não falou absolutamente nada. Mello estava julgando Dilma Rousseff e Lula apesar do réu submetido a julgamento ser Eduardo Cunha? Porque os jornalistas não questionaram a natureza partidária e tendenciosa do discurso dele, que enfatizou alguns escandalos e omitiu outros em benefício do PSDB?

Ao ficar sabendo da suposta delação de Delcídio Amaral noticiada por uma revista, o presidente da OAB imediatamente exigiu o acesso ao documento para pedir o Impedimento de Dilma Rousseff. A conduta dele foi absolutamente vergonhosa e apressada, indigna de um advogado representante de advogados e presidente de uma autarquia que deve preservar sua credibilidade. Além de presumir a veracidade inquestionável de uma informação que foi plantada na mídia por razões partidárias e refutada pelo próprio delator e pelo MPF/PGR, o presidente da OAB ajudou a adensar a cortina de fumaça que desviou a atenção popular do fenômeno mais importante do dia: a aceitação da denúncia contra Eduardo Cunha por unanimidade. Pior, o presidente da OAB não fez um só comentário sobre o discurso ofensivo do decano do STF sobre autoridades que não estavam sob julgamento. 

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Numa de suas obras Claude Lévi-Strauss  escreveu sobre o cru e o cozido nos trópicos, que ele mesmo chamou de tristes em outro livro. Nos dias de hoje, a imprensa brasileira cozinha diariamente a destruição moral, institucional, intelectual, cívica, democrática e republicana do Brasil para que o mercado (eufemismo para investidores norte-americanos e europeus de olhos claros e interesses obscuros) possa devorar o petróleo cru no nosso litoral como querem Eduardo Cunha, José Serra, Aécio Neves e quadrilha tucana ilimitada. Dilma Rousseff e Lula não podem ter uma vitória política. Todos os dias, inclusive e principalmente quando a oposição perde algo, ambos são moqueados pela esmagadora maioria dos jornalistas.

Um mingau nauseabundo com as tripas de petistas presos em razão de suspeitas ou porque não conseguiram provar suas inocências tem sido servido diariamente no horário nobre pelo Jornal Nacional, Jornal da Band e Jornal da Cultura como se fosse o manjar dos deuses. Os tucanos envolvidos em crimes políticos e financeiros são sempre elogiados e tratados com respeito e rigor humanitário pelos canibais que povoam as editorias de política dos veículos de comunicação.

A antropofagia, principal fenômeno cultural a ser combatido e derrotado pelos colonizadores do litoral brasileiro no século XVI, vai sendo assim estimulada e renasce com força a cada linchamento, execução sumária, espancamento sem causa e assassinato por razões políticas. Alguém ficará surpreso e triste quando a população brasileira, diariamente instigada a devorar os vivos da esquerda, resolver começar a devorar os jornalistas e os bandidos tucanos que eles protegem?

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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