Hannah Arendt e o mal intencional dos promotores e juízes brasileiros

13/03/2016 às 08:18
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O judiciário brasileiro está lentamente substituindo a justiça por um simulacro de justiça.

Hannah Arendt só viu em Eichmann uma coisa: a total ausência de consciência. Ele era um espantalho orgulhoso por ter cumprido fielmente ordens. Era incapaz de questionar a natureza das ordens que havia cumprido. Não havia nele uma perversidade demoníaca. Apenas uma evidente desumanidade. Eichmann havia abdicado de sua consciência, ou seja, de sua capacidade de conversar consigo mesmo antes de agir.

O promotor que denunciou Lula foi questionado porque confundiu Hegel com Engels. Mas o grande questionamento que deve ser feito neste momento sobre a conduta dele e de outros promotores e membros do Judiciário (aqueles que perseguem o PT e inocentam sumariamente os políticos do PSDB que cometeram e cometem crimes) é outro. É evidente que em algum momento eles abandonaram suas próprias consciências.

Neste momento promotores, juízes, membros da PF e das polícias militares estaduais estão agindo exatamente como Eichmann. Hannah Arendt é, portanto, um paradigma importante para compreender esta total ausência de moralidade que caracteriza a moralidade seletiva. Capez, surpreendido roubando dinheiro da merenda escolar, foi nas manifestações contra o PT. O mesmo ocorreu com os promotores que denunciaram Lula. A suspeição deles é evidente, mas eles não se declararam suspeitos como deveriam.

O sintoma da doença identificada por Hannah Arendt em Eichmann pode ser visto em quase todos os políticos crucificam Dilma Rousseff e Lula como se fossem honestos muito embora não sejam. Isto vale para José Serra, Aloysio Nunes, Aécio Neves, Geraldo Alckmin, etc… Também vale para aquele popular fotografado com um cartaz dizendo “Eduardo Cunha é corrupto mas está do nosso lado”.

Tudo o que estes senhores sem consciência dizem sobre o PT, incluindo a arenga anticomunista (algo que os coloca em situação análoga à de milhares de nazistas que invadiram a URSS e cometeram atrocidades sem fim contra civis desarmados) é prova apenas de sua ausência de consciência. Se tivessem consciências e conversassem com suas consciências, os adversários do PT seriam obrigados a admitir as virtudes do governo petista. Nem é preciso enumerá-las, mas farei isto.

O PT disputa eleições sem controlar o resultado ou limitar o poder de ação da Justiça Eleitoral. O PT valorizou as instituições republicanas. O PT nada fez para conservar o poder pela força. Mesmo sob intenso ataque da mídia o PT não censurou a imprensa. Os programas sociais petistas (Bolsa Família, Fome Zero, Luz para Todos, Mais Médicos, Prouni, etc…) não acarretaram a revogação ou destruição dos privilégios senhoriais dos brasileiros abastados. O PT não usou a PF, o MPF e a Justiça Federal para se proteger e para perseguir ferozmente seus adversários.

É obvio que o PT tem defeitos. Mas isto não anula a verdade factual: com o PT a democracia brasileira foi consolidada. Aqueles que acusam o PT de instituir uma ditadura o fazem por três motivos: ódio à soberania popular; incapacidade de ganhar eleições limpas; medo de responder pelos crimes que cometeram e; ausência das virtudes praticadas pelo PT. Mas isto é um problema deles, não do PT.

As racionalizações utilizadas pelos inimigos do PT não são argumentos. São apenas provas de que eles perderam suas consciências. Eichmann, contudo, era um soldado a serviço de um regime brutal que punia com rigor a desobediência dos militares. Os juizes e promotores que perseguem maldosamente o PT e inocentam preventiva e criminosamente o PSDB são servidores civis de um regime democrático. A ausência de consciência deles é imperdoável, monstruosa e sórdida. Eichmann apenas cumpria ordens que não podia desobedecer sem ser punido. Os inimigos do PT no MP e no Judiciário não são obrigados a cumprir ordens, eles dão ordens que serão cumpridas pelos soldados.

Hannah Arendt foi muito criticada pelos judeus por ter compreendido a irrelevância desumana de Eichmann. Dificilmente ela compreenderia a perversidade dolosa dos promotores e juízes brasileiros. Eles deliberadamente abandonaram suas consciências muito embora sejam obrigados, em razão das funções que exercem, a cultivá-las em benefício da preservação do Estado de Direito. Eichmann se transformou num espantalho a serviço de um regime cruel. A crueldade das autoridades do MP e do Judiciário brasileiro tem potencial para produzir um verdadeiro massacre. É isto o que os promotores seletivos e os juízes parciais desejam?

A demora na rejeição do pedido de prisão paranóico-político de Lula é injustificável. Indica que negociações sórdidas podem estar sendo feitas entre a juíza e o TJ e entre o TJ e o governador do Estado. A juíza está tentando trocar a prisão do ex-presidente por uma promoção? O TJ está usando a rejeição do HC do réu para extorquir mais verbas orçamentárias do governador?

O bem estar de Lula, o respeito aos direitos dele e o cumprimento da Lei pela juíza não significam nada: a questão é política e será julgada de maneira política em razão do resultado de negociações políticas. Foi o que ocorreu no caso de José Dirceu, condenado porque não provou sua inocência (Luiz Fux), com base na literatura (Rosa Webber) e porque os demais resolveram aplicar uma versão distorcida da teoria jurídica alemã que se ajusta mal aos princípios constitucionais do Direito Penal e do Direito Processual Penal  (Joaquim Barbosa, etc).

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Responsabilidade e julgamento é algo que não ocorre quando aqueles que são encarregados de julgar abdicam de suas consciências por razões pessoais, partidárias, ideológicas, econômicas ou políticas. A monstruosidade nazista começou exatamente no momento em que uns foram privados de sua humanidade/direitos e outros se recusaram a julgar o regime em que viviam ao invés de condenar mecanicamente suas vítimas. 

Prender e ameaçar com a prisão é algo que não se pode fazer em razão do princípio constitucional da presunção de inocência. O princípio empregado pela juíza encarregada de julgar Lula, porém, parece ser outro. Talvez ela esteja usando o precedente criado por Fux quando ele condenou José Dirceu: Lula não provou sua inocência, logo, não tem direito à imediata rejeição do pedido de prisão paranóico-político.

O mal intencional das autoridades encarregadas de julgar e comandar, como sempre ocorre, vai se espalhando de cima abaixo por toda estrutura estatal. Primeiro os valores morais da Lei e a própria Lei são ignorados, depois são colocados de ponta-cabeça e por fim uma inversão total de valores se transforma em norma jurídica. Um simulacro do Direito toma então o lugar do Direito. Foi o que ocorreu na Alemanha dos anos 1930. É o que já está ocorrendo no Brasil.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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