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Constitucionalidade da contratação integrada no regime diferenciado de contratações

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17/03/2016 às 11:34
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A contratação integrada pode representar ótima opção para o administrador público agregar mais eficiência aos contratos estatais.

RESUMO: Os eventos esportivos internacionais trazidos para o Brasil entre 2013 e 2016 denunciaram a necessidade de revisar a já defasada Lei Geral de Licitações, abrindo espaço para a edição de legislação mais moderna, qual seja, o Regime Diferenciado de Contratações, o qual foi concebido para trazer celeridade e eficiência às licitações estatais, através de instrumentos como o instituto da contratação integrada, o qual, conquanto atenda a tais objetivos, teve sua constitucionalidade impugnada perante o STF.

PALAVRAS-CHAVE: Licitação. RDC. Contratação integrada. Constitucionalidade. ADI 4.645. ADI 4.655. Projeto básico. Projeto executivo.


01. INTRODUÇÃO.

Com a escolha do Brasil para sediar eventos de porte internacional,  dentre os quais a Copa das Confederações FIFA de 2013, a Copa do Mundo FIFA de 2014 e as Olímpiadas de 2016, dois destes já realizados, diante do curto tempo para a construção das obras necessárias à realização destes eventos, precisou-se editar um diploma normativo que regesse as necessárias contratações públicas de forma célere, com eficiência, para que atendessem aos padrões de qualidade exigidos pelos comitês internacionais organizadores desses eventos: é nesse cenário que nasce o Regime Diferenciado de Contratações (doravante RDC).

Em que pese já existir uma lei que regule as licitações e contratos públicos no Brasil – lei 8.666/93 – esta foi concebida em cenário totalmente diferente daquele em que criado o RDC. Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, fatores como corrupção, falta de moralismo, de ética, estavam presentes em todas as contratações públicas no Brasil, em via de regra. Assim, com o mandamento constitucional de obrigatoriedade de licitação para celebração de contratos públicos, inserido no artigo 37, inciso XXI, da CF, nasce a Lei 8.666/1993, com excesso de formalismo, burocratização de procedimentos, maior controle, apego ao legalismo, tudo a fim de coibir os desvios de corrupção.

Por seu lado, o RDC surge com a proposta de reduzir o formalismo e impor eficiência às contratações públicas, superando a Lei 8.666/1993. E realmente o fez, afinal alguns dispositivos previstos lei 12.462/2011, lei do RDC, trouxeram inovações interessantes em relação à Lei de Licitações, como, por exemplo, a possibilidade de indicação de marcas e modelos, a remuneração variável conforme o desempenho, o sigilo no orçamento estimado, a fase recursal única, a inversão de fases de habilitação e julgamento, o contrato de eficiência, e o regime de contratação integrada.

Ocorre que, embora o RDC tenha conseguido impor certa eficiência aos contratos que busca reger, seu processo legislativo de criação e alguns de seus dispositivos foram alvos de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, dentre eles, as normas relativas ao regime de contratação integrada.

Destarte, o presente trabalho tem como objetivo analisar essa inovação trazida pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas, qual seja, a contratação integrada, seus aspectos gerais, as diferenças em relação à Lei de Licitações, os questionamentos acerca de sua constitucionalidade e a posição do Tribunal de Contas da União.


02. O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS.

Conforme já antevisto, o procedimento previsto na Lei de Licitações é considerado extremamente burocrático, somando isso à necessidade de contratações mais céleres surgidas pelos grandes eventos que o Brasil sediou nos últimos anos e sediará ainda este ano, motivou-se o surgimento, através da conversão da Medida Provisória nº 527 na Lei 12.462/2011, do Regime Diferenciado de Contratações, com o propósito de trazer mais eficiência às contratações públicas. Além disso, foi editado também o Decreto nº 7.581 para regulamentar o RDC, que já foi alterado em 2014 pelo Decreto nº 8.251. A Lei 12.462/2011 traz uma forma de realizar contratações públicas específica para os objetivo previstos em seu artigo 1º, quais sejam:

Lei 12.462/2011, Art. 1o – “É instituído o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), aplicável exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização:

I - dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO);

II - da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

III - de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.

IV - das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC);

V - das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS;

VI - das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo;

VII - das ações no âmbito da segurança pública

VIII - das obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística;

IX - dos contratos a que se refere o art. 47;

 X - das ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação”.

Além disso, o artigo 1º, em seu parágrafo 1º, elenca quais seriam os objetivos do Regime Diferenciado de Contratações, dentre eles, ampliar a eficiência das contratações e a competitividade entre os licitantes; promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; incentivar inovação tecnológica; assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública. Justificando esse elenco de objetivos, aduzem Ronny Charles e Michelle Marry:

“Tais objetivos decorrem do princípio da eficiência, o qual impõe que, na gestão, o administrador esteja obrigado a agir com parâmetro na melhor atuação possível, assumindo o compromisso indeclinável de encontrar a solução mais adequada economicamente na gerência da coisa pública”.[1]

Percebe-se que o RDC dá uma atenção especial à eficiência, destacando-a como princípio, além de objetivo, conforme nos revela o artigo 3º da lei 12.462/2011, trazendo os princípios que devem nortear as contratações feitas pelo Regime Diferenciado de Contratações, in verbis:

Lei 12.462/2011, Art. 3o – “As licitações e contratações realizadas em conformidade com o RDC deverão observar os princípios de legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo”.

Já o artigo 4º da Lei do Regime Diferenciado de Contratações traz quais seriam as diretrizes perseguidas, quais sejam: padronização do objeto, dos instrumentos convocatórios e das minutas dos contratos; busca de maior vantagem para a administração pública; condições de aquisição, de seguros, de garantias, e de pagamento compatíveis com a do setor privado; utilização de planilhas de custos; parcelamento do objeto; ampla publicidade. Com relação a padronização, esclarece Marçal Justen Filho que:

“a padronização deverá ser definida através de procedimento administrativo de natureza não licitatório. Ou seja, a padronização será decidida após a instauração de processo administrativo específico, mediante a realização de uma série de atos formais, destinados a apurar e comprovar os benefícios e vantagens decorrentes da padronização”.[2]

Assim sendo, após a análise dos aspectos gerais do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, passa-se a tratar de um dos aspectos de inovação legislativa –  a contratação integrada.


03. A CONTRATAÇÃO INTEGRADA E SUA VALIDADE PERANTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A contratação integrada consiste na possibilidade de o vencedor do certame licitatório produzir os projetos básico e executivo, além da própria execução do contrato. Na Lei de Licitações, tal possibilidade é expressamente proibida. De acordo com o artigo 9º, inciso I, da Lei 8.666/93, o autor do projeto básico e do projeto executivo fica impedido de concorrer na licitação. Dessa forma, duas são as alternativas: ou a própria Administração Pública elabora os projetos básico e executivo e entrega-os ao vencedor da licitação, ou a Administração realiza licitação distinta apenas para escolher o mais qualificado à produção desses projetos, daí então o vencedor ficará impedido de participar da licitação principal.

Apesar do destaque que a contratação integrada recebeu quando da sua disposição na lei do RDC, não foi esta a pioneira quanto isso. A contratação integrada foi introduzida no ordenamento pátrio no decreto que simplifica o processo licitatório para a Petrobrás.

Já a Lei do Regime Diferenciado de Contratações traz a possibilidade da contratação integrada em seu artigo 9º, destacando, no parágrafo 1º, que compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básicos e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação, e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto. De acordo com o artigo 9º, caput, da lei do RDC, existem alguns requisitos para a utilização da contratação integrada. Em primeiro, a sua utilização dever ser técnico e economicamente justificada, ou seja, a opção pela contratação integrada deve traduzir uma maior economia à Administração Pública, além de proporcionar um resultado melhor. Segundo, os incisos do artigo supracitado trazem condições para a utilização da contratação integrada, quais sejam: inovação tecnológica ou técnica; possibilidade de execução com diferentes tecnologias; ou possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado. Em outras palavras, o que a Lei quer dizer é que não existe outra justificativa para a utilização da contratação integrada, senão uma maior eficiência quando da execução do contrato. É como dispõe Guilherme Frederico Dias Reisdofer:

“A contratação integrada deve estar fundada não nas carências técnicas da Administração ou apenas na possível expertise do setor privado, mas na demonstração de que a reunião dos encargos de concepção e execução da obra ou serviço num único contrato acarreta vantagem de ordem técnica ou econômica”.[3]

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No mesmo sentido, complementa Rafael Oliveira, sintetizando:

“A contratação integrada, que deve ser justificada sob o aspecto técnico e econômico, envolve s elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto. Ademais, o objeto da contratação integrada deve envolver, pelo menos, uma das seguintes condições: a) inovação tecnológica ou técnica; b) possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou c) possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado (art. 9º, caput e § 1º, da Lei 12.462/2011, alterada pela Lei 12.980/2014). Trata-se de contratação na modalidade turn key ou EPC (Engineering, Procurement and Construction), similar ao que ocorre na empreitada integral, na qual o contratado fica obrigado a entregar a obra em condições de pleno funcionamento”.[4]

Sobre o tema, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram ajuizadas: a ADI nº 4.645, proposta pelo Partido da Social Democracia Brasileira, pelo Democratas (DEM) e pelo Partido Popular Socialista (PPS); a ADI nº 4.655, proposta pelo Procurador Geral da República. Tais Ações questionam diversos aspectos da Lei do RDC e, dentre eles, o instituto da contratação integrada. De acordo com os impetrantes, a contratação integrada fere os princípios da isonomia e do julgamento objetivo quando não permite definir com clareza qual será objeto e suas dimensões, sem efetivo projeto básico e executivo, consoante explica a parte inicial da ADI nº 4.645, impetrada pelos partidos, adiante transcrita:

“Assim, é certo que a lei que regulamenta o processo licitatório deve, em obediência ao princípio constitucional da licitação, dispor de regras que garantam a igualdade e a moralidade, a qual se manifesta, entre outros por meio da objetividade do julgamento da licitação. E essa objetividade se alcança a partir da existência de critérios previamente definidos que permitam a aferição dos fatores competitivos pelo licitantes e órgãos de controle”.[5]

Outrossim, alegou-se em tais ADIs que a contratação integrada poderia desvirtuar os propósitos da licitação pública, em afronta direta ao artigo 37, inciso XXI, da CF. De acordo com as lições de Marçal Justen Filho:

“O projeto delineia os contornos da obra ou do serviço, que serão licitados posteriormente. Logo, o autor do projeto teria condições de visualizar, de antemão, os possíveis concorrentes. Poderia ser tentado a excluir ou dificultar o livre acesso de potenciais interessados. Isso se faria através da configuração do projeto que impusesse características apenas executáveis por uma específica pessoa. Ou, quando menos, poderiam ser estabelecidas certas condições que beneficiassem o autor do projeto (ainda que não excluíssem de modo absoluto terceiros”.[6]

Logo, um projeto básico ou executivo mal elaborados poderiam desvirtuar os propósitos da licitação e acarretar diversos prejuízos ao Poder Público. É nesse sentido que tem se manifestado o Tribunal de Contas da União, em diversos de seus julgados, como exemplo do Acórdão 2837/2008:

“A má qualidade do projeto básico fez surgir a necessidade de diversas e profundas modificações no desenho original durante a execução da obra, que deu ensejo à celebração de diversos aditivos, o que também, e a princípio, não é permitido pela legislação brasileira em obras sob regime de empreitada integral, salvo para situações imprevisíveis”.[7]

Em que pese tais alegações constantes das Ações Diretas de Inconstitucionalidade e dos acórdãos do Tribunal de Contas da União, parte da doutrina aprova a previsão da contratação integrada. Argumenta-se uma maior eficiência ao contrato, quando desburocratiza-se o sistema e  se permite uma maior ligação do setor particular com o público, como aduz Guilherme Frederico Dias Reisdofer:

“Esse tipo de ajuste, baseado na atribuição do encargo de desenvolvimento do projeto básico ao particular, é inspirado por uma lógica de cooperação mais acentuada, que se revela na medida em que o particular é chamado a participar da concepção da prestação a ser executada. Ao admitir a solução da contratação integrada, a Lei nº 12.462 afasta-se do paradigma de “dirigismo da licitação” refletindo na disciplina da Lei nº 8.666, baseado na ideia de delimitar as características e condições do futuro contrato de mais completa e exaustiva”.[8]

A primeira oportunidade fática de utilização da contratação integrada foi a reforma e ampliação do Aeroporto Afonso Pena, no Paraná, pela INFRAERO, sendo também a primeira vez que a autarquia tinha se utilizado do Regime Diferenciado de Contratações. Nesse caso, ocorreram muitas irregularidades durante a execução do contrato, a começar pelas justificativas técnicas e econômicas dadas pela entidade, além da deficiência na estimativa de custos de produção, resultado de um projeto básico e executivo mal elaborado, no qual não houve uma matriz de risco, entre outras. Ocorre que, apesar de tantas irregularidades, o Tribunal de Contas, ao analisar o caso em exame, decidiu de forma inusitada, conforme aponta Marília Leitão de Jesus:

“Ocorreram muitas irregularidades em todo processo licitatório realizado pela empresa pública. O Tribunal, contudo, optou por não responsabilizar os agentes responsáveis pelas irregularidades nem pela anulação do procedimento licitatório. Inúmeros argumentos justificam tal decisão. Apresentam-se os de maior relevância: inovação jurídica-legal ainda não sedimentada na jurisprudência desta Corte; é a primeira experiência da INFRAERO com o regime de contratação integrada; o empreendimento em questão, por apresentar elevada complexidade, pode atrair o regime de contratação integrada.   

Com a devida ciência à INFRAERO sobre as irregularidades ocorridas durante o procedimento licitatório e por meio de suas decisões a serem utilizadas como bússolas para futuras decisões no âmbito de tais certames, o TCU passa a transferir à sociedade e aos gestores públicos o sentimento de maior confiabilidade e segurança no regime da contratação integrada que está por vir quando o assunto envolve grandes empreendimentos”.[9]

Por conseguinte, nota-se que o Tribunal de Contas da União melhorou seu entendimento, pois mesmo constatando irregularidades na execução do contrato, apostou nas inovações trazidas pelo Regime Diferenciado de Contratações, as quais são capazes de desburocratizar as contratações públicas e conferir celeridade na execução de obras estatais, com isso poupando o próprio erário de gastos desnecessários.

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Sobre o autor
André Vieira Freire

Advogado. Graduado pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREIRE, André Vieira. Constitucionalidade da contratação integrada no regime diferenciado de contratações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4642, 17 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47313. Acesso em: 2 nov. 2024.

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