Capa da publicação Divulgação pela imprensa de escuta telefônica em processo penal: intimidade X informação
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Divulgação de informações pela imprensa, obtidas por escuta telefônica em processo penal: violação de direitos fundamentais individuais ou garantia de acesso ao direito coletivo à informação?

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21/03/2016 às 14:08
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3  ESCUTA TELEFÔNICA

O telefone tem sido um poderoso instrumento de comunicação entre as pessoas tendo em vista a facilidade que este aparelho proporciona nas conversas das pessoas desprezando a distância que as separa. Hodiernamente, o telefone celular é utilizado por todas as classes sociais, o que tem promovido o uso deste aparelho de forma bastante ampla, não só no Brasil, mas na maioria dos países. No entanto, a escuta telefônica tem sido usada como meio de prova em processo penal e, além disso, o teor das conversas tem sido divulgado amplamente nos meios de comunicação. Por isso, passa-se a abordar o instituto da escuta telefônica quanto aos princípios que o norteiam e a finalidade deste meio de prova no direito processual brasileiro.   

3.1 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL

Escuta ou ato de escutar significa sistema de escuta que registra emissões eletromagnéticas provenientes de radares, de redes de telecomunicações etc., também, o verbo escutar equipara-se a tornar-se, ou estar atento para ouvir, prestar atenção para ouvir alguma coisa. Já o termo interceptar, tem como significado, interromper no seu curso; deter o que era destinado a outrem; ser obstáculo; captar. (FERREIRA, 2000, p.p 284, 395).

O art. 5º, XII,[9] consagra como direito fundamental a inviolabilidade das comunicações telefônicas. Porém, como no direito de greve, o próprio legislador constituinte previu hipoteticamente que, em determinados casos, haverá colisão entre o direito que estava consagrado e o interesse público na punição do crime. Em razão disso, delegou competência ao legislador ordinário para que estabelecesse em lei, as hipóteses e a forma segundo as quais o Poder Judiciário, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, poderá determinar a interceptação. (STEINMETZ, 2001, p. 71).

A previsão legal da escuta telefônica encontra-se na lei 9.296, de 24 de julho de 1996, onde no art. 1º, assevera que, in verbis:

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para a prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Gomes e Cervini (1997 apud RANGEL, 2000, p. 71) dividem o ato de gravar a conversa telefônica em três tipos: a interceptação telefônica, representada pela intervenção de uma terceira pessoa que grava a conversa sem o conhecimento dos interlocutores; a escuta telefônica, que é a captação realizada por um terceiro com anuência de um dos interlocutores e a gravação da conversa. Nos casos da interceptação e da escuta telefônica para os autores incide o dispositivo na Lei nº 9.296/96.

No entendimento de Rangel (2000, p. 70):

[...] a gravação de conversa telefônica efetuada por um dos interlocutores foge ao alcance da previsibilidade contida na Lei nº 9.296/96, já que trata da interceptação telefônica, caracterizada pela intervenção de uma terceira pessoa no fluxo de comunicação, sem o conhecimento dos participantes da conversação.

Adotando posição semelhante, Scarance (1997, p. 53, apud RANGEL, 2000, p. 71) defende a incidência da Lei 9.296/96 em dois casos: na interceptação telefônica feita por terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores, e na gravação com o conhecimento de um destes. Afirma o autor que “não fica incluída a gravação de conversa feita por um dos interlocutores, à qual se aplica a regra genética de proteção à intimidade prevista no art. 5º, X,[10] do dispositivo constitucional”.

Na opinião de Steck (1997, apud RANGEL, 2000, p. 69): 

[...] essas gravações são clandestinas, seja feita por um dos interlocutores ou por um terceiro, com anuência de um dos interlocutores, e este ato em si não se configura crime, mas a sua divulgação pode significar uma afronta à intimidade.

A lei 9.296/96 é destinada a regular o inciso XII, parte final da Constituição Federal, o qual dispõe:

[...] é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

A referida lei trata da interceptação telefônica, mas esta expressão, segundo a doutrina, como foi visto acima, abrange a escuta telefônica, mas exclui a gravação telefônica. Neste entendimento, se em uma conversa que acontece entre duas pessoas e uma terceira pessoa grava a conversa sem o consentimento dos interlocutores, incidirá o dispositivo da presente lei. Assim também, quando a conversa for gravada por uma terceira pessoa com o consentimento de um dos interlocutores o dispositivo da lei 9.296/96 semelhantemente será aplicado. Para a doutrina referida anteriormente, a gravação feita por um dos interlocutores não incide o dispositivo da lei em comento, mas pode configurar um uma violação à intimidade do indivíduo.

Conclui-se que a doutrina tem classificado a interceptação telefônica em dois tipos: um é a interceptação telefônica, que se dá quando um terceiro capta a comunicação telefônica alheia, sem o conhecimento dos comunicantes; já o outro tipo, é a escuta telefônica, que acontece  quando um terceiro capta a comunicação telefônica alheia, com o conhecimento de um dos comunicadores.

A doutrina tem entendido que a gravação telefônica possui vício de ilegalidade, visto a afronta ao art. 5º, inciso X, da CF/88.[11] Logo, não é “crime” gravar clandestinamente uma comunicação ou uma conversa própria. Contudo, mesmo não sendo crime, constitui esta ação uma afronta ao direito à intimidade, podendo haver restrição à sua divulgação, sendo denominada pelos doutrinadores como “direito de reserva”.[12]

A divulgação, sem justa causa, pode configurar o ilícito previsto no art. 153 do Código Penal.[13] Para Gomes (1997) “são consideradas justas causas o consentimento do ofendido, defesa de interesses legítimos, divulgação para salvaguardar um direito fundamental, comunicação de crime de ação pública, dever de testemunhar em juízo”.

O que se enfoca neste trabalho é em qual destes diferentes modos de interferir em uma conversa e depois divulgá-la encontra os limites da atividade da imprensa.  A imprensa tem divulgado escuta telefônica, interceptação telefônica ou gravação telefônica? E isto tem representado uma lesão ao direito da personalidade do indivíduo e, além disso, vai de encontro ao limites impostos pela lei 9.296/96, que regula o dispositivo da interceptação telefônica e da escuta telefônica, ou é uma garantia constitucional da sociedade à informação?

Diante do enfoque aqui apresentado, estando os institutos da interceptação telefônica e da escuta telefônica previstos no ramo do direito processual penal, vislumbra-se a necessidade de um estudo mais aprofundado dos princípios específicos que norteiam estas práticas. 

3.2 PRINCÍPIOS QUE REGEM AS ESCUTAS TELEFÔNICAS

“Os princípios representam as traves-mestras do sistema jurídico, irradiando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que radicam”.  (SARMENTO, 2003, p. 42).

Sarmento (2003) ainda observa que do sistema jurídico, os princípios passam por um processo de concretização sucessiva, através de princípios específicos e subprincípios, até adquirirem o grau de densidade das regras. Tal concretização não se dá através de um simples processo lógico-formal, no qual sejam os princípios mais específicos deduzidos axiomaticamente dos mais gerais.

Nas palavras de Carnaúba (2000, p. 13):

O Estado de Direito instituiu-se por meio da prefixação das formas de interferência estatal na esfera do livre arbítrio dos cidadãos em sua vida privada, assim como na vida da coletividade. O objetivo de sua existência é proporcionar um ambiente de segurança social, através da certeza de que há previsão legal a orientar as ações estatais e individuais. Tem a função de viabilizar uma convivência social harmônica e compatível com a dignidade dos seres humanos. Tal função se materializa mediante a fixação de normas que estabelecem parâmetros para a solução de conflitos antes que eles existam. É forma de garantir ao cidadão o conhecimento dos poderes e deveres estatais, como dos direitos e deveres dos indivíduos reciprocamente.  Apesar da prefixação de normas, nem sempre é possível atribuir valor absoluto às proposições normativas. Elas podem dar margem a conflito nos valores fundamentais dos seres humanos. Conflito que somente pode ser solucionado por intermédio de uma avaliação objetivo-comparativa dos princípios constitucionais para decidir qual deles deve prevalecer no caso concreto, pois, nessas circunstâncias, admitem ser ponderados objetivando harmonizar os vários valores que encerram. Se não houver certa margem de discricionariedade na interpretação e aplicação das leis, inviabiliza-se o fazimento da justiça e, com isso, o equilíbrio social. (o grifo é nosso).

No âmbito da escuta telefônica como um procedimento usado para a produção de prova em investigação criminal e em instrução processual penal, conforme dispõe o art. 1º da Lei 9.296/96, não foge a regra normativa geral ter os princípios constitucionais e processuais penal como bases, alicerces ou traves-mestras. Entendemos que os princípios gerais estão apresentados de forma explícita ou de forma implícita na Constituição Federal assim também como os princípios específicos de cada ramo do direito, como o direito processual penal.

3.2.1 Princípios Gerais Constitucionais

A Constituição Federal vigente, em seu art. 3º, erigiu à condição de princípio fundamental “a construção de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza, da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem-estar de todos”. (CARNAÚBA, 2000, p. 22).

O art. 5º, § 2º, da atual Constituição Federal diz que “os direitos e garantias nele expressos não excluem outros decorrentes dos princípios adotados por esse diploma legal”. Ora, o princípio constitucional de erradicação da pobreza garante aos cidadãos carentes o direito de usufruir dos benefícios resultantes dos serviços estatais destinados à assistência social. Muitos crimes são realizados em detrimento de desvios de verbas públicas que deixam de ser destinadas a programas sociais, e estas condutas ilícitas interferem diretamente na qualidade de vida das pessoas, principalmente nas mais carentes.

O art. 4º, do CPP, diz que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica,[14] bem como o suplemento dos princípios gerais do direito.

Neste entendimento, os princípios constitucionais deverão cumprir uma finalidade de garantir o bem estar das pessoas, dentro de uma perspectiva de justiça, não acobertando impunidade, com o uso dos direitos à intimidade das pessoas que lesam o erário público, mas que os princípios gerais constitucionais, fundamentados na interpretação das normas, atendam ao princípio da dignidade da pessoa humana, efetivando o respeito à vida, à moradia e punindo aqueles que se utilizam de formas inescrupulosas para usurpar verbas públicas em detrimento de milhares de vidas. 

3.2.2 Princípios do Direito Processual Penal

Não se concebe um ordenamento jurídico em que os vários ramos do Direito que o compõem se contradigam. Pelo contrário: o ordenamento deve apresentar-se de maneira unitária. Sendo o Direito Processual Penal parte desse ordenamento, vive em íntima comunicação com os demais ramos do Direito. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 31).

Íntimas relações existem entre o Direito Processual Penal e o Direito Constitucional, porquanto é este que estabelece e enuncia os princípios que servem de base à jurisdição penal. Pode-se dizer que o processo penal é a Constituição na sua dinâmica. “O direito de ação, no sentido abstrato, genérico e indeterminado, como garantia constitucional, é estabelecido na Constituição, cumprindo ao legislador ordinário disciplinar-lhe o exercício”. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 31).

O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não representava senão postulados fundamentais da política processual penal de um Estado. Quanto mais democrático for o regime, o processo penal mais se apresenta como um notável instrumento a serviço da liberdade individual. Sendo o processo penal uma expressão de cultura, de civilização, e que reflete determinado momento político, é evidente que os seus princípios oscilam à medida que os regimes políticos se alteram. Num Estado totalitário, consideram-se as razões do Estado. Num democrático, como bem o disse Bettiol (1974, apud TOURINHO FILHO, p.36) “a liberdade individual, como expressão de um valor absoluto, deve ser tida como inviolável pela Constituição”.

Dentro da categoria do ramo do direto processual penal, pretende-se aqui apresentar alguns princípios que se referem à legalidade ou ilegalidade de escuta telefônica, contudo, sem querer esgotar a importância que outros princípios tenham na ponderação deste instituto. Assim, serão estudados o princípio da inadmissibilidade da prova ilícita, princípio do devido processo legal, princípio da publicidade dos atos processuais, princípio da presunção de inocência e o princípio do “favor rei”.

 3.2.2.1 Princípio da Inadmissibilidade da Prova Ilícita

No direito comparado vamos encontrar duas posições diametralmente opostas: a da admissibilidade e a da inadmissibilidade. Nenhuma legislação, exceto a brasileira, proclama, de maneira absoluta e peremptória, a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos. Passamos à frente de todas as outras. Nenhum texto constitucional proíbe, taxativamente, as provas obtidas por meios ilícitos. Só o Brasileiro. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 59).

Toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos não será admitida em juízo. É como soa o inciso, LVI do artigo 5º da Constituição de outubro de 1988[15]. Assim, uma busca e apreensão ao arrepio da lei, uma audição de conversa privada por interferência mecânica de telefone, micro gravadores dissimulados, uma interceptação telefônica, uma gravação de conversa, uma fotografia de pessoa ou pessoas em seu círculo íntimo; toda e qualquer prova obtida ilicitamente, seja em afronta à Constituição, ou em desrespeito ao direito material ou processual, não só à dignidade humana como também à seriedade da Justiça e ao ordenamento jurídico. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 58).

A vigente Constituição Federal brasileira insere a questão da prova ilícita no capítulo referente às garantias constitucionais. Sobre este enfoque Carnaúba (2000, p. 1) dispõe que:

[...] a inserção é toda adequada, por que a forma de colheita das provas processuais penais interfere diretamente na esfera das liberdades individuais, outrossim, demonstra a realidade das relações entre o Estado e os cidadãos. Inadmitir processualmente prova ilícita, quando sua exclusão de alguns dos princípios fundamentais da atual Carta Constitucional, implica criar obstáculos à atividade estatal de realização se seus objetivos fundamentais.

É desse entendimento também Sarmento (2003, p. 177), quando afirma:

A referida vedação constitucional imprime dimensão ética ao processo, que não pode perseguir a verdade material a qualquer custo. Sob este prisma, o respeito aos direitos fundamentais das partes passa a traduzir limite infranqueável à instrução processual, resultando a sua inobservância na imprestabilidade das provas colhidas.

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No entendimento de Tourinho Filho (2007, 61): 

[...] o interesse estatal quanto à repressão e o respeito à dignidade humana e aquela série mínima de liberdade e garantias espraiadas no nosso ordenamento jurídico, o legislador constituinte brasileiro optou pela última solução. A eficácia da persecução penal precisava encontrar um limite no respeito das garantias individuais.

O uso da interceptação telefônica não atenderá a interesses contra legem, ou seja, em flagrante afronta às normas constitucional e infraconstitucional, mas, estará vinculada ao respeito aos direitos fundamentais que direcionam a norma constitucional, sem, contudo, deixar de vislumbrar os objetivos de persecutio criminis, na investigação de um fato criminoso e no conseqüente indiciamento dos acusados.

Quanto à prova ilícita por derivação, a inadmissibilidade a que havemos de nos referir não se restringe apenas às provas obtidas ilicitamente, mas, inclusive, às ilícitas por derivação. Diz-se a prova ilícita por derivação quando, embora recolhida legalmente, a autoridade, para descobri-la, fez emprego de meios ilícitos. A proibição alcança não apenas as provas ilícitas propriamente ditas (busca domiciliar sem mandado, escuta telefônica sem autorização do Juiz, p. ex.), como as ilícitas por derivação – fruits of the poisonous tree, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos. Mediante escuta telefônica (prova ilícita), obtém-se informação do lugar em que se encontra o entorpecente, que, a seguir, é apreendido com todas as formalidades legais. (CAPEZ, 2001, p. 31).

Na opinião de Sarmento (2003, p. 182):

No processo penal, onde os bens jurídicos em jogo são, de um lado, a liberdade corporal do réu, e de outro, a segurança da sociedade, entendemos que não se deve admitir, em hipótese alguma, a prova ilícita em prol da acusação. Os valores constitucionais que regem o direito penal e processual penal são de evidente teor garantista e não parece compatível com a filosofia que se entrevê na obra do constituinte a flexibilização de normas cogentes, que cingem a atividade persecutória do Estado ao estrito respeito dos direitos fundamentais do acusado.

A Suprema Corte norte-americana defende a invalidade da prova ilícita por derivação fruit of the poisonous tree. Segundo esta doutrina, o vício da prova originária contamina as que dela derivarem, que também se tornam imprestáveis no processo. (SARMENTO, 2003, p. 178). No entanto, ultimamente essa tendência está se invertendo, e a Suprema Corte já está admitindo, em algumas hipóteses extremas, até mesmo prova resultante de confissão extorquida.(CAPES, 2001, p. 31).

Na verdade, a adoção desta teoria revela-se imperativa, sob pena do total esvaziamento da cláusula constitucional proibitória da prova ilícita. De fato, se os elementos probatórios derivados de provas ilícitas fossem admitidos, isto representaria um incentivo para a continuidade da colheita destas provas e estímulo ao desrespeito para com os direitos fundamentais. (SARMENTO, 2003, p. 179).

No HC 69.912/RS, o Ministro Sepúlveda Pertence, como relator, observou que:

Vedar que se possa trazer ao processo a própria de gravação das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é estimular, e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina e conversas privadas. E finalizando: ou se leva às últimas conseqüências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida (Informativo STF n. 36, de 21-6-1996). No HC 73.351/SP, o STF, concedeu o writ, observou que “a prova ilícita contaminou as provas obtidas a partir dela. A apreensão dos 80 quilos de cocaína só foi possível em virtude de interceptação telefônica [...]” (Informativa STF n.30, de 15-5-1996). (apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 61).

Como assentou o Supremo Tribunal Federal, a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação e convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana (Ação Penal 307-3-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão apud MORAES, 1998 apud SARMENTO, 2003, p.177).

Fala-se na doutrina[16] de “provas ilícitas”, “prova ilegalmente admitida”, prova ilegítima”, “prova obtida ilegalmente” etc. Em resumo, a prova é proibida toda vez que caracterize violação de normas legais ou de princípios do ordenamento de natureza processual ou material. Com fundamento nessa conceituação, dividem os autores as provas em: ilícitas, as que contrariam as normas de Direito Material, quer quanto ao meio ou quanto ao modo de obtenção; e as ilegítimas, as que afrontam normas de Direitos Processuais, tanto na produção quanto na introdução da prova no processo. (MIRABETE, 2003, p.274).

Mas a questão que interessa é a da viabilidade da ponderação da norma em tela com outros interesses constitucionais, empreendida ao lume do princípio da proporcionalidade.  A questão divide a doutrina. Há aqueles que admitem esta ponderação, como José Carlos Barbosa Moreira, Nelson Nery Junior e Vicente Greco Filho. (SARMENTO, 2003).

Em sentido diametralmente oposto, Luis Roberto Barroso defende a natureza absoluta e incontornável da vedação ao uso da prova ilícita, sob o argumento de que a Constituição brasileira, por disposição expressa, retirou a matéria da discricionariedade do julgador e vedou a possibilidade de ponderação de bens e valores em jogo. Elegeu-a própria o valor mais elevado: a segurança das relações sociais pela proscrição da prova ilícita. (BARROSO, 1997 apud SARMENTO, 2003, p. 180).

Ainda esclarece Sarmento (2003, p. 180):

Em outros ramos do processo, porém, onde os valores em conflito são de ordem distinta, a ponderação de interesses ora discutida parece-nos admissível. Suponha-se, a título de ilustração, o caso de ação de destituição de pátrio poder, na qual existam provas ilícitas (gravações clandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hipótese entendemos que o direito à dignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227, CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita.

Observa-se que há o entendimento na doutrina que a ponderação de interesses pode ser um critério eficaz para a solução de antinomia jurídica quanto a prova ilícita e direitos à intimidade. Assim, a prova utilizada para a consolidação de direitos como, por exemplo, a defesa do réu, e cuja prova seja a única disponível, a doutrina defende a admissibilidade da prova ilícita. Quanto aos crimes de corrupção que envolve as escutas telefônicas, o agente ativo é flagrado nas suas conversações praticando atos criminosos, que, em muitas ocasiões, existe o interesse social em conhecer o teor de tal informação. Assim, apresenta-se a imprensa e seu papel de divulgar essas informações, de garantir ao público o direito à informação e o da própria emissora o direito de informar, mas que não ultrapassem a esfera dos direitos fundamentais do indivíduo.

3.2.2.2 Princípio do Devido Processo Legal

“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e o que prevê a Constituição Federal no art. 5º, LIV, corolários a este princípio “asseguram-se aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Valendo-se de interessante estudo de Olavo Ferreira (apud LENZA, p.630) o princípio do devido processo legal tem duas facetas: 1)formal e 2) material. O segundo encontra fundamento nos artigos 5º, inciso LV, e 3º, Inciso I, da Constituição Federal.[17]

Do devido processo legal substancial ou material são extraídos os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não há repercussão prática na discussão sobre a origem do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando-se que os mesmos têm status constitucional, e diante de tal situação todos os atos infraconstitucionais devem com eles guardar relação de compatibilidade, sob pena de irremissível inconstitucionalidade, reconhecido no controle difuso ou concentrado. A razoabilidade e proporcionalidade das leis e atos do Poder Público são inafastáveis, considerando-se que o Direito tem conteúdo justo. (SILVA, 2006, p. 432).  

O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Carta Magna inglesa: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV)”. Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude de defesa ( art. 5º, LV), fecha-se, sem dúvida, as formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê  a cada um  o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais. (SILVA, 2006, p. 432). 

3.2.2.3 Princípio da Publicidade dos Atos Processuais

Este princípio é a regra em nosso direito e foi elevado à categoria constitucional pelo art. 5º, LX, Carta Magna: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. (MIRABETE, 2003, p. 46).

Segundo a doutrina,[18] a publicidade apresenta dois aspectos: a publicidade geral (publicidade popular), quando os atos podem ser assistidos por qualquer pessoa, e a publicidade especial, restrita (publicidade para as partes), quando um número reduzido de pessoas pode estar presente a eles. Pode ela ser imediata, quando se pode tomar conhecimento dos atos diretamente, ou imediata, quando os atos processuais só se tornam públicos através de informe ou certidão sobre sua realização e conteúdo. (MIRABETE, 2003, p. 46).

A publicidade absoluta pode acarretar, às vezes, sérios inconvenientes com prejuízos sociais maiores do que a restrição do princípio (sensacionalismo, desprestígio do réu ou da própria vítima, convulsão social etc.). Por isso, as ressalvas constitucionais quanto à publicidade ampla, para a defesa da intimidade e do interesse social, do interesse público e do sigilo imprescindível a segurança da sociedade e do Estado. (MIRABETE, 2003, P. 47).    

Beling (1945, apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 44) fala em “publicidade popular” e “publicidade para as partes”. Quando ocorre a publicidade popular ou geral, como a chama Pontes de Miranda (1960, apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 44) ou plena, como quer Frederico Marques (1961, apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 44) os atos estão ao alcance do público em geral. Diz-se “publicidade para as partes”, ou restrita, como quer Frederico Marques, ou especial, como a denomina Pontes de Miranda, ou mediata, como diz Asenjo (s.d. apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 44), quando um número reduzido de pessoas pode estar presente: os sujeitos da relação processual e, às vezes, os sujeitos da relação “jurídico-material”. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 44).

É certo que a publicidade absoluta ou geral acarreta, às vezes, quer no Processo Penal, quer no Civil, inconvenientes de toda ordem. Pontes de Miranda aponta o sensacionalismo, forte impressão no público, desprestígio do réu. Há outros ainda. Por isso os evitáveis e desnecessários prejuízos que resultam do princípio da publicidade geral são conjurados por limitações impostas pelas legislações. Aí, como pondera Pontes de Miranda, “a técnica legislativa encontra problemas a que tem de dar solução e o faz segundo sugestões da experiência e dos costumes políticos”. (MIRANDA, 1960 apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 44).

Por outro lado, a publicidade não atinge, a grosso modo, os atos que se realizam durante a feitura do inquérito policial, não só pela própria natureza inquisitiva dessa peça informativa, como também porque o próprio art. 20 do CPP dispõe que a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário. De acordo com Tourinho Filho (2007, p. 45) “Trata-se, de conseguinte de Lex specialis. Nem se invoque a Constituição. Nela se fala em publicidade dos atos processuais [...] e os do inquérito não são”.

A publicidade absoluta poderá causar em muitas situações violação a direitos fundamentais como a intimidade, a honra, a imagem e a vida privada. Pois conforme aponta Pontes de Miranda (1960, apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 44): “temia-se mais o Juiz invisível, infiscalizável pelo olho do público, que o próprio juiz corrupto ou inimigo das partes”.

Na opinião de Romagnosi (apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 44) “a publicidade era um grande freio contra a fraude, a compaixão e a baixa indulgência”.

O art. 93, IX, da CF/88, na redação determinada pela EC nº45/2004, determina que:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Completando esta garantia geral do dever de motivação e publicidade das decisões, o art. 5º,LX, CF/88, estabelece que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. (LENZA, 2008, p. 632).

3.2.2.4 Princípio da Presunção de Inocência

A presunção de inocência é prevista na Carta Magna no art.5º, LVII, onde diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Este artigo traz o princípio da inocência onde nas palavras de Tourinho Filho (2007, p.61) “É um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre”, como bem o disse A. Castanheira Neves (1967, apud TOURINHO FILHO, p.61). “Assenta no reconhecimento dos princípios do direito natural como fundamento da sociedade, princípio que, aliados à soberania do povo e ao culto da liberdade, constituem os elementos essenciais da democracia”. (1980 apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 61).

A expressão presunção de inocência não deve ter o seu conteúdo semântico interpretado literalmente – caso contrário ninguém poderia ser processado – mas, no sentido em que foi concebido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “nenhuma pena pode ser imposta ao réu antecipadamente”. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 61).

Na pirâmide jurídica de Kelsen, a Constituição ocupa o seu ápice. Ela é a Lei Maior. Assim, se uma lei ordinária afronta a Lei de onde provêm as demais leis, ela não pode ter eficácia. (TOURINHO FILHO, 2007, p. 64). Neste entendimento, a presunção de inocência é uma norma constitucional de aplicabilidade plena e imediata, não comporta exceções, ela prescinde, quanto à acusação, pois, o agente ativo do fato ilícito, só será considerado culpado após o transito em julgado de sentença penal condenatório conforme disposição da Carta Magna de 1988, no seu art. 5º, LVII.[19]

Como também diz Eugênio Florian (1968, apud MIRABETE, 2003, p. 43):

 [...] existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado. Assim, melhor é dizer que se trata do “princípio de não-culpabilidade”. Por isso, a nossa Constituição Federal não “presume” a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado.            

A presunção de inocência é uma garantia constitucional do acusado.  Seja na esfera civil, penal ou administrativa e como bem complementa a Lei Maior no art. 5º, LV[20] a culpabilidade só poderá ser atestada após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 

3.2.2.5 Princípio do “Favor Rei”

Este princípio não é encontrado de forma explicita na Constituição Federal, mas é um princípio que traduz o sentido da Constituição Cidadã de 1988, pois, permite uma interpretação mais favorável ao réu, por parte do Estado Juiz.

Como salientado por Giuseppe Bettiol (1974, apud TOURINHO FILHO, 2007, p. 73):

[...] em determinada ótica, o princípio do favor rei é o princípio base de toda a legislação processual penal de um Estado, inspirado na sua vida política e no seu ordenamento jurídico por um critério superior de liberdade. Não há, de fato, Estado autenticamente livre e democrático em que tal princípio não encontre acolhimento. É uma constante das articulações jurídicas de semelhante Estado o particular empenho no reconhecimento da liberdade e autonomia da pessoa humana. No conflito entre o jus puniendi do Estado, por um lado, e o jus libertatis  do acusado, por outro, a balança deve inclinar – se a favor deste último se  quiser ao triunfar da liberdade [...] o favor rei deve constituir um princípio inspirador da interpretação. Isso significa que, nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, mas se conclua pela possibilidade de duas interpretações antagônicas de uma norma legal (antinomia interpretativa), a obrigação é escolher a interpretação mais favorável ao réu.

Observa-se nas palavras do autor que o Estado visará com o instituto do “favor rei” uma interpretação mais favorável ao réu. Assim, presume-se inocente as pessoas quando acusadas de algum crime ou ilegalidade, a qual somente o estado poderá, através do poder judiciário declarar esta culpabilidade ou não.

Nas palavras de Avolio (apud CAPEZ, 2001, p. 34):

[...] a aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do favor rei, é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e jurisprudência.

Neste mesmo entendimento Capez (2001, p.34) afirma que:

De fato, a tendência da doutrina pátria é a de acolher essa teoria, para favorecer o acusado, em fase do princípio do favor rei, admitindo sejam utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, desde que em benefício da defesa.

Entende-se assim, que tal princípio visa garantir ao cidadão o cumprimento por parte do Estado do que está positivado nas normas constitucionais e infraconstitucionais que estejam relacionadas, principalmente, com a dignidade da pessoa humana, ou seja, prioriza-se a defesa do acusado, nos seus direitos constitucionais como a ampla defesa, o contraditório, a inviolabilidade à sua honra, à sua imagem, à sua privacidade, à sua intimidade etc. 

3.3. ESCUTA TELEFÔNICA COMO MEIO DE PROVA NO PROCESSO PENAL

A escuta telefônica é um dos meios de prova e está prevista na lei 9.296/96, a qual regula as circunstâncias que admitem a escuta telefônica como prova no direito processual penal brasileiro. Por isso, passa-se ao estudo da escuta autorizada e não autorizada.

3.3.1 Escuta Autorizada

A ordem do juiz competente configura a autorização legal para se realizar a escuta telefônica, conforme dispõe o art. 1º, segunda parte, da Lei 9.296/96. Logo a escuta telefônica será legal quando for autorizada pela autoridade competente, que é o juiz da causa.

Dispõe o art. 3º da Lei 9.296/96 que:

A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I – da autoridade policial, na investigação criminal;

II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Observa-se na citada lei, que além do juiz a autoridade policial e o Ministério Público poderão requerer que o juiz autorize a realização da escuta telefônica. A finalidade da escuta, como deixa clara a norma, é de servir como prova na investigação criminal ou instrução processual penal. Ora, o presente dispositivo não usa a possibilidade da escuta telefônica para outros fins, como uma divulgação pela imprensa de uma escuta envolvendo uma eminente autoridade, por exemplo.  

Por sua vez o art. 4º da mesma lei também dispõe que:

O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

Não são ilícitas as provas admitidas quando o interessado consente na violação de seus direitos assegurados constitucionalmente ou pela legislação ordinária, desde que sejam bens ou direitos disponíveis, como a entrada em residência com a permissão do morador, a gravação em fita magnética de conversa entre duas pessoas, desde que gravada por um deles. Permite-se também a gravação por terceiro de conversa mantida em local público. (MIRABETE, 2003, p. 276).

O artigo 2º da Lei nº 9.034, de 3-5-1995, dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei nº 10.217, de 11-4-2001, prevê a possibilidade da captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, e seu registro e análise, bem como a infiltração por agentes de polícia ou de inteligência em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, desde que as diligências sejam autorizadas pelo juiz. Nessas hipóteses, a conduta do autor da prova deixa de ter a ilicitude exigida na Constituição para a proibição da prova. (MIRABETE, 2003, p. 276).

Há o entendimento na doutrina nacional e estrangeira de que é possível a utilização de prova favorável ao acusado ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros, quando indispensáveis, e, quando produzida pelo próprio interessado (como a de gravação de conversação telefônica, em caso de extorsão, por exemplo), traduz hipótese de legítima defesa, que exclui a ilicitude.

Como diz Antonio Scarance Fernandes (1988 apud MIRABETE, 2003, p. 276):

Por isso, já se começa a admitir a aplicação do princípio da proporcionalidade, ou da ponderação quanto à inadmissibilidade da prova ilícita. Se a prova foi obtida para resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor do que aquele a ser resguardado, não há que se falar em ilicitude e, portanto, inexistirá a restrição da inadmissibilidade da prova.

 A proporcionalidade vale-se da “teoria do sacrifício”, segundo a qual, no caso concreto, deve prevalecer aquele princípio que parecer ser o mais importante. Além disso, seria admissível a prova ilícita em favor do réu, quando a única possível. (MIRABETE, 2003)

Na vigência da Lei n.9296/96 se tem decidido que não é ilícita a prova resultante de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, se a ela são anexados outros elementos probatórios. Invocando-se o princípio da razoabilidade, também se deu por ilícita a prova obtida com a gravação de conversa telefônica de preso efetuada no interior do presídio. Não se tem anulado o processo em que é introduzida prova ilícita, senão é ela  a única ou a primeira produzida no procedimento investigatório, aproveitando-se as demais que por ela não estão contaminadas e dela são decorrentes. (MIRABETE, 2003, p. 277).

3.3.2. Escuta Não autorizada

Estabelece o art. 2º da lei 9.296/96, que:

Não será admitida a interceptação de comunicação telefônica quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – não houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal punida no máximo, com pena de detenção.

O art. 9º da lei, por outro lado, diz que as conversações interceptadas que não servirem aos interesses legítimos da investigação criminal, estas deverão ser destruídas, mediante referendo judicial.

A lei também regula sobre como uma interceptação telefônica configura crime:

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicação telefônica, de informática ou telemática, ou qualquer segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

É previsto também no art. 8º da lei em estudo que “a interceptação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transições respectivas”.

Como se vê, a lei enfatiza o sigilo da interceptação telefônica, para a preservação da prova processual e também atendendo ao princípio da presunção de inocência conforme explicito no dispositivo constitucional. Assim, a norma que regula a interceptação telefônica é enfática quanto à admissibilidade de uma exceção contida na Constituição Federal de 1988. Por sua vez, enfatiza sobre o sigilo dessas divulgações, onde a preservação das provas para a persecutio criminis poderá ser prejudicada com a publicação do teor da informação. Por outro lado, têm-se os direitos da personalidade que conquanto normas de direito constitucional, estão classificadas no título sobre direitos e garantias fundamentais, os quais gozam de aplicabilidade imediata.  

3.4. EFEITOS DA DIVULGAÇÃO DA ESCUTA PELA IMPRENSA

A escuta telefônica pode ser determinada pelo juiz a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal e também do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal. Entende-se que este meio de prova admite ser realizado tanto na fase pré-processual (investigatória) quanto na fase processual. Como diz Julio Fabbrini Mirabete (2003, p. 80) “A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código de processo penal o “inquérito policial” (art. 4 a 23) da “instrução criminal” (art. 394 a 405)”. Neste entendimento, surgem divulgações de escutas que foram colhidas nas duas fases citadas onde em muitas situações podem trazer transtornos para o processo e, discute-se em dano a direito fundamental daquele que tem o seu direito ao sigilo violado.

3.4.1 Na Fase Investigatória 

A investigação é uma fase para apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria, bem como o inquérito policial é o procedimento destinado a reunir os elementos necessários à apuração. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária. O destinatário do Inquérito Policial é o Ministério Público (no caso de crime que se apure mediante ação penal pública) ou o ofendido (na hipótese de ação penal privada), que com ele formam sua opinio delicti para a propositura da denúncia ou queixa. O destinatário mediato do inquérito é o Juiz, que nele também pode encontrar fundamentos para julgar. (MIRABETE, 2003, p. 80).

Pode-se entender que o inquérito não é “processo”, mas procedimento administrativo informativo, destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código de processo penal o “inquérito policial” (art. 4 a 23) da “instrução criminal”. Por essa razão, não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais, nem mesmo o do contraditório (art. 394 a 405). (MIRABETE, 2003, p. 80).

Nas palavras de Tourinho Filho (2007, p. 211):

Se o inquérito policial é eminentemente não contraditório, se o inquérito policial, por sua própria natureza, é sigiloso, podemos, então, afirmar ser ele uma investigação inquisitiva por excelência. Durante o inquérito, o indiciado não passa de simples objeto de investigação. Nele não se admite o contraditório. A autoridade o dirige secretamente. Uma vez instaurado o inquérito, a Autoridade Policial o conduz à sua causa finalis (que é o esclarecimento do fato e da respectiva autoria), sem que deva obedecer a uma sequência previamente traçada em lei. Ora, o que empresta a uma investigação o matriz da inquisitoriedade é, exatamente, o não permitir-se o contraditório, a imposição da sigilação e a não-intromissão de pessoas estranhas durante a feitura dos atos persecutórios. Nela não há Acusação nem Defesa. A Autoridade Policial, sozinha, é que procede à pesquisa dos dados necessários à propositura da ação penal. Por isso que o inquérito é peça inquisitiva.

O art. 4º da CPP dispõe que: “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.  Assim, na estrutura da segurança pública brasileira encontram-se como polícias judiciárias a polícia civil e a policia federal, ambas, dentro de suas respectivas competências, tem dentre outras, a competência constitucional de apurar as infrações penais; a primeira, na esfera estadual e a segunda, na esfera federal.[21]

Em comentário sobe o referido artigo, Julio Fabbrini Mirabete (2003, p. 76) tem o seguinte entendimento:

Nos termos do art. 4º do CPP, cabe à polícia judiciária, exercida pelas autoridades policiais, a atividade destinada à apuração das infrações penais e da autoria por meio do inquérito policial, preliminar ou preparatório da ação penal. A soma dessa atividade investigatória com a ação penal promovida pelo Ministério Público ou ofendido se dá o nome de persecução penal (persecutio criminis). Com ela se procura tornar efetivo o jus puniendi resultante da prática do crime a fim de se impor a seu autor a sanção penal cabível. Persecução penal significa, portanto, a ação de perseguir o crime. 

Ora, prevê o art. 20 do Código de Processo Penal que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesses da sociedade”, Contudo, hodiernamente, investigações com a Policia Federal têm demonstrado uma série de interceptações telefônicas sendo divulgadas ainda na fase inquisitorial pela imprensa e que tem levada a um debate sobre a licitude dessas divulgações sendo até proibidas por alguns juízes a divulgação dessas informações. 

Para Brutti (2008, p.2):

É interessante notar, por outro lado, que, quanto ao aspecto formal do procedimento policial, os autos relativos à interceptação devem correr em apartado aos autos principais do caderno apuratório (art. 8º, da Lei nº 9.296/96), preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas. Ora, se isso é bem verdade, logicamente, dessa arte, é defeso à autoridade responsável pelas investigações provocar mal ainda maior à persecutio, qual seja, o de divulgar os resultados das gravações em sessões públicas de propagação nacional, por meio da imprensa televisiva, radiofônica ou jornalística.

Ora, os prejuízos que a divulgação que essas escutas poderão trazer para as investigações são evidentes, tendo em vista que é característica da fase inquisitorial o sigilo, no entanto,  quando essas informações são vazadas, além do suspeito ou indiciado ficar conhecendo, intempestivamente, o teor da prova inquisitorial que esta sendo  constituída contra ele, haverá uma divulgação onde milhares de pessoas terão conhecimento de uma informação que deveria servir para fins especificamente  apuratórios.

De acordo com o art. 5º, inciso XXXIII, da CF/88:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

Como analisado no capítulo I, quando falamos do direito à informação previsto na Constituição Federal de 1988, também é encontrado na Lei Maior o sigilo das informações quando imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado. Conclui-se, também, que as investigações policiais, deverão seguir as normas previstas constitucionalmente quanto ao sigilo das escutas telefônicas. Logo, com a divulgação da escuta telefônica pela imprensa, o processo poderá ser prejudicado, pois, se faz necessário que a polícia trabalhe em sigilo para que as investigações alcancem o seu objetivo.

3.4.2. Na Fase Processual

Na fase processual, a divulgação poderá trazer à tona o conhecimento de provas até então sigilosas e que seriam usadas no processo o que ajudaria ou não ao juiz fazer juízo de valor.[22]

Se por um lado, a interceptação telefônica pode ser autorizada pelo juiz, por outro lado, não há previsão legal para o juiz autorizar que tais escutas sejam divulgadas pelos meios de comunicação de massa.

Diz o art. 157, do CPP que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação às normas constitucionais ou legais”. Isto posto, há de se aferir se a escuta telefônica autorizada, por conseguinte, legal, não se tornará ilegal com a sua divulgação pela imprensa, pois além de ferir uma prova processual sigilosa também fere direitos individuais fundamentais do indivíduo como o direito à honra, à imagem, a privacidade e a vida privada.   

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Sobre o autor
João Marcos de Jesus Silva

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana;<br>Pós-graduado em Ciências Penais Pela Universidade Anhanguera;<br>Professor de Direito em Curso da Policia Militar da Bahia;<br>Professor Preparatório para Concurso;<br>Professor de escola de segurança;<br>Aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Marcos Jesus. Divulgação de informações pela imprensa, obtidas por escuta telefônica em processo penal: violação de direitos fundamentais individuais ou garantia de acesso ao direito coletivo à informação?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4646, 21 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47465. Acesso em: 2 mai. 2024.

Mais informações

<p><strong>Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Direito, Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito parcial para a obten&ccedil;&atilde;o do grau de Bacharel em Direito.</strong></p> <p><strong>Orientadora: Profa. </strong><strong>Msc. Hilda Ledoux Vargas</strong></p>

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