A teoria do buraco negro estatal

19/03/2016 às 15:29
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Trata-se de um artigo que ocupa-se em revelar a real situação do Estado, apresentando contexto histórico e elementos essenciais que deveria ser considerados pela atuação estatal.


Quando jovens, todos aprendem na escola sobre a existência dos Estados absolutistas, nos quais o poder encontrava-se nas mãos de apenas uma pessoa, que dominava plenamente sobre seus súditos, fazendo com que sua vontade se tornasse realidade, submetendo todos ao seu julgo.

Aprende-se, também, sobretudo no início da jornada acadêmica nos cursos de direito, que em determinado momento este modelo autoritário sucumbiu, isto é, não resistiu as mudanças que eram reivindicadas pelo povo, que já não aguentava conviver com tantos abusos.

A partir daí, percebe-se notadamente, seguindo os passos da história, que novos valores passaram a nortear a coletividade, fazendo surgir inúmeros mecanismos que pudessem efetivamente limitar o poder do Estado e garantir os direitos de todas as pessoas. 

Neste primeiro momento, a prioridade era o estabelecimento da igualdade e da liberdade. Ocorre que com o passar do tempo a ênfase dada a estes valores e a concretização destes ideais de forma literal não produziu efeitos positivos na ordem prática, pelo contrário, acarretou uma série de desconfortos na sociedade, de modo que esta visão liberal cedeu espaço para um novo modelo que buscava melhorias sociais, o qual exigia que o Estado deixasse a postura abstencionista e, por consequência, demandava uma presença proativa. 

Observando o desenrolar da história, verifica-se que o tempo contribuiu para o aperfeiçoamento dos valores essenciais, fazendo, também, com que o direito positivo amadurecesse, de sorte que ficava cada vez mais enraizado a premissa de que a função do Estado, no âmbito de seus poderes, dentre outras incumbências específicas, é de organizar a sociedade garantindo os direitos dos indivíduos e proporcionando melhorias na qualidade de vida do povo.

O aprimoramento da democracia, em tese, deveria assegurar a soberania popular, isto é, a vontade do povo, de maneira que a existência do Estado está diretamente ligada ao serviço da sociedade, ou seja, a função do Estado, primordialmente, é servir a sociedade contribuindo para a promoção de uma vida digna e justa. 

Pelo princípio democrático, o Estado não deve viver para si, este não é o seu propósito. Quando a Constituição criou formalmente o Estado, estabelecendo sua estrutura, ela já havia estabelecido os princípios a serem observados e os objetivos que deveriam ser perseguidos, isto porque pretendia impedir qualquer tentativa de se atribuir outra tarefa que não esteja associada ao cumprimento da vontade popular, que obviamente sempre será auxiliar o cidadão nas suas atividades e o desenvolvimento da nação.

Nesta esteira, o princípio republicano apresenta-se como um consolidador da premissa, uma vez que visa difundir uma correta consciência a respeito da coisa pública, de forma que este entendimento fique arraigado de tal maneira na mente dos administrados e dos administradores, que seja possível extrair nitidamente de todos os atos do estado essa essência.

A estabilização do sistema jurídico, decorrente de uma nova postura implementada em razão do duro aprendizado oriundo da inconformação com as incontáveis e dolorosas violações, por parte do estado, aos direitos considerados fundamentais, assentou a base para os limites da atuação do Estado através do princípio da legalidade, o qual sinteticamente determina que o Estado só pode fazer aquilo que está previsto em lei, de modo que a atuação que ultrapasse tais limites deve ser, em primeiro plano, evitada, e se praticada, considerada ilegal e abusiva, sendo oportunizado a qualquer interessado o direito e a garantia de impugna-la. 

Considerando todos os fatores históricos, a facilitação do acesso ao conhecimento e a evolução do ordenamento jurídico, sobretudo no que tange ao reconhecimento de vários direitos fundamentais, tem-se que o Estado, mesmo conservando os poderes inerentes ao efetivo cumprimento de suas funções, deveria ser um parceiro do cidadão, pautando todas as suas ações de forma a facilitar e auxiliar o individuo no estabelecimento do bem comum, ou seja, do alcance e manutenção do status desejado pela vontade soberana do povo. 

Assim, partindo do axioma de que o Estado serve para servir, muito embora tenha poder para punir, a postura dele esperada é de aliado do povo e não de adversário. No âmbito dos três poderes, na administração pública direta e indireta, tanto no exercício das funções típicas quanto nas atípicas, o ponto de partida de qualquer conduta deve ser originado na consciência da prestação de um serviço ao povo soberano.

Os poderes legislativos nas esferas federal, estadual e municipal quando legislam, quando fiscalizam os poderes executivos respectivos e quando agem de maneira geral, devem atuar de maneira a contribuir com princípios e objetivos já previstos, adotando uma postura que visa favorecer os interesses da coletividade, de modo que qualquer atitude que macule esta essência, especialmente quando o compromisso é com interesses individuais ou unicamente direcionada ao benefício exclusivamente estatal, devem ser consideradas ilegítimas em razão da negligência dada a natureza da atividade estatal, que deve ser o fundamento de todos os seus atos. 

No processo de criação de leis, o poder legislativo deve estar atento para não deixar passar temas relevantes, sem os quais seria possível permitir a violação de direitos ou o abuso de poder desenfreado por parte dos administradores, de modo a comprometer o propósito do sistema e a concretização dos objetivos maiores. Quanto ao dever de fiscalizar, os parâmetros definidos pela lei são importantíssimos, de sorte que é extremamente necessário a averiguação do cumprimento objetivo e respeito as leis pelo administrador, porém, é preciso destacar a necessidade de indagar se a performance estatal vem desempenhando seu ofício magno, ou seja, se vem minimamente cumprindo seu papel de parceiro do cidadão, ou pelo contrário, vem causando maiores dificuldades para a coletividade no exercício do mister. Neste momento, questões pessoais ou meramente políticas deveriam ser rechaçadas, investigando-se com critérios objetivos e subjetivos se a vida do povo, titular do poder, melhorou ou não.

Os poderes executivos têm um papel medular no Estado democrático de direito. A incumbência de administrar a sociedade e gerir os recursos públicos é inegavelmente complexa, exigindo do administrador uma ampla capacidade de lidar com incontáveis situações e imprevisíveis dificuldades que surgem diariamente. Embora não se exija competência técnica para tanto, o senso comum dá conta de que os obstáculos a serem enfrentados por quem ocupa estes cargos exigem que os responsáveis por tal missão sejam minimamente qualificados, uma vez que desempenharão atividades que afetarão diretamente a vida de todos, de sorte que a ocupação destas posições por pessoas incapacitadas fatalmente acarretará prejuízos enormes de toda ordem para o Estado pela má condução dos trabalhos e gestão das receitas, bem como atingirá negativamente a vida das pessoas, logo, frustrará o objetivo maior do Estado que é prestar um bom serviço ao povo, concorrendo para o seu desenvolvimento. 

Quando a condução da administração pública abandona o alvo estabelecido pela constituição, seja por negligência ou imperícia, o resultado é devastador. A ineficiência do Estado é ruim para todos, não só para o ente estatal, mas para toda a coletividade, já que a ausência de direção deixa o corpo social sem rumo, contribuindo para o caos, e os investimentos despropositados fomentam a desigualdade. 

Quando um individuo toma uma decisão errada as consequências podem ser graves, inclusive é possível que afete colateralmente outros. Nestes casos, o Estado tem o dever de aproximar-se para socorrer o personagem, reestabelecer a ordem e a aplicação da lei, impondo as devidas penalidades, se for o caso. Ocorre, contudo, que quando é o próprio Estado que toma decisões equivocadas, os danos podem ser avassaladores, e os frutos decorrentes do prosseguimento no caminho desacertado inequivocamente causará uma tragédia social.

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O Estado é a cabeça do corpo social, é quem dá os comandos, é a referencia, o modelo, é quem determina os parâmetros, de modo que, de certa forma, influencia o comportamento social. 

Quando a administração, através de seus atos, comporta-se como quem não conhece a natureza de suas atividades, desqualificando os atos públicos quando deliberadamente incorpora interesses particulares aos mesmos, despreza o bem-estar comum, pois além de gerar um sentimento de desconforto e abuso na população, desestimula a relação de cooperação entre administrador e administrados. 

Quando a gestão pública vai mal, impera o descrédito, trava-se os recursos, e há uma aumento significativo no descumprimento da lei, de forma que além das perdas, o Estado terá mais despesas para identificar os infratores.

Por outro lado, uma boa gestão administrativa é aquela cuja condutor gerencia os recursos objetivando o bem maior, isto é, a satisfação das necessidades e anseios do povo, sobretudo quando, mesmo em meio a dificuldades, inclusive financeiras, está sensível as reais carências da sociedade e trabalha incansavelmente para alcançar seu intento. 

Na mesma medida que um Estado ineficiente é ruim para o povo, um Estado eficiente é bom para o próprio Estado, bem como para seu povo. Quando o gestor público está sensível ao seu chamado constitucional, voltando seus olhos para a demanda social e para o serviço, a resposta da sociedade é positiva, pois há convergência nos interesses, de maneira que nitidamente haverá um aumento na compreensão, sem falar que haverá mais disposição para o cumprimento das leis, o que obviamente diminuirá os expedientes relacionados com os casos de inobservância e infringência da lei.

É nítido que atualmente o Estado funciona como um buraco negro, pois indevidamente posicionado no centro das atenções no lugar do povo, atrai tudo para si, absorvendo excessivamente os recursos, sem deixar que nada escape do espectro de seu poder. 

Diante dessa realidade, isto é, assumindo o Estado características também identificadas nos buracos negros, de modo a consumir tudo que está ao seu redor, percebe-se com evidência que o Estado está inchado, pesado, gordo e doente. Constata-se, também, que que o Estado abanou suas raízes, já que não pensa no verdadeiro bem-estar do cidadão, restando esquecido os anseios populares, enquanto o foco de suas ações visa apenas saciar os interesses dos governantes.

Os governantes não podem comprometer a nação e o Estado em detrimento de interesses escusos, injustificados e evidentemente prejudiciais. Assim, sabendo que o Estado não pode penalizar a si mesmo, e sendo perfeitamente possível a punição daqueles que atuam em seu nome, tem-se que é isto que deve ser feito, e com urgência.

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O artigo foi escrito considerando a grave situação político-econômica enfrentada pelo povo brasileiro.

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