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Do penhor

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4. Existência de débito garantido pelo penhor e sua natureza de direito acessório.

O penhor, como direito real de garantia, é meramente acessório da obrigação principal, isto é, da obrigação de onde exsurge a dívida garantida, de modo que o penhor segue o destino da obrigação principal (“Accessorium non ducit, sed sequitur principalem”). Ou seja, extinguindo-se esta, extingue-se também o penhor (exceto pela expressa disposição em sentido contrário, como na hipótese do inciso II do art. 1.433 do Código Civil). 

Ainda por ser obrigação acessória (na verdade, não por ser obrigação acessória, mas para fortalecer-se esta sua qualidade), o penhor não admite a cláusula comissória. Assim, é nula a cláusula que autorize o credor pignoratício a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento (art. 1.428, caput). Veja-se que a lei está a impedir a validade de cláusula negociada entre as partes, antes do vencimento da dívida e que desde logo autorize o credor a ficar com o objeto da garantia como meio de pagamento em caso de inadimplemento da obrigação principal pelo devedor. É claro que, não estando quitada a dívida, o credor continuará legalmente na posse da coisa apenhada (CC, art. 1.433, inciso I), inclusive para buscar o pagamento do seu crédito pelos meios legais (execução forçada contra o devedor, etc.). O que se está a dizer é que é nula a cláusula contratual que preveja, antes do vencimento da dívida, que o credor poderá tomar para si a coisa apenhada para fins de quitação da dívida.[31]

Entretanto, outro é o tratamento jurídico se o devedor pignoratício ou terceiro garantidor der a coisa empenhada em pagamento após o vencimento da dívida, o que é aceito pela norma insculpida no parágrafo único do mesmo art. 1.428 do Código Civil (i.e., por dação em pagamento). Observe-se, também, que o parágrafo único do art. 1.455 e o inciso IV do art. 1.459, do CC/2002, permitem que tanto o credor pignoratício do crédito (penhor de direito), quanto aquele credor pignoratício de título de crédito, recebam a importância devida, desde que vencido o direito ou título.[32]

Na fraude contra credores, dispõe o Código Civil que (art. 165, caput):

“Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores”

E (art. 165, parágrafo único):

“Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada."

Por aí se vê mais uma vez a natureza acessória do contrato de penhor.

A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Ou seja, o penhor, como garantia da dívida, acessório como é, extingue-se porque a dívida original também é extinta com a novação (CC, art. 360, I, II e III). Admite-se a estipulação em contrário, qual seja, que a novação não tenha por efeito extinguir a garantia da dívida. Tal deve ser expresso, constar do instrumento do contrato. De todo modo, não aproveitará ao credor ressalvar o penhor, se o bem dado em garantia pertencer a terceiro que não foi parte na novação (CC, art. 364).

Por ser acessório da obrigação principal a que serve como garantia, o penhor é temporário, pois pressupõe-se que a obrigação principal possa ser quitada, como forma de liberação do bem empenhado. Exemplificativamente, no caso de penhor de veículos, há prazo máximo estipulado em lei: só pode ser convencionado pelo prazo máximo de dois anos, prorrogável até o limite de igual tempo, averbada a prorrogação à margem do registro respectivo (CC, art. 1.466).

O penhor serve para a garantia do débito, mas no antigo direito romano,

“… havia nos tempos mais recuados a ação da lei por tomada de penhor (legis actio per pignoris capionem), pela qual o credor, obedecendo a um rito preestabelecido, mas independentemente de autorização judicial, procedia à apreensão de objetos do devedor, que permaneciam sob sua custódia até que a dívida fosse paga. Neste caso, os bens não são afetados à garantia do adimplemento da obrigação; o que se pretende é, por meio da privação desses bens, compelir o devedor ao pagamento.”[33]

 Na lição de Cesare Sanfilippo, Professor Emérito da Università di Catania, sobre a legis actio per pignoris capionem,

“Consisteva nell'impossessarsi di una cosa del debitore (pignus) pronunciando certa et sollemnia verba. A differenza delle altre legis actiones, si svolgeva extra ius, ed era ammessa per i crediti connessi ad una destinazione sacra o alla riscossione delle imposte, o per i crediti dei soldati per il loro soldo (aes militare) o per l'acquisto del cavallo (aes equestre) o del foraggio (aes hordiarium).”[34]

Era um penhor que derivava de procedimento, um dos cinco listados por Gaius.[35] O curioso é que a legis actio per pignoris capionem operava-se extrajudicialmente, o que resultou em questionamentos sobre sua natureza jurídica. A esse respeito, Arthur  Schiller, Professor Emérito da Faculdade de Direito da Columbia University, teve a oportunidade de escrever que: 

“(…) Our information largely derives from the Gaius passage, and several questions are raised which can only be tentatively answered. In the first place it has been suggested that since pignoris capio took place extra-judicially it should not be classed as a legis action. In answer to this it was formerly maintained that, just as in manus iniectio, there must have been some provision for the case in which the defendant contested the seizure. But today it is generally acknowledged that there is no evidence whatsoever of a proceeding in which the legality of the seizure was tested; pignoris capio was a legis action because it was a formal act, expressed by fixed words, and presumably included by Gaius among the five types because it was the origin of a right of action based on the fiction of pignoris capio.”[36]   

Para evitar interpretações jurídicas que levassem a situação semelhante àquela da legis actio per pignoris capionem, ou seja, do credor tomar por força própria (extrajudicialmente) bens do credor em penhor, vários países fizeram constar de suas leis a vedação ou limitação a tal prática, explicitamente. Por exemplo, o Código Civil da Colômbia, no art. 2.417, dispôs que:

“No se podrá tomar al deudor cosa alguna contra su voluntad para que sirva de prenda, sino por el ministerio de la justicia.”

E, também:

“No se podrá retener una cosa del deudor en seguridad de la deuda, sin su consentimiento; excepto en los casos que las leyes expresamente designan”.[37]

No Brasil, lembremos que o penhor legal depende de homologação judicial e as poucas hipóteses em que se o admite são expressamente previstas na legislação.

Na sucessão provisória, os herdeiros, para se imitirem na posse dos bens do ausente, darão garantias da restituição deles, mediante penhores ou hipotecas equivalentes aos quinhões respectivos (CC, art. 30, caput) e aquele que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida, será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia (CC, art. 30, § 1º), regra excepcionada para ascendentes, descendentes e cônjuge, pois para estes, uma vez provada a sua qualidade de herdeiros, poderão, independentemente de garantia, entrar na posse dos bens do ausente (CC, art. 30, § 2º).


5. Credor pignoratício.

O penhor gera para o credor diversos direitos. Os que lhe interessam mais de perto, sem dúvidas, estão previstos no art. 1.422 do Código Civil: o direito de excutir a coisa empenhada (também previsto no inciso IV do art. 1.433) e o direito de preferir, no pagamento, a outros credores.

Quanto ao primeiro direito, de propor a execução cível, lembremos que, pelo inciso III (com redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006) do caput (com redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)[38] do art. 585 do CPC/1973, são títulos executivos extrajudiciais os contratos garantidos por penhor. Ademais, como sabido, previu-se em favor do credor o direito de, na inicial da execução, indicar bens a serem penhorados (CPC/73, art. 652, § 2º)[39] e, na execução de crédito com garantia pignoratícia, previu-se a possibilidade da penhora recair, preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia, sendo que, a coisa pertencendo a terceiro garantidor, fosse também esse intimado da penhora (CPC/73, art. 655, § 1º).[40] No novo CPC, de 2015, os regramentos se repetem nos arts. 784, V e 835, § 3º. Nesse sentido, o penhor se apresenta como direito de realização de valor.

Dito de outro modo,

“O principal efeito dos direitos reais de garantia consiste no fato do bem, que era segurança comum a todos os credores e que foi separado do patrimônio do devedor, fica afetado ao pagamento prioritário a determinada obrigação.”[41]

Quanto ao segundo direito, preferencial, excetuam-se da regra estabelecida no caput do art. 1.422 do Código Civil as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos (CC, art. 1.422, parágrafo único). 

O credor pignoratício tem também outros direitos, previstos no art. 1.433 do Código Civil.

No que se refere à posse da coisa empenhada (CC, art. 1.433, inciso I), trata-se de direito de ser mantido na posse da mesma. O credor não pode ser constrangido a devolver a coisa empenhada ou parte dessa coisa, antes de ser integralmente pago, podendo, todavia, o juiz, a requerimento do proprietário, determinar que seja vendida apenas uma das coisas, ou parte da coisa empenhada, suficiente para o pagamento do credor (CC, art. 1.434).

Ou seja, salvo por ordem judicial requerida pelo proprietário da coisa empenhada, ou ainda pelo que decorrer da livre autonomia das partes, por disposição expressa no título ou na quitação parcial, o credor pignoratício terá a posse da coisa, não podendo ser constrangido a devolvê-la nem a vendê-la, nem mesmo parcialmente (jus retentionis, que é corolário natural do penhor), até a quitação integral do débito garantido, de onde se diz que o penhor é direito real uno e indivisível (princípio da indivisibilidade), regra geral prevista expressamente no art. 1.421 do Código Civil:

“O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.”

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Deriva, da mesma ideia, que os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor na proporção dos seus quinhões, ou seja, pode, qualquer deles, remir o penhor, mas apenas se o fizer no todo (CC, art. 1.429, caput).[42]   

O direito de retenção da coisa empenhada, pelo credor, dá-se até que o indenizem das despesas, ordinárias ou extraordinárias, devidamente justificadas, que tiver feito para conservação, guarda ou proteção da coisa, não ocasionadas por culpa sua (CC, art. 1.433, inciso II). Tal direito já era assegurado ao credor pelo art. 772 do Código Civil de 1916. Aí, não haverá o jus retentionis decorrente do penhor, mas direito autônomo de retenção:

“Como direito autônomo, independente do direito real, manifesta-se como exigência do pagamento de despesas com a conservação da coisa.”[43]  

Pelo interesse público envolvido, o direito de retenção da coisa empenhada (CC, art. 1.433, II) não prevalece sobre imissão na posse decorrente de expropriação.[44] 

O direito do credor ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada (CC, art. 1.433, inciso III) dá-se tanto para coisas animadas como inanimadas, como, por exemplo, produtos químicos ou animais bravios.[45] Aqui, não há direito do credor à retenção da coisa empenhada. E só há direito à indenização se o vício não era conhecido pelo credor, em atenção ao princípio da boa-fé, por vedação ao comportamento contraditório (“Venire contra factum proprium”).

O direito do credor a promover a execução judicial (CC, art. 1.433, inciso IV), resulta da própria condição do título executivo extrajudicial, como vimos acima.

Quando, excutido o penhor, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante (CC, art. 1.430).

Sobre a venda amigável (CC, art. 1.433, inciso IV), o credor poderá fazê-la se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração (neste último caso, após a celebração do contrato de penhor). Não pode ser admitida a procuração em causa própria, para que o credor venda o bem a si mesmo, pois tal encontra óbice na proibição da cláusula comissória (CC, art. 1.428, caput) e, ademais, é imoral.

O credor pode apropriar-se dos frutos da coisa empenhada que se encontra em seu poder (CC, art. 1.433, inciso V). Tal pode dar-se, por ato do credor,

“para imputar o valor dos frutos nas despesas de guarda e conservação.”[46]

É que este direito do credor à percepção dos frutos da coisa empenhada deve ser exercido com observância dos deveres trazidos pelo art. 1.435 do Código Civil, notadamente nos incisos III e IV, de que o credor pignoratício deve: imputar o valor dos frutos, de que se apropriar (art. 1.433, inciso V) nas despesas de guarda e conservação, nos juros e no capital da obrigação garantida, sucessivamente (CC, art. 1.435, inciso III); restituir a coisa empenhada, com os respectivos frutos e acessões, uma vez paga a dívida (CC, art. 1.435, inciso IV).

Pode o credor promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial, sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, devendo o preço ser depositado.[47] 

Contudo, o dono da coisa empenhada pode impedir sua venda antecipada, substituindo-a, ou oferecendo outra garantia real idônea ou, ainda, demonstrando em juízo que não estão presentes os requisitos legais autorizadores da antecipação de venda, como, por exemplo, e principalmente, porque, efetivamente, no caso concreto, não há receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore.

Por situações que tais, o devedor pignoratício e, quando for o caso, também o terceiro proprietário do bem, deve ser intimado da intenção de alienação, para, querendo, impugnar o pedido, perante o juízo onde corre o pedido de autorização da venda antecipada formulado pelo credor. Até porque o § 2º do art. 1.113 do CPC/73 dispõe que:

“Quando uma das partes requerer a alienação judicial, o juiz ouvirá sempre a outra antes de decidir.”[48]

E ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV).

No novo CPC/2015, dá-se de igual forma, por força do inciso I do art. 889 e art. 730.

Ainda, é direito do credor exigir o reforço da garantia, caso a coisa empenhada venha a deteriorar-se, perder valor, ou seja destruída parcialmente sem culpa do credor. Note-se que, nestas hipóteses, se o devedor, devidamente intimado, não reforçar ou substituir a garantia, a dívida considera-se vencida ope legis (CC, art. 1.425, I).[49] No mesmo sentido, o credor pode exigir seja dada nova garantia, se perecer o bem dado em penhor. Não ocorrendo a substituição da garantia por falta do devedor no prazo que lhe for assinalado, também aí a dívida será considerada vencida (CC, art. 1.425, IV). Ressalte-se que estes são direitos do credor em face do devedor da obrigação principal. Assim, a não ser em havendo cláusula expressa em sentido contrário, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize (CC, art. 1.427).

Outro direito do credor pignoratício é o de que, nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência, até seu completo reembolso (CC, art. 1.425, § 1º). O mesmo se dá quando houver ressarcimento do dano por outrem, causador do dano à coisa apenhada.

Os deveres impostos ao credor pignoratício, previstos no art. 1.435 do Código Civil, além daqueles que resultem validamente da vontade das partes, ou que já tenham acima sido comentados, são, em síntese: 1) à custódia da coisa, como depositário, devendo conservá-la (CC, art. 1.435, inciso I); 2) ressarcir ao dono a perda ou deterioração da coisa empenhada, de que for culpado, podendo ser compensada na dívida, até a concorrente quantia, a importância da responsabilidade (CC, art. 1.435, inciso I); 3) à defesa da posse da coisa empenhada e a dar ciência, ao dono dela, das circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória (CC, art. 1.435, inciso II); 4) a entregar o que sobeje do preço, quando a dívida for paga por execução judicial ou venda amigável do bem empenhado, conforme IV do art. 1.433 (CC, art. 1.435, inciso V).

O dever primordial do credor pignoratício, sem dúvida, é devolver o bem empenhado para o seu proprietário, quando extinta a dívida (o inciso IV do art. 1.435 do Código Civil, acima já comentado, ao referir-se à dívida paga, quis significar também, de modo mais amplo, a dívida extinta). Se o devedor não for encontrado ou recusar a devolução da coisa, ou ocorrer ainda qualquer das hipóteses do art. 335 do Código Civil, o credor deve consigná-la em juízo para liberar-se de suas obrigações. Por outro lado, se o credor não devolve a coisa ao devedor pignoratício ou terceiro garantidor quando seja obrigado a fazê-lo, poderá sofrer a ação de depósito.

Questão interessante é saber se o credor pignoratício, tendo a posse da coisa, poderia dela fazer uso. A considerar-se o inciso I do art. 1.435 do Código Civil, poder-se-ia imaginar que é dever do credor pignoratício não usar a coisa apenhada, pois não seria mais que seu depositário, ou, ao menos, assemelhar-se-ia à figura do depositário.

Parece-nos, todavia, que tal depende tanto do convencionado entre as partes, como da natureza do objeto dado em penhor. Por exemplo, a menos que convencionado pelas partes, não há sentido em que uma joia dada em penhor seja usada pelo credor para finalidade supérflua de seu próprio embelezamento para uma festa. Entretanto, se a coisa empenhada é um animal, uma vaca leiteira, por exemplo, é melhor que as partes convencionem o uso da vaca para produção de leite e abatimento do valor da dívida daquilo que for apurado com a venda desse leite (frutos), ressalvado o direito do credor de reter valores de despesas com a conservação da coisa, por exemplo, custos com veterinários e remédios, alimentação da vaca, tributos incidentes sobre a venda do leite, custos de transporte do leite para venda, e assim por diante. Respeitada a ordem estabelecida no CC/2002, art. 1.435, inciso III.

A questão não é nova. O Código Civil Português de 1867 inteligentemente previa, em seu artigo 862:

“O devedor póde exigir, que o credor preste fiança ao penhor, ou que seja a cousa depositada em poder de outrem, se o mesmo credor usar da cousa empenhada, de fórma que esta possa perder-se ou deteriorar-se.”[50]

E, à época, a doutrina mais abalizada entendia que seria dispensável até mesmo a convenção das partes para permitir-se o uso da coisa apenhada:

“O depositário não póde usar do depósito sem permissão expressa do depositante, sob pena de perdas e damnos, artigo 1437º, aindaque o faça sem prejuízo da cousa, porque o depósito suppõe-se sempre em poder do depositante. O depositario, para assim dizer, presta apenas o logar para recolher o objecto, sem direitos alguns sobre elle, alem do direito de o conservar.

O credor pignoraticio porém, segundo se mostra d’este artigo, póde usar do objecto empenhado, com a condição de o não deteriorar. Este uso, mesmo sem prejuizo da cousa, só poderá ter logar sendo convencionado? O codigo é omisso a este respeito, e por isso cremos que a convenção, coomquanto seja necessaria para o credor não usar delle, não é necessaria para usar, aliás teria o codigo dito expressamente a respeito do uso do penhor o que âcerca do uso do deposito dispoz no artigo 1.437.º”[51]

A redação do inciso II do art. 435 do Código Civil significa que o credor tem o dever, sob pena de responsabilidade, de comunicar ao proprietário da coisa empenhada, as circunstâncias que tornarem necessário o exercício de ação possessória. Entretanto, tal não significa que o credor não tenha legitimidade para propositura de ação possessória contra outrem, ainda mais que tem melhor posse que o próprio proprietário da coisa, já que a posse do credor pignoratício é, na hipótese, posse direta e, ademais, a posse do bem lhe serve para garantia de um crédito seu, inclusive assistindo-lhe o direito de sequela. Assim, a legitimidade do credor pignoratício para propositura da ação possessória em relação ao bem empenhado é evidente, ainda mais que o inciso II do art. 1.435 do Código Civil lhe obriga à defesa da posse da coisa empenhada. Não ajuizando a cabível ação possessória nem comunicando ao proprietário da coisa empenhada o risco que esta corre, o credor poderá vir a ser obrigado a indenizar-lhe por perdas e danos, referentes à coisa ou a seus frutos. 

A respeito das sobras (CC, art. 1.435, inciso V),

“…praceado o bem ou vendido este amigavelmente, o direito do credor vai até a concorrência do seu crédito pelo principal, juros, reembolso de despesas justificadas e indenização de perdas e danos. O que sobrar, deverá ser entregue ao proprietário da coisa onerada.”[52]

Veja-se que, no penhor de direito ou título de crédito (e estando na posse do título), deverá o credor pignoratício cobrar o crédito empenhado, assim que se torne exigível. Se este consistir numa prestação pecuniária, depositará a importância recebida, de acordo com o devedor pignoratício, ou onde o juiz determinar; se consistir na entrega da coisa, nesta se sub-rogará o penhor (CC, art. 1.455). Cabe-lhe também praticar os atos necessários à conservação e defesa do direito empenhado e cobrar os juros e mais prestações acessórias compreendidas na garantia (CC, art. 1.454).

Em havendo a tradição, por faltar ao credor o animus domini, a posse da coisa apenhada não lhe gera a aquisição da propriedade sobre a mesma por usucapião.

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Sobre o autor
Thiago Cássio D'Ávila Araújo

Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (PGF/AGU) em Brasília/DF. Foi o Subprocurador Regional Federal da Primeira Região (PRF1). Ex-Diretor Substituto e Ex-Diretor Interino do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (DEPCONT/PGF), com atuação no STF e Tribunais Superiores; Ex-Coordenador do Núcleo de Assuntos Estratégicos do Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (NAEst/DEPCONT/PGF); Ex-Coordenador-Geral de Matéria Finalística (Direito Ambiental) e Ex-Consultor Jurídico Substituto da Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (CONJUR/MMA); Ex-Consultor Jurídico Adjunto da Matéria Administrativa do Ministério da Educação (MEC); Ex-Assessor do Gabinete da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça. Desempenhou atividades de Procurador Federal junto ao Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), dentre outras funções públicas. Foi também Conselheiro Titular do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN/2001) e Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/2010). Em 2007, aos 29 anos, proferiu uma Aula Magna no Supremo Tribunal Federal (STF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Thiago Cássio D'Ávila. Do penhor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4653, 28 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47617. Acesso em: 4 mai. 2024.

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