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O Ministro Teori Zavascki está certo?

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Analisa a correção da decisão do Ministro Teori Zavaski proferida na Reclamação MC nº. 23.457/PR, e a licitude da decisão do Juiz Federal titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Paraná que quebrou o sigilo da interceptação telefônica

Nesta semana, muitos brasileiros ficaram perplexos com a decisão do Ministro Teori Zavascki do Supremo Tribunal Federal que determinou a remessa dos autos do processo criminal que investiga o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em tramite na 13ª Vara Federal de Curitiba, Paraná, ao Pretório Excelso (STF). Alguns, dentre os mais esclarecidos, chegaram a divulgar nas redes sociais que o julgador estaria a serviço do governo, como capacho, e que não mereceria usar a toga que ocupa na Suprema Corte.

Ledo engano.

Analisando critica e atentamente a decisão monocrática de Teori Zavascki,  proferida na Reclamação MC nº. 23.457/PR[1], em 22/03/16, chega-se a conclusão  de que o Ministro não está apenas correto, mas coberto de razão.

Ora, a Constituição assegura que ninguém será processado nem condenado senão pela autoridade competente. Mais adiante, pontifica que não haverá tribunal de excessão. Estabelece, portanto, o princípio do juiz natural, que garante aos investigados e aos processados no Brasil que a investigação e o processo só serão promovidos perante o Juízo constitucionalmente competente e devidamente estabelecido antes do fato, visando em última análise evitar a possibilidade de escolha do julgador que irá analisar e decidir o caso criminal. Impede consequentemente o favorecimento indevido dos amigos do “rei” e as indevidas perseguições aos inimigos dos detentores temporários do poder.

Nesse contexto, o art. 5º, estabelece outras garantias processuais mínimas, dentre as quais, o devido processo legal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; a proibição de provas ilícitas: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”; o direito de ser ouvido e influenciar na decisão judicial: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; a presunção de não culpa: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; o sigilo das comunicações: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

No processo criminal para a validade das decisões e demais atos procedimentais deve-se necessariamente observar esses preceitos constitucionais, que decorrem de outros assemelhados e até mais protetivos insculpidos em tratados e conveções internacionais de que o Brasil é signatário, como o Pacto de San José da Costa Rica[2]. Essas normas, leia-se princípios e regras, dirigem-se aos brasileiros e não brasileiros que aqui se encontrem e que eventualmente sejam investigados ou processados pela suposta prática de crime.

Urge esclarecer que, ao contrário do que tem propalado diuturnamente a mídia, NÃO É TAREFA DO JUIZ INVESTIGAR CRIMES!

Jaz no passado longínquo, na idade média, a figura do juiz inquisidor, aquele que investigava, acusava, defendia e julgava. No Estado Democrático de direito, para evitar arbitrariedades e favorecer o controle dos atos estatais, as funçõres de investigar, acusar, defender e julgar foram diluídas em quatro personagens processuais. A polícia federal[3] e civil[4] investigam. O Ministério Público é o Dominus Litis[5], cabendo-lhe a investigação e a função acusatória. O Advogado[6] e o Defensor Público[7] têm o munus público postulatório, sendo incumbidos da defesa criminal. Ao Juiz e aos Tribunais cabe a árdua e sacrossanta tarefa de julgar. Daí o motivo e a importância do julgador ser imparcial, garantindo a observância da lei, do devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e os recursos e ela inerentes.

Nessa ótica, o Juiz deve ouvir a acusação como tese e a defesa como antítese, para chegar a sintese ou conclusão: absolvição ou condenação. Se o Juiz afastar-se desse caminho estará se imiscuindo na função de outro personagem processual, que o faz escorregar no precipício do arbítrio em ofensa evidente aos princípios da impessoalidade, da igualdade e do devido processo legal.

Estabelecido que nenhum juiz pode se arvorar na função investigativa e acusatória, restam duas perguntas: a) Por que Sérgio Moro, Juiz Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, Paraná, é tratado como heroi midiático quando avilta sua missão constitucional de julgar, imiscuindo na função persecutória???? B) Por que esse Juiz Federal busca apoio popular nas redes sociais para continuar com a “investigação”, quando sabe que suas garantias decorrem da constituição e das leis, e que não é sua a função de investigar??? As perguntas jazem sem respostas, vez que tão propalada é a errônea ideia de que a mídia seria o quarto poder da república... A mídia cria seus herois midiáticos ao sabor de suas mais escusas intenções...     

Ao deferir a liminar, determinando a suspensão e a remessa ao STF do “Pedido de Quebra de Sigilo Telefônicos 5006205-98.2016.4.04.7000/PR” e demais procedimentos relacionados, incluídos o “processo 5006617- 29.2016.4.04.7000 e conexos”, e quaisquer outros aparelhados com o conteúdo da interceptação em tela, sustando os efeitos da decisão que autorizou a divulgação das conversações telefônicas interceptadas, o Ministro Teori Zavascki apenas fez cumprir a Constituição da República e as leis da pátria.

Ora, se de fato o Juiz Federal poderia determinar a quebra do sigilo telefônico do ex-presidente da república, ou de qualquer outro cidadão investigado por delito de alçada federal, sendo válida a gravação da voz da atual Presidente da República ou de qualquer outro detentor de foro por prerrogativa de funão como eventual descoberta fortuita, a determinação da divulgação do teor das conversas interceptadas é irrefutavelmente ilícia.

Tendo sido interceptada a voz e comunicação de agentes com foro especial por prerrogativa de função, como a Presidente da República, os Ministros de Estado, Deputados Federais e Senadores da República, dentre outros, resta cessada automaticamente a competência do Juízo Federal, que deveria de imediato encaminhar os autos da investigação ao Juízo competente, no caso, o Supremo Tribunal Federal. Assim determinam a Constituição e as leis processuais de regência.

Segundo preceitua a Constituição Federal, somente o Supremo Tribunal Federal tem competência para averiguar, processar e julgar tais autoridades, donde se conclui que o Juiz Federal não tem competência para decidir sobre a unidade ou separação dos processos, e muito menos lhe compete autorizar a quebra do sigilo de tais conversas interceptadas.

Sendo assim, jamais poderia o Juiz Federal autorizar a divulgação do teor das conversas eventualmente captadas. Se o fez foi com desvio de finalidade, abuso de autoridade e parcialidade manifesta, o que, por si só, permite, senão determina, seu afastamento do julgamento do processo em questão.

Como sabido, segundo a lei de regência, a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto na Lei 9.296/96, e dependerá de ordem do “juiz competente” da ação principal, SOB SEGREDO DE JUSTIÇA.

Nessa linha, sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão constitucionalmente competente[8] para investigar e processar o Presidente da República por crime comum, não há dúvida que o Juiz Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, Paraná, exorbitou sua competência usurpando a da Suprema Corte. Desta forma, cabível a Reclamação constitucional para preservar a competência absoluta do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, L, da CRFB e do art. 13 e seguintes da Lei 8.038/90.

Por seu turno, a lei de interceptação telefônica, cumprindo mandato constitucional, estabelece sigilo das interceptações e reza em seu art. 9°, que a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, leia-se, da autoridade constitucionalmente competente. Deste modo, todas as gravações que não se refiram à prova do fato em apuração deveriam ter sido descartadas, e jamais liberadas para a mídia em evidente afronta à lei federal e em especial à competência absoluta do Supremo Tribunal Federal.

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Nessa ótica, visando evitar o arbítrio a Lei de Interceptação Telefônica tipifica o crime de violação do sigilo das comunicações, ao estabelecer no seu art. 10, que, “Constitui CRIME realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial (competente) ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa. (destaquei)

Ademais, ainda que não se encaixe com adequação ao referido tipo penal, a conduta do Juiz Federal da 13ª Vara Federal poderá caracterizar a figura típica do art. 325, do Código Penal, “Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. Ou ainda em seu §2º, “Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.”

Tanto é verdade, que o Ex-Delegado de Polícia Federal Protógenes Queiroz foi condenado pelo Supremo Tribunal Fedral por ter praticado a mesma conduta, como se pode observar do Acórdão proferido na Ação Penal nº. 563, cujo Relator foi o mesmo Ministro Teori Zavascki, senão vejamos:

“AÇÃO PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL) E CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA (FRAUDE PROCESSUAL). ACUSADO, CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, QUE ASSUME MANDATO DE DEPUTADO FEDERAL. RECURSO DE APELAÇÃO PENDENTE DE JULGAMENTO PELO RESPECTIVO TRIBUNAL. PRERROGATIVA DE FORO QUE IMPÕE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA PARA O SUPREMO TRIBUNAL. PRELIMINARES AFASTADAS. MANUTENÇÃO PARCIAL DA CONDENAÇÃO. NOTIFICAÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS PARA FINS DO ART. 55, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. (...) 2. Manifestando-se a prerrogativa de foro após a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau e pendente de julgamento a apelação, passa a causa à jurisdição do STF, para aqui ter seu prosseguimento a partir do estado em que se encontra, legítimos os atos anteriormente nela praticados. 3. Nesses casos, o julgamento da apelação pelo Supremo Tribunal Federal deve observar, inclusive quanto às sustentações orais (ordem de apresentação e tempo de duração), o regime próprio dos recursos (e não o das ações penais originárias). (...) 6. Condenação à reprimenda do art. 325, caput, do Código Penal, com declaração de extinção da punibilidade pela prescrição, nos termos dos arts. 109, VI, e 110, ambos do Código Penal; e à do art. 325, § 2º, do Código Penal, substituída por duas restritivas de direito, mantida a perda do cargo público. (...)”[9]

Assim, seja sob a ótica constitucional, seja sob a processual e ou a penal, escorreita e isenta de qualquer vício ou mácula a decisão monocrática do  Ministro Teori Zavascki.

Com isso, o Ministro não está afirmando a inocência ou a culpa de quem quer que seja, não adentrou ao mérito do crime, apenas restabeleceu a ordem e a competência constitucionalmente estabelecida para o Supremo Tribunal Federal, que doravante deverá decidir acerca da unidade ou desmembramento do processo, eventual decretação de medidas cautelares, como a prisão preventiva e ademais, sobre a quebra do sigilo da interceptação.

Se é verdade que “pau que bate em Chico também deve bater em Francisco”, no futuro veremos condenados os corruptos, (todos eles, espero) e aqueles que exorbitaram suas funções usurpando competência alheia, fazendo desnecessários e imotivados apelos midiáticos partidários, nos rigores da lei penal. Afinal, para isso o sistema de freios e contra-pesos, em que nenhuma autoridade da república pode se arvorar a fazer o que bem quiser, atuando contrariamente à lei e à Constituição Federal, sem fiscalização de outro poder ou autoridade. Que se espanque o Fransisco, se merecedor diante da lei... é claro!!!   


Notas

[1] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Rcl23457.pdf

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm

[3] Art. 144, §1º, I, CRFB.

[4] Art. 144, §4º, CRFB.

[5] Art. 129, I, CRFB.

[6] Art. 133, CRFB.

[7] Art. 134, CRFB.

[8] Art. 102, I, b, CRFB.

[9] http://s.conjur.com.br/dl/ap-563-protogenes-acordao.pdf

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Sobre o autor
Rovilson Marques de Carvalho Júnior

Graduado em Administração de Empresas pela FAI - Faculdade de Administração e Informática de Santa Rita do Sapucaí (1996) e em Direito pela FDSM - Faculdade de Direito do Sul de Minas (2001). É pósgraduado em Direito Público pela PUC/MG - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e na mesma área pela ANAMAGES - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Pósgraduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito - EPD, aprovado com nota máxima em todas as matérias. Cursa Pósgraduação lato sensu em Direito Penal e Processo Penal na PUC/SP. É Advogado Criminalista com especialidade no Tribunal do Júri. Atua na área Civil e Administrativa - Escritório de Advocacia Rovilson Carvalho.Foi membro do grupo de pesquisa em Direito Penal "Razão Crítica e Justiça Penal" da FDSM, coordenado pelo Prof. Pós-Doutor Edson Vieira da Silva Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO JÚNIOR, Rovilson Marques. O Ministro Teori Zavascki está certo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4654, 29 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47649. Acesso em: 22 dez. 2024.

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