Com a recente vigência do novo Código de Processo Civil, o Conselho Nacional de Justiça e as Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados ainda não regulamentaram, com a devida profundidade, os procedimentos relativos à usucapião extrajudicial.
A esta altura, somente se tem notícia de regulamentos expedidos pelas Corregedorias-Gerais de São Paulo (Provimento CG 58/2015) e do Rio Grande do Norte (Provimento 145/2016), que praticamente se limitam a repetir os termos do novo art. 216-A da Lei de Registros Públicos, mantendo pendentes inúmeros questionamentos que serão expostos a seguir. Anotem-se ainda as iniciativas da Corregedoria-Geral do Acre, que expediu a Recomendação 03/2016, contendo minuta de ata notarial de usucapião, e da Corregedoria-Geral de Santa Catarina, que editou a Circular 26/2016, contendo uma minuta de alteração do Código de Normas catarinense, submetida a críticas e sugestões dos notários e registradores daquele Estado.
De outra parte, é de registrar que o legislador foi extremamente conciso, instituindo, mediante a inclusão de um único artigo na Lei de Registros Públicos, um procedimento complexo, que dá margem a inúmeras interpretações, o que reclama a ação dos entes fiscalizadores (CNJ e Corregedorias) no sentido de fixar orientações às serventias extrajudiciais de notas e de registro de imóveis a respeito de suas novas atribuições, sob pena da novidade legislativa tornar-se letra morta.
O cenário faz recordar aquele que se viu há alguns anos atrás, quando da introdução, por meio da Lei nº 11.441/2007, de modificações no CPC de 1973 que instituíram as escrituras públicas de inventário, divórcio e separação. Tal como ocorre agora, o legislador foi conciso em tema extremamente amplo.
Naquele ensejo, e de forma exemplar, o CNJ teve papel marcante na aplicação prática dos novéis institutos, com a edição da Resolução nº 35/2007, que regulamentou as disposições da Lei nº 11.441/2007. Pode-se dizer que a Resolução CNJ nº 35 foi uma norma audaciosa, não no sentido de crítica, mas por ter verdadeiramente testado os limites da regulamentação administrativa para fiel cumprimento da lei. O CNJ, naquela oportunidade, fez bem mais do que expedir um burocrático regulamento, incluindo no texto diversos temas que não defluiam diretamente do texto da Lei nº 11.441/2007, e aos quais só se chega com certo esforço interpretativo e argumentativo. Dentre eles, pode-se destacar o inventário negativo, a adjudicação para herdeiro único, o levantamento de valores em instituições financeiras etc.
A Resolução CNJ nº 35/2007 é, sem dúvida, um exemplo de louvável eficiência no exercício do poder regulamentar, extraindo de um pequeno texto legal desdobramentos imperceptíveis à primeira vista. Um caso de sucesso a ser seguido neste momento.
Feita esta introdução, o propósito do presente trabalho é oferecer, como contribuição, uma minuta de provimento para a disciplina dessa nova matéria, seja pelo CNJ, seja pelas Corregedorias-Gerais.
A título de justificação, passo a enumerar os pontos capazes de suscitar dúvidas e debates, bem como o raciocínio empregado em sua solução. Procurei optar pelas soluções que ofereçam maior segurança e que melhor atendam ao bom senso, sempre buscando maximizar a efetividade do novo instituto. Ao final, será apresentada a minuta do provimento propriamente dito, cujo texto desde já coloco à disposição dos entes reguladores.
1. Da ata notarial de usucapião
As atas notariais, ordinariamente, servem para registrar aquilo que o tabelião percebe com seus sentidos. Ocorre que não há como aplicar essa definição tradicional à ata de usucapião, a não ser na hipótese extrema de que o tabelião seja vizinho do possuidor e tenha presenciado o fato possessório ao longo dos anos.
Assim, pode-se concluir que a ata notarial de usucapião é sui generis. Ela envolve, conforme o caso, o exame de documentos, a coleta de declarações do requerente e de terceiros, a diligência ao local, e, sublinhe-se, a pré-qualificação do futuro pedido a ser feito ao registrador. Se fosse apenas para analisar o material fático, o próprio registrador poderia fazê-lo. A participação do tabelião é essencial, eis que sem a ata não será possível ingressar com o pedido de usucapião extrajudicial. O legislador, por meio da obrigatoriedade da ata notarial de usucapião, quis dotar o procedimento de um mecanismo de dupla segurança: só é possível a usucapião extrajudicial se dois delegatários a considerarem admissível. Se o tabelião não lavrar a ata, o requerente jamais poderá formular o pedido de usucapião ao registrador de imóveis.
Não importa, portanto, o nome que o legislador deu. A ata de usucapião é um instrumento notarial com características e finalidades únicas.
Para alcançar o seu propósito de atestar o tempo de posse conforme o caso e as circunstâncias, a ata deve conter declarações do requerente e, dependendo do caso, de terceiros. Mas não pode, a meu ver, ser baseada exclusivamente em declarações. Elas devem compor um enredo probatório que envolva também o exame de documentos que comprovem a posse e permitam concluir a respeito da presença dos elementos objetivos e subjetivos da usucapião. Por exemplo: o requerente pode apresentar contas de serviços públicos em seu nome, notas fiscais e correspondências indicando o endereço do imóvel, recibos de imposto predial pagos ao longo dos anos, enfim, uma infinidade de documentos que permitirão ao tabelião um juízo de delibação da posse. Pode também apresentar algum contrato particular de compra e venda impróprio ao registro, recibos, notas promissórias quitadas etc., que permitam elucidar a respeito da boa-fé, quando a espécie de usucapião assim o exigir. Todo esse contexto probatório e declaratório é que permitirá ao tabelião formar o seu convencimento e atestar o tempo de posse.
O convencimento do tabelião pode ser de modo direto, como ocorreria no caso de o tabelião conhecer pessoalmente do fato possessório por tê-lo acompanhado ao longo dos anos, ou indireto, quando o fato possessório se revela por meio do exame de documentos e declarações. A realidade fática é extremamente variada, e só as especificidades do caso concreto serão capazes de elucidar quais os meios de prova adequados para atestar o tempo de posse. A diligência ao local pode ser muito útil, dependendo do caso, mas não me parece imprescindível.
Com essa análise, se resolve o primeiro ponto para a regulamentação, o de definir se somente é competente o tabelião da situação do imóvel ou se vige a regra geral da liberdade de escolha do tabelião. Caso o tabelião entenda imprescindível a diligência ao local, essa circunstância determinará que a ata só possa ser lavrada pelo tabelião da situação do imóvel, ante a proibição legal de prática de atos fora do município. Caso a verificação do fato possessório possa ser feito de modo indireto, sem a visita ao local, vale a regra da livre escolha, e a ata poderá ser lavrada por tabelião de outra circunscrição.
Nada impede, ainda, que a apreciação dos fatos seja feita por mais de uma ata notarial, inclusive da lavra de tabeliães distintos, desde que ao menos uma delas conclua por atestar o tempo de posse e suas circunstâncias.
Quanto ao conteúdo da ata notarial, ela deve incluir as declarações do requerente a respeito dos elementos da usucapião, da inexistência de fatos que excluam o animus domini, a menção a eventual accessio ou successio possessionis, um resumo da documentação examinada, uma descrição da diligência ao local, se for feita, e a declaração pelo tabelião dos motivos que o levam a atestar a posse.
Parece ter passado despercebido ao legislador o fato de que, muitas vezes, a descrição do imóvel usucapiendo não coincide com a de imóvel registrado. Isso pode acontecer quando a área usucapida atinge parte de um imóvel registrado ou quando atinge mais de um imóvel registrado, no todo ou em parte. Ou, ainda, quando o imóvel não tiver registro anterior, quando o registro anterior não contiver descrição satisfatória (como é comum nas transcrições) ou quando a descrição constante do registro estiver incorreta. Nesses casos, é imprescindível que a ata seja instruída com planta de sobreposição, nos dois primeiros casos, ou planta de situação, nos três últimos. A função da planta, nesses casos, será a de possibilitar a identificação do objeto da ata.
Por óbvio, é desnecessário ao tabelião instruir a ata com planta quando a descrição do imóvel usucapido coincidir com a de imóvel registrado, sendo suficiente, nesse caso, menção ao registro.
2. Da admissibilidade do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião
Muitos têm afirmado que o pedido de usucapião extrajudicial simplesmente importaria em transferir para o registrador a pretensão que seria formulada ao juiz, mantendo-se todas as demais características da ação judicial de usucapião. Segundo essa ótica, o pedido extrajudicial teria natureza de ação, passando o registrador à condição de juiz para esse tipo de pretensão, e sua decisão equivaleria a uma sentença.
Nada mais incorreto.
Os conceitos de juiz, ação e sentença têm sede constitucional. A desjudicialização importa precisamente em viabilizar solução fora da estrutura judiciária, e não em criar “juízes” para casos especiais.
O registrador não pratica atos judiciários. Não é um “juiz de zero instância”, como por vezes tem sido dito. Não é guarnecido das garantias próprias da magistratura, nem de seus deveres específicos. Sua decisão tem natureza de ato administrativo, sendo desprovida das características constitucionalmente asseguradas à coisa julgada.
O método de decisão utilizado pelo juiz envolve, com o emprego da persuasão racional, a análise de constitucionalidade das normas jurídicas aplicáveis, o sopesamento de normas e interpretações potencialmente conflitantes e, a partir daí, a eventual superação de normas que, em sua literalidade, impediriam o acolhimento do pedido.
Já ao agente administrativo, como o é o registrador, não é dado, ao menos em tese, declarar inconstitucionalidade, nem tampouco contrariar a literalidade de norma jurídica.
Portanto, registrador não é juiz, pedido extrajudicial não é ação e ato administrativo decisório não é sentença.
Por outro lado, em uma perspectiva historicista, é necessário indagar qual a razão de ser do fenômeno da desjudicialização, eis que o aparato estatal estaria, em princípio, preparado para atender a tais demandas. A questão, no que toca à desjudicialização notarial-registral, tem resposta bastante simples: embora o Judiciário seja apto a resolver todas as causas que lhe são dirigidas, seus recursos humanos e materiais são insuficientes para proporcionar uma solução breve a todas as requisições que lhe são endereçadas pela sociedade, o que determina a necessidade de reduzir-lhe a carga de trabalho com o emprego de métodos alternativos de solução das demandas.
Tem-se, assim, duas premissas a servir de norte para a interpretação: primeira, a de que a atividade do registrador tem cunho administrativo, e, segunda, a de que a razão de ser dessa atividade é reduzir a massa de trabalho do Judiciário.
Como corolário dessa aproximação, flui que devem ser afastadas do âmbito da usucapião extrajudicial as situações em que há grande potencial de controvérsia ou litigiosidade, bem como aquelas de tal forma raras que não trariam alívio algum à sobrecarga do Judiciário.
Além desses limites, há também de se considerar aqueles que atingiriam o próprio Judiciário (como a inusucapibilidade de bens públicos) e aqueles fixados implícita ou explicitamente no próprio texto do art. 216-A da LRP.
É assim que não me parece admissível o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião nas seguintes situações, dentre outras:
1) quando tiver por objeto direitos reais distintos da propriedade, seja pela literalidade do art. 216-A, § 6º da LRP (“... registrará a aquisição do imóvel...”), seja pela raridade desse tipo de demanda;
2) no caso do art. 1.240-A do Código Civil, tanto pelo alto potencial de litigiosidade como pela inexistência de previsão de segredo para a tramitação do procedimento administrativo;
3) no caso do art. 1.242, parágrafo único do Código Civil, em que a declaração extrajudicial se confrontaria, ao menos em princípio, com a decisão judicial que decretou a nulidade do registro anterior;
4) quando tiver por objeto área de dimensões inferiores ao mínimo legal rural ou urbano, caso em que a declaração extrajudicial contrariaria a literalidade das normas agrárias ou urbanísticas que fixam tais parâmetros.
É evidente que nessas situações o interessado poderá se valer, se assim desejar, da ação judicial.
3. Do imóvel sem registro anterior
Merece ser discutida com destaque a questão do pedido de usucapião sobre imóvel sem registro anterior.
Após algumas divergências no passado, está hoje assentada a tese de que não se pode presumir a propriedade pública de imóvel sem registro. Dessa forma, nada impede que o pedido verse sobre área sem registro anterior.
Todavia, a cautela impõe que, nesse, caso, seja obtida a concordância expressa do órgão competente do Estado, ou da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, se o imóvel se situar na faixa de fronteira.
Igualmente, caso o imóvel se situe em área costeira cuja Linha Limite de Marinha – LLM, ainda não tenha sido demarcada, é conveniente que seja obtida a concordância expressa da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, face o risco de ineficácia do registro (Súmula 496 do STJ).
4. Do imóvel cuja descrição no registro anterior se acha incorreta
Uma das inspirações do legislador para delimitar o procedimento da usucapião administrativa, decerto, foi a retificação administrativa do art. 213, inciso II, da LRP.
A semelhança dos procedimentos é grande, o que possibilita que o pedido de usucapião seja cumulado com o pedido de retificação.
Em reforço, recente modificação da LRP pela Medida Provisória 700/2015 introduziu o art. 176-A, cujo § 3º diz explicitamente que em caso de aquisição originária “eventuais divergências entre a descrição do imóvel constante do registro e aquela apresentada pelo requerente não obstarão o registro”.
5. Do procedimento administrativo no registro de imóveis
Ainda que o texto do art. 216-A da LRP não descreva o procedimento de modo direto, é possível divisar em suas entrelinhas o procedimento a ser seguido no registro de imóveis, que se desdobra nas seguintes etapas:
1) autuação (art. 216-A, § 1º), que, à míngua de previsão legal específica, há de ser feita mediante a prenotação no Livro I;
2) formulação de eventuais exigências pelo registrador (art. 216-A, § 5º); embora omisso o texto legal, as exigências que surjam a partir do exame do requerimento e da documentação que o acompanha são aquelas necessárias a fixar o conteúdo e a regularidade do pedido, e, naturalmente, devem preceder as notificações e ciências;
3) rejeição preliminar do pedido (art. 216-A, § 8º), se não atendidas as exigências iniciais;
4) eventual suscitação de dúvida (art. 216-A, § 7º);
5) notificações, se necessárias (art. 216-A, § 2º), e ciências (art. 216-A, §§ 3º e 4º);
6) impugnações, se houver;
7) formulação de eventuais exigências pelo registrador (art. 216-A, § 5º); embora omisso o texto legal, podem surgir novas exigências a partir do exame das notificações, ciências ou impugnações, como, por exemplo, irregularidades na publicação do edital, saneamento de defeitos da documentação apontados em impugnação etc.;
8) em caso de impugnação expressa, e apenas nesse caso, remessa ao juízo (art. 216-A, § 10);
9) caso não tenha havido impugnação expressa, decisão do registrador pelo acolhimento do pedido (art. 216-A, § 6º), ou por sua rejeição (art. 216-A, § 8º);
10) eventual suscitação de dúvida (art. 216-A, § 7º).
Embora não prevista pelo texto legal, parece de todo salutar a realização de uma reunião de conciliação em caso de impugnação, solução aliás adotada tanto pelo provimento da CGJ/SP (item 418), como pelo da CGJ/RN (art. 17).
Chama a atenção o fato de não haver o texto legal cogitado da possibilidade de abandono do procedimento pelo interessado, o que levaria a manter eternamente em aberto a autuação no protocolo. Impõe-se, em sede regulamentar, definir um prazo para o arquivamento do pedido e baixa da prenotação em caso de inércia do interessado, podendo ser utilizado, por analogia, o prazo de 30 (trinta) dias do art. 205 da LRP.
6. Do prazo de impugnação
A análise do texto legal, no que toca ao prazo de impugnação, faz emergir duas dúvidas: como deve ser contado o prazo, e se o prazo será único para todos os notificados e cientificados.
Considerando, como já acentuei acima, que não se trata de ação judicial, mostram-se inaplicáveis as regras do CPC a respeito da contagem de prazos em dias úteis (CPC 2015, art. 219), ou do início comum do prazo de resposta em caso de litisconsórcio passivo (CPC 2015, art. 231, § 1º).
Desse modo, o prazo deve ser contado na forma da lei civil (Código Civil, art. 132), e será contado separadamente para cada um dos notificados e cientificados.
7. Do efeito do silêncio no prazo de impugnação
A redação final dada ao dispositivo legal pelo relator da matéria no Senado, Senador Vital do Rego, ainda que pesem discussões sobre sua constitucionalidade formal, não deixa dúvidas que o silêncio dos “titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes” deve ser interpretado como discordância (art. 216-A, § 2º).
O mesmo não se pode dizer quanto aos entes públicos cientificados. Em relação a esses, há de se presumir concordância caso se mantenham silentes durante o prazo de impugnação, exceção feita ao caso de imóvel sem registro anterior, conforme já mencionado no item 3 supra.
8. Da anuência prévia do proprietário
Esse, talvez, um dos pontos mais polêmicos, e também um dos que mais de perto interessam à efetividade prática do novo instituto.
Caso o requerente disponha de documentos assinados pelo proprietário tabular que, embora imprestáveis a servirem de título para registro direto, comprovem que houve a intenção de alienar o imóvel ao requerente e que o preço foi integralmente pago, seria necessária a notificação?
A resposta a essa indagação retorna à antiguidade romana, em que a usucapião, dita ordinária, surgiu precisamente para propiciar a regularização de atos de alienação que não haviam cumprido os complexos ritos de transmissão de propriedade.
Se, no Direito moderno, admite-se até mesmo a usucapião extraordinária, em que não há qualquer ato alienativo, com mais razão há de ser facilitada a usucapião ordinária, em que existe justo título, embora seu registro se veja impossibilitado por razões formais.
De outra parte, o Direito Civil pátrio, principalmente com o advento do Código de 2002, passou a adotar as cláusulas gerais da boa-fé objetiva, dentre elas a proibição do venire contra factum proprium.
Se o proprietário tabular ajustou, no passado, a alienação ao requerente, e se o preço se encontra integralmente pago, estando tais fatos comprovados documentalmente, como poderia, agora, opor-se à usucapião?
Parece inegável que, a despeito de o texto legal exigir a anuência expressa do proprietário tabular, nada impede que essa anuência expressa tenha sido expedida previamente, em ato de natureza contratual inservível a registro, mas que comprove inequivocamente a intenção de se desfazer da propriedade em favor do requerente da usucapião.
Com essas considerações, espero ter contribuído, mesmo que singelamente, para o enriquecimento do assunto, pondo à disposição dos entes fiscalizadores e das entidades representativas o texto que segue abaixo.
Curitiba, 30 de março de 2016
SUGESTÃO DE REDAÇÃO PARA PROVIMENTO DE CORREGEDORIA-GERAL DE ESTADO, OU RESOLUÇÃO DO CNJ DISCIPLINANDO A USUCAPIÃO ADMINISTRATIVA
Art. 1º – A ata notarial destinada a instruir pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião deverá conter, dentre outros elementos que o tabelião entenda pertinentes:
I – referência à espécie de usucapião pretendida (ordinária, extraordinária ou especial), com indicação da base legal que o requerente entenda aplicável;
II – identificação do imóvel usucapiendo, com indicação:
a) se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área;
b) se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver, ou menção ao número da matrícula no Registro de Imóveis, se coincidente.
III – referência ao imóvel ou aos imóveis atingidos, no todo ou em parte, com indicação dos registros anteriores, se houver, ou comprovação de sua inexistência pelos meios possíveis;
III – declaração do requerente a respeito:
a) da data de início da posse, exata ou aproximada;
b) das características e circunstâncias com que a posse foi adquirida (de boa-fé ou má-fé, justa ou injusta), com os esclarecimentos pertinentes;
c) da existência ou não de fatos interruptivos, suspensivos ou impeditivos do curso do prazo da usucapião, com indicação das circunstâncias e data, caso tenham ocorrido;
d) da existência ou não de contrato escrito ou verbal de locação, de comodato, de parceria ou outra situação contratual de onde possa ter se originado a posse;
e) da existência ou não de compossuidores;
f) de eventual acréscimo da posse atual à de antecessor;
g) da existência de edificações, época em que foram realizadas, área construída e sua regularidade ou não perante os órgãos competentes;
h) da existência ou não de título, com o esclarecimento das razões que impossibilitam seu registro.
§ 1º - Caso a área usucapienda atinja parte de imóvel ou a mais de um imóvel, a ata deverá ser instruída com planta de sobreposição indicando a situação existente no registro e a situação de fato, sem prejuízo da oportuna apresentação ao Registro de Imóveis da planta a que se refere o art. 216-A, II, da LRP.
§ 2º - Quando a área usucapienda não tiver registro anterior, quando o registro anterior não contiver descrição satisfatória, ou quando a descrição constante do registro estiver incorreta, a ata deverá ser instruída com planta de situação.
§ 3º - O tabelião poderá, caso entenda necessário, realizar diligência ao imóvel que se situe em sua circunscrição territorial, do que fará menção na ata, indicando a existência de construções e de cercas ou muros divisórios, bem como identificando vizinhos e colhendo suas declarações, podendo instruir a ata com fotografias.
§ 4º - Não se admite a lavratura de ata notarial de usucapião baseada exclusivamente em declarações.
Art. 2º – O pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, subscrito por advogado, será autuado mediante protocolização no Livro 1, devendo o requerimento conter os seguintes elementos:
I – identificação e qualificação do possuidor ou possuidores;
II – referência à espécie de usucapião pretendida (ordinária, extraordinária ou especial), com indicação da base legal que o requerente entende aplicável;
III – identificação do imóvel usucapiendo, com indicação:
a) se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área;
b) se urbano, de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e de sua designação cadastral, se houver.
III – referência ao imóvel ou aos imóveis atingidos, no todo ou em parte, com indicação dos registros anteriores, se houver, ou comprovação de sua inexistência pelos meios possíveis;
IV – esclarecimentos a respeito:
a) da data de início da posse, exata ou aproximada;
b) das características e circunstâncias com que a posse foi adquirida (de boa-fé ou má-fé, justa ou injusta), com os esclarecimentos pertinentes;
c) da existência ou não de fatos interruptivos, suspensivos ou impeditivos do curso do prazo da usucapião, com indicação das circunstâncias e data, caso tenham ocorrido;
d) da existência ou não de contrato escrito ou verbal de locação, de comodato, de parceria ou outra situação contratual de onde possa ter se originado a posse;
e) da existência ou não de compossuidores;
f) de eventual acréscimo da posse atual à de antecessor;
g) da existência de edificações, época em que foram realizadas, área construída e sua regularidade ou não perante a municipalidade;
h) da existência ou não de título, indicando as razões que impossibilitam seu registro.
Art. 3º – O pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião deverá ser instruído com os seguintes documentos, além da procuração outorgada ao advogado:
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel;
§ 1º - Caso a área usucapienda atinja parte de imóvel ou a mais de um imóvel, a ata deverá ser instruída com planta de sobreposição indicando a situação existente no registro e a situação de fato, sem prejuízo da planta mencionada no item II supra.
§ 2º - Caso o registro anterior tenha sido efetuado em outra circunscrição, deverá apresentada certidão atualizada daquele registro.
§ 3º - Deverão ainda ser apresentados documentos e declarações que comprovem o preenchimento dos requisitos específicos nos casos de usucapião especial.
· Ver LRP, art. 229.
Art. 4º – Não será admitido pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião:
I – de bem público de qualquer espécie e natureza;
II – de direitos reais distintos da propriedade;
III – de imóvel atingido por declaração de indisponibilidade determinada por autoridade judicial ou administrativa, quando não houver expressa manifestação dessa autoridade;
IV – de imóvel atingido por limitação ambiental registrada ou averbada na matrícula, quando não houver expressa manifestação da autoridade ambiental competente;
V – na hipótese do art. 1.240-A do Código Civil;
VI – na hipótese do art. 1.242, parágrafo único, do Código Civil;
VII – de unidade autônoma em condomínio edilício não registrado;
VIII – de parte ideal de imóvel, salvo quando o requerente for proprietário da parte ideal restante;
IX – de área rural inferior à fração mínima de parcelamento;
X – de área urbana inferior a 125 m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) ou com frente menor do que 5 m (cinco metros), ressalvada a existência de norma específica permissiva;
XI – no caso de usucapião parcial, quando a área remanescente de imóvel rural for inferior à fração mínima de parcelamento, ou quando a área remanescente de imóvel urbano for inferior a 125 m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) ou com frente menor do que 5 m (cinco metros), ressalvada a existência de norma específica permissiva;
§ 1º - Poderá ser admitido pedido de usucapião de área inferior às dimensões referidas nos incisos IX e X caso seja apresentado em conjunto contrato de doação de área oriunda de bem público, observada a exigência de prévia desafetação, desde que o somatório da área usucapienda com a área doada seja superior à dimensão mínima legal.
§ 2º - Poderá ser admitido pedido de usucapião de área inferior às dimensões referidas nos incisos IX e X quando seja simultaneamente apresentado pedido de fusão da área usucapienda a área contígua de propriedade do requerente.
Art. 5º – Verificada a necessidade de complementação ou regularização das declarações ou da documentação, ou de realização de quaisquer diligências para elucidação do pedido, o registrador expedirá nota devolutiva, com prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento, permitida a retirada do requerimento e documentação pelo requerente para regularização.
Parágrafo único. É facultada ao registrador a realização de diligência ao local, do que será cientificado previamente o requerente para acompanhamento. Feita a diligência, seu resultado será instrumentalizado por auto lavrado pelo registrador e juntado à documentação.
Art. 6º – Verificada a regularidade formal do pedido, o registrador:
I – notificará os titulares de direitos reais e de outros direitos, registrados ou averbados nas matrículas atingidas pela usucapião e na matrícula dos imóveis confinantes, que não tenham assinado a planta, para que se manifestem no prazo de 15 (quinze) dias;
II – dará ciência à União, ao Estado e ao Município, que se manifestem no prazo de 15 (quinze) dias;
III – expedirá edital de notificação, a ser publicado às expensas do requerente em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.
§ 1º - As notificações referidas nos incisos I e II poderão ser feitas, a critério do registrador:
I – pessoalmente pelo registrador, quando possível sua realização dentro da circunscrição;
II – pelo registrador de títulos e documentos competente; ou
III – pelo correio, com aviso de recebimento.
§ 2º - Contar-se-á o prazo de 15 (quinze) dias na forma da lei civil.
· Ver Código Civil, art. 132.
§ 3º - Durante o prazo de manifestação, o requerimento e a documentação permanecerão à disposição para exame pelos interessados, que poderão fazer anotações e cópias, vedada a retirada da serventia.
§ 4º - O silêncio, no caso do inciso I do caput, será interpretado como discordância; no caso do inciso II, como concordância com o pedido, salvo quando:
a) o imóvel situar-se em área presumidamente de marinha, ainda não demarcada, hipótese em que deverá haver concordância expressa da Secretaria do Patrimônio da União – SPU;
b) quando o imóvel não tiver registro anterior, hipótese em que deverá haver concordância expressa do órgão competente do Estado, ou da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, se o imóvel se situar na faixa de fronteira.
§ 5º - Considera-se suprida a anuência do proprietário tabular quando apresentado documento assinado pelo mesmo e pelo seu cônjuge, quando for caso, com firma reconhecida, que comprove alienação ao requerente, ainda que em forma imprópria a registro, e integral pagamento do preço, desde que não haja dúvida quanto à identificação do imóvel.
§ 6º - Quando o imóvel usucapiendo for unidade autônoma em condomínio edilício, a notificação será feita também ao síndico.
§ 7º - Quando o imóvel confrontante for condomínio edilício, a notificação será feita a seu síndico.
Art. 7º – Verificada eventual discordância tácita ou expressa, o registrador, a seu critério, poderá convidar os discordantes, o requerente e seus advogados a comparecerem, caso desejem, em reunião na sede da serventia, a fim de prestar esclarecimentos pertinentes ao pedido e buscar a conciliação entre os interessados.
Art. 8º – Em caso de impugnação expressa do pedido, e esgotadas as possibilidades de conciliação extrajudicial, o registrador remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.
Art. 9º – Em caso de impugnação tácita do pedido, e esgotadas as possibilidades de conciliação extrajudicial, o oficial de registro de imóveis expedirá nota de rejeição, na qual dará ciência ao requerente da rejeição do pedido por falta de concordância expressa os titulares de direitos reais e de outros direitos, registrados ou averbados nas matrículas atingidas pela usucapião e na matrícula dos imóveis confinantes.
§ 1º - A nota de rejeição poderá conter ainda outras exigências a serem satisfeitas.
§ 2º - Cientificado da rejeição do pedido, o requerente poderá, no prazo de 30 (trinta) dias, requerer a suscitação de dúvida ao Juízo competente.
Art. 10 – Transcorridos os prazos de impugnação, sem pendência de diligências, e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o registrador procederá ao registro da usucapião do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.
Parágrafo único - Para o registro da usucapião, será atualizada a certidão do registro anterior, quando este tenha sido efetuado em outra circunscrição, caso expedida há mais de 30 (trinta) dias.
Art. 11 – A abertura de matrícula somente ocorrerá nas seguintes hipóteses:
I – quando não existir registro anterior;
II – quando o registro anterior tenha sido efetuado em outra circunscrição;
III – quando o imóvel for objeto de transcrição;
IV – quando a usucapião atingir parte de imóvel registrado, averbando-se o desfalque no registro anterior;
V – quando a usucapião atingir mais de um imóvel registrado.
· Ver LRP, art. 176-A.
Art. 12 – Registrada a usucapião, serão a seguir e no mesmo ato lançadas as averbações de baixa de eventuais ônus incompatíveis com a aquisição originária, sendo necessariamente mantidos os de natureza ambiental ou administrativa, que serão transportados para a nova matrícula, se aberta.
Art. 13 – O prazo de prenotação no Livro 1 será prorrogado até o acolhimento ou a rejeição do pedido, ou até que verificada a omissão do requerente em atender os prazos mencionados nos arts. 5º, caput, e 9º, § 2º.
Art. 14 – A qualquer tempo, os interessados poderão requerer a extração de certidões de quaisquer peças integrantes do procedimento, ainda que rejeitado ou arquivado.
Art. 15 – O pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião é cumulável com o pedido de retificação administrativa do art. 213 da LRP.
Art. 16 – O registrador deverá exercer especial cautela para coibir os casos em que o pedido de usucapião possa encobrir simulação para evasão do recolhimento de impostos ou para suprimir eficácia a cláusula de inalienabilidade.