CONCLUSÃO
Um dos significados possíveis atribuídos à separação dos poderes revisita a teoria da constituição mista, demonstrando que a preocupação em desconcentrar o poder é antiga, datada à época de Aristóteles. No entanto, foi a partir do assomo racionalista do século XVIII que a questão da partilha do poder foi elevada ao cânone de princípio.
Como visto, a partir da obra de Montesquieu erigiu-se a arquitetura moderna do Estado de Direito constitucionalista pela tripartição clássica do poder entre o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. No entanto, a partir do início do século XX, a lei se politizou, servindo de instrumento de governo, uma vez que o esforço na concretização de direitos sociais passou a exigir a negação do status quo.
Reclamou-se, assim, a releitura da doutrina instrumental de controle do poder. A necessidade de legislação rápida e eficaz tornou-se do próprio Estado, exigindo que a conformação da agenda política se faça a partir da atuação cooperativa entre o Executivo e o Legislativo, o que ensejou nova sistemática de divisão e redefinição de papéis no governo. Viu-se, portanto, gradativa situação de proeminência do Executivo no campo legislativo, assumindo a condução dos negócios governamentais.
Destarte, com esta exposição não se pretende aprofundar o estudo quanto às teorias contemporâneas acerca do sentido da separação dos poderes, mas sim chamar a atenção para a necessidade de se ter uma visão menos estanque deste conceito, livre de dogmas e elaborações normativas, refutando-se o “anacronismo e a visão divorciada da atual realidade do jogo político e social” (SAMPAIO, 2007, p. 38).
Referências bibliográficas
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Notas
[1] “É conhecida a teoria das formas de governo aristotélica, pela qual há seis conformações, em vista da quantidade de pessoas que exercem o poder e da justiça com que o fazem, se direcionada ao bem comum ou não. Assim é que surgem, como formas justas de governo, do menor para o maior número de governantes, a monarquia, a aristocracia e políteia. Suas degenerações são, respectivamente, a tirania (na qual o monarca visa à vantagem própria), a oligarquia (que visa ao bem dos ricos) e a democracia (que visa ao bem dos pobres). A obra aristotélica é permeada, como se sabe, pela visão de que a virtude se encontra na posição mediana. Em consequência disso, a constituição mais justa, a que melhor atende às finalidades públicas, vem a ser aquela em que ricos e pobres têm seus interesses considerados.” (SAMPAIO, 2007, p. 24-25).
[2] Destaca-se, conforme ensina Marco Aurélio Sampaio (2007) que não se trata de um arranjo institucional histórico, que tenha sido experimentado pelos gregos, mas sim de uma construção normativa, ou seja, idealizada.
[3] Sobre a supremacia do Poder Legislativo, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Ainda que não fosse expressa, tal supremacia se desenha na própria definição das funções que servem para estruturação dos poderes, ao menos na sua versão vulgarizada. Nesta, em realidade, o primeiro dos poderes é o que faz a lei, enquanto os outros dois a aplicam. Um, dito Executivo, executa a lei, ou, pelo menos, acompanha essa execução. O outro, o Judiciário, julga, mas julga aplicando contenciosamente a lei a casos particulares. Pode-se, inclusive, chegar a reconhecer uma subordinação dos demais poderes ao Legislativo, que, com suas decisões, dirige a atuação dos outros.” (2012, p. 139).
[4] “Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder Legislativo, o poder Executivo das coisas que dependem do Direito das gentes e o poder Executivo daqueles que dependem do Direito Civil. Com o primeiro, o princípe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixador, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder Executivo do Estado.” (MONTESQUIEU, 2000 apud NASCIMENTO, 2004, p. 42). Cf. MONTESQUIEU. O espírito das leis. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
[5] No caso o Rei, a nobreza e o povo.
[6] Conforme ensina José Levi Amaral Júnior “somente votavam e eram votados aqueles que estavam de acordo com a ordem liberal então vigente, o que era determinante para a conservação do estado das coisas.” (2012, p. 33).
[7] Outra famosa crítica realizada por Althusser à Montesquieu, aponta que a teoria de separação dos poderes propostas por Montesquieu guardava relação com a sua origem nobre e a necessidade de preservar privilégios de seu estrato social. Cf., a propósito, ALTHUSSER, Louis. Montesquieu, a Política e a História, 2. ed, trad. Luiz Cary e Luiza Costa Presença. Portugal: Martins Fontes, 1997.
[8] “Bem longa, é, portanto, a história da ideia de que a estabilidade política depende de um equilíbrio de forças sociais, especificamente povo, nobreza e monarca, mediante um arranjo institucional que dê a cada uma delas um meio de expressão e de participação no governo. Ou, como ensinava Aristóteles, ‘para que uma constituição dure, todas as partes do Estado devem desejar que ela exista e que os seus arranjos sejam mantidos’. Ora, como se viu acima, essa mesma ideia de equilibrio é que inspira a separação dos poderes. Na verdade, no mesmo livro, o XI, de O espírito das leis, onde Montesquieu formula essa célebre doutrina, aparece bem clara a sua filiação à do governo misto.” (FERREIRA FILHO, 2012, p. 136).
[9] De acordo com Luhmann, uma das principais inovações construída a partir do conceito de constituição na era Moderna é a criação de um direito aberto para o futuro. “Talvez a inovação mais profunda consista na adaptação a uma transformação das estruturas temporais do sistema social que só se verifica a partir da segunda metade do século XVI: e, obviamente, isso tampouco é objeto de um artigo positivado da Constituição. [...] A abertura para o passado significa que qualquer argumento histórico mediante o qual seja possível afirmar direitos ou provar que determinada regra jurídica vale desde tempo imemorais é levado em conta. A abertura para o futuro significa, ao contrário, que o direito prevê a sua própria modificabilidade limitando-a juridicamente sobretudo mediante disposições procedimentais mas também mediante a abertura da legislação à influência política. Todo o direito é submetido ao controle de constitucionalidade e o velho direito torna-se facilmente obsoleto em face do novo direito positivado de acordo com a Constituição.”(LUHMANN, 1996 apud ABRAMOVAY, 2010, p. 17). Cf. LUHMANN, Niklas. A Constituição como Aquisição Evolutiva. Tradução livre feita por Menelick de Carvalho Netto. La costituzione come acquisizione evolutiva. In: ZAGREBELSKY, Gustavo (coord.). et alli. Il Futuro Della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996).
[10] “Consiste ela, em sua essência, na distinção de três funções estatais – a de legislar, a de administrar e a de julgar – e a divisão de poder estatal em três organismos, cada um deles especializado numa dessas funções e separado (independente) dos demais. Parte ela, portanto, de uma classificação das funções estatais [...] que é repartido por grupo de órgãos, cada qual supremo em sua especialidade.” (FERREIRA FILHO, 2012, p. 136).
[11] Louis Fisher é um jurista e acadêmico norte-americano. Trabalhou na Biblioteca do Congresso como Especialista Sênior em Separação de Poderes (Congressional Research Service) e Especialista em Direito Constitucional (Law Library), tendo testemunhado perante o Congresso mais de cinqüenta vezes em audiências públicas. É o autor de mais de vinte livros, incluindo The Constitution and 9/11 e Military Tribunals and Presidential Power, ganhador do 2006 Book Award Richard Neustadt para melhor livro sobre a presidência americana.
[12] “No single institution, including the judiciary, has the final say on the meaning of the Constitution. A complex process of give and take and mutual respect among the branches permits the unelected Court to function safely and effectively in a democratic society. An open process enables political institutions and citizens to expose deficiencies, hold excesses in check, and build a consensus that can command public support. An open process leads to public participation and respect for the Constitution, giving it a legitimacy and vitality that could not be achieved under a system of judicial supremacy.”
[13] Para uma crítica consistente da doutrina positivista, que tem o Direito apenas como norma posta, cf. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, obra na qual este constrói sua teoria de distinção entre princípios e regras. Nesse mesmo sentido, cf. Robert Alexy, Teoría de los Derechos Fundamentais.