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Separação dos poderes e a atividade legislativa do Poder Executivo

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03/04/2016 às 11:23
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CONCLUSÃO

Um dos significados possíveis atribuídos à separação dos poderes revisita a teoria da constituição mista, demonstrando que a preocupação em desconcentrar o poder é antiga, datada à época de Aristóteles. No entanto, foi a partir do assomo racionalista do século XVIII que a questão da partilha do poder foi elevada ao cânone de princípio.

Como visto, a partir da obra de Montesquieu erigiu-se a arquitetura moderna do Estado de Direito constitucionalista pela tripartição clássica do poder entre o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. No entanto, a partir do início do século XX, a lei se politizou, servindo de instrumento de governo, uma vez que o esforço na concretização de direitos sociais passou a exigir a negação do status quo.

Reclamou-se, assim, a releitura da doutrina instrumental de controle do poder. A necessidade de legislação rápida e eficaz tornou-se do próprio Estado, exigindo que a conformação da agenda política se faça a partir da atuação cooperativa entre o Executivo e o Legislativo, o que ensejou nova sistemática de divisão e redefinição de papéis no governo. Viu-se, portanto, gradativa situação de proeminência do Executivo no campo legislativo, assumindo a condução dos negócios governamentais.

Destarte, com esta exposição não se pretende aprofundar o estudo quanto às teorias contemporâneas acerca do sentido da separação dos poderes, mas sim chamar a atenção para a necessidade de se ter uma visão menos estanque deste conceito, livre de dogmas e elaborações normativas, refutando-se o “anacronismo e a visão divorciada da atual realidade do jogo político e social” (SAMPAIO, 2007, p. 38).


Referências bibliográficas

ABRAMOVAY, Pedro Vieira. A separação dos Poderes e as medidas provisórias em um Estado Democrático de Direito. 2010. 97 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2010. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/7700>. Acesso em: 24/10/2013.

AMARAL JUNIOR, José Levi Mello do. Medida provisória: edição e conversão em lei, teoria e prática. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

DAMOUS, Wadih; DINO, Flávio. Medidas provisórias no Brasil: origem, evolução e novo regime constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “As medidas provisórias no sistema constitucional brasileiro, particularmente em matéria de direito econômico”. In Estudos em homenagem ao prof. Caio Tácito. Direito, Carlos Alberto Menezes Direito, org. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

FISHER, Louis. Constitutional Conflicts between Congress and the President, 5a ed. Lawrence: University Press of Kansas, 2007.

GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do Direito Político Moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

NASCIMENTO, Rogério José Bento Soares do. Abuso do poder de legislar: controle judicial da legislação de urgência no Brasil e na Itália. Rio de Janeiro: Lumen  Juris. 2004.

SALDANHA, Nelson. O Estado Moderno e a Separação dos Poderes. São Paulo: Saraiva, 1987.

SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto de. O Congresso e as Delegações Legislativas. São Paulo: Forense, 1986.


Notas

[1] “É conhecida a teoria das formas de governo aristotélica, pela qual há seis conformações, em vista da quantidade de pessoas que exercem o poder e da justiça com que o fazem, se direcionada ao bem comum ou não. Assim é que surgem, como formas justas de governo, do menor para o maior número de governantes, a monarquia, a aristocracia e políteia. Suas degenerações são, respectivamente, a tirania (na qual o monarca visa à vantagem própria), a oligarquia (que visa ao bem dos ricos) e a democracia (que visa ao bem dos pobres). A obra aristotélica é permeada, como se sabe, pela visão de que a virtude se encontra na posição mediana. Em consequência disso, a constituição mais justa, a que melhor atende às finalidades públicas, vem a ser aquela em que ricos e pobres têm seus interesses considerados.” (SAMPAIO, 2007, p. 24-25).

[2] Destaca-se, conforme ensina Marco Aurélio Sampaio (2007) que não se trata de um arranjo institucional histórico, que tenha sido experimentado pelos gregos, mas sim de uma construção normativa, ou seja, idealizada.

[3] Sobre a supremacia do Poder Legislativo, afirma Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Ainda que não fosse expressa, tal supremacia se desenha na própria definição das funções que servem para estruturação dos poderes, ao menos na sua versão vulgarizada. Nesta, em realidade, o primeiro dos poderes é o que faz a lei, enquanto os outros dois a aplicam. Um, dito Executivo, executa a lei, ou, pelo menos, acompanha essa execução. O outro, o Judiciário, julga, mas julga aplicando contenciosamente a lei a casos particulares. Pode-se, inclusive, chegar a reconhecer uma subordinação dos demais poderes ao Legislativo, que, com suas decisões, dirige a atuação dos outros.” (2012, p. 139).

[4] “Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder Legislativo, o poder Executivo das coisas que dependem do Direito das gentes e o poder Executivo daqueles que dependem do Direito Civil. Com o primeiro, o princípe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixador, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder Executivo do Estado.” (MONTESQUIEU, 2000 apud NASCIMENTO, 2004, p. 42). Cf. MONTESQUIEU. O espírito das leis. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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[5] No caso o Rei, a nobreza e o povo.

[6] Conforme ensina José Levi Amaral Júnior “somente votavam e eram votados aqueles que estavam de acordo com a ordem liberal então vigente, o que era determinante para a conservação do estado das coisas.” (2012, p. 33).

[7] Outra famosa crítica realizada por Althusser à Montesquieu, aponta que a teoria de separação dos poderes propostas por Montesquieu guardava relação com a sua origem nobre e a necessidade de preservar privilégios de seu estrato social. Cf., a propósito, ALTHUSSER, Louis. Montesquieu, a Política e a História, 2. ed, trad. Luiz Cary e Luiza Costa Presença. Portugal: Martins Fontes, 1997.

[8] “Bem longa, é, portanto, a história da ideia de que a estabilidade política depende de um equilíbrio de forças sociais, especificamente povo, nobreza e monarca, mediante um arranjo institucional que dê a cada uma delas um meio de expressão e de participação no governo. Ou, como ensinava Aristóteles, ‘para que uma constituição dure, todas as partes do Estado devem desejar que ela exista e que os seus arranjos sejam mantidos’. Ora, como se viu acima, essa mesma ideia de equilibrio é que inspira a separação dos poderes. Na verdade, no mesmo livro, o XI, de O espírito das leis, onde Montesquieu formula essa célebre doutrina, aparece bem clara a sua filiação à do governo misto.” (FERREIRA FILHO, 2012, p. 136).

[9] De acordo com Luhmann, uma das principais inovações construída a partir do conceito de constituição na era Moderna é a criação de um direito aberto para o futuro. “Talvez a inovação mais profunda consista na adaptação a uma transformação das estruturas temporais do sistema social que só se verifica a partir da segunda metade do século XVI: e, obviamente, isso tampouco é objeto de um artigo positivado da Constituição. [...] A abertura para o passado significa que qualquer argumento histórico mediante o qual seja possível afirmar direitos ou provar que determinada regra jurídica vale desde tempo imemorais é levado em conta. A abertura para o futuro significa, ao contrário, que o direito prevê a sua própria modificabilidade limitando-a juridicamente sobretudo mediante disposições procedimentais mas também mediante a abertura da legislação à influência política. Todo o direito é submetido ao controle de constitucionalidade e o velho direito torna-se facilmente obsoleto em face do novo direito positivado de acordo com a Constituição.”(LUHMANN, 1996 apud ABRAMOVAY, 2010, p. 17). Cf. LUHMANN, Niklas. A Constituição como Aquisição Evolutiva. Tradução livre feita por Menelick de Carvalho Netto. La costituzione come acquisizione evolutiva. In: ZAGREBELSKY, Gustavo (coord.). et alli. Il Futuro Della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996).

[10] “Consiste ela, em sua essência, na distinção de três funções estatais – a de legislar, a de administrar e a de julgar – e a divisão de poder estatal em três organismos, cada um deles especializado numa dessas funções e separado (independente) dos demais. Parte ela, portanto, de uma classificação das funções estatais [...] que é repartido por grupo de órgãos, cada qual supremo em sua especialidade.” (FERREIRA FILHO, 2012, p. 136).

[11] Louis Fisher é um jurista e acadêmico norte-americano. Trabalhou na Biblioteca do Congresso como Especialista Sênior em Separação de Poderes (Congressional Research Service) e Especialista em Direito Constitucional (Law Library), tendo testemunhado perante o Congresso mais de cinqüenta vezes em audiências públicas. É o autor de mais de vinte livros, incluindo The Constitution and 9/11 e Military Tribunals and Presidential Power, ganhador do 2006 Book Award Richard Neustadt para melhor livro sobre a presidência americana.

[12] “No single institution, including the judiciary, has the final say on the meaning of the Constitution. A complex process of give and take and mutual respect among the branches permits the unelected Court to function safely and effectively in a democratic society. An open process enables political institutions and citizens to expose deficiencies, hold excesses in check, and build a consensus that can command public support. An open process leads to public participation and respect for the Constitution, giving it a legitimacy and vitality that could not be achieved under a system of judicial supremacy.”

[13] Para uma crítica consistente da doutrina positivista, que tem o Direito apenas como norma posta, cf. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, obra na qual este constrói sua teoria de distinção entre princípios e regras. Nesse mesmo sentido, cf. Robert Alexy, Teoría de los Derechos Fundamentais.

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Sobre o autor
Rafael Taveira Oliveira

Procurador da Fazenda Nacional. Formado na Universidade de Brasília (UnB), cursando a Pós-Graduação “Ordem Jurídica e Ministério Público” da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Rafael Taveira. Separação dos poderes e a atividade legislativa do Poder Executivo . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4659, 3 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47833. Acesso em: 18 mai. 2024.

Mais informações

Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução histórica da ideia de separação dos poderes. 2.1. Releitura contemporânea do conceito e a atividade legislativa do Executivo. 3. Conclusão.

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