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O princípio da anterioridade tributária e a revogação de isenções não onerosas

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04/04/2016 às 11:55
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3 EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Uma vez ocorrido o fato gerador, com a materialização, no mundo dos fatos, da hipótese de incidência prevista em lei, surge a obrigação tributária. Contudo, nesse momento, não pode ainda o Estado exigir do contribuinte a prestação pecuniária correspondente a essa obrigação.  

Isso porque a obrigação tributária somente adquire exigibilidade por intermédio da realização do lançamento pela autoridade administrativa, ocasião na qual se dá a constituição do crédito tributário.

Conforme Hugo de Brito Machado Segundo (2012, p. 55), “[...] o lançamento aperfeiçoa a relação tributária preexistente, conferindo-lhe efeitos jurídicos em grau máximo, tornando-se líquida, certa e exigível. A partir de então, a obrigação tributária passa a ser chamada de crédito tributário”.

Representa, portanto, o crédito tributário o momento de exigibilidade da obrigação tributária, consistindo na “formalização da relação jurídica tributária, possibilitando ao Fisco, como sujeito ativo, exigir do sujeito passivo, contribuinte ou responsável, o cumprimento da obrigação tributária principal da qual decorre”. (ROSA JUNIOR, 1997, p. 519).

O Código Tributário Nacional, em seu art. 175, prevê hipóteses nas quais o crédito tributário poderá ser excluído, ficando, então, os contribuintes desonerados de deveres patrimoniais. Trata-se dos institutos da anistia e da isenção.

Por exclusão do crédito tributário, deve-se entender a impossibilidade de sua constituição. Ou seja, uma lei isentiva ou anistiadora obsta a ocorrência do lançamento de dado tributo ou multa, de forma a inviabilizar o nascimento do crédito tributário.

Ambas as hipóteses de exclusão do crédito tributário referem-se apenas à obrigação tributária principal, não atingindo as obrigações tributárias acessórias, as quais permanecem incólumes, de acordo com expressa previsão do art. 175, parágrafo único, do CTN.

À vista disso, “caso haja a concessão de isenção do ICMS (obrigação principal), a norma isentante não implica a dispensa da emissão de nota fiscal (obrigação acessória)”. (SABBAG, 2014, p. 921).

Impende destacar que a anistia e a isenção devem sempre ser veiculadas por meio de lei, em sentido estrito. É isso que prevê o art. 97 do CTN, em seu inciso VI, o qual dispõe que “somente a lei pode estabelecer: as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”. (Grifou-se).

Referido artigo corporifica o princípio da reserva legal em matéria tributária, também chamado princípio da estrita legalidade ou da tipicidade fechada, estabelecendo matérias que somente podem ser tratadas por meio de lei. Tal princípio é considerado pela doutrina como um corolário do princípio da legalidade, em sentido amplo, previsto no art. 150, inciso I, da CF/88.

Ampliando essa exigência da reserva legal, o art. 150, § 6º, da Constituição Federal assim dispõe:

§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Grifou-se).

Dessa forma, para que seja concedida uma isenção ou anistia, exige-se não apenas lei, mas lei específica, que trate exclusivamente do benefício fiscal a ser concedido ou do tributo em questão.

Tal exigência surgiu por meio da Emenda Constitucional nº 3, do ano de 1993, no intuito de impedir prática que se tornou comum no âmbito legislativo, qual seja, instituir benefícios fiscais em leis que tratam de matéria não tributária, com o objetivo de ocultá-los. (ALEXANDRE, 2012, p. 137). Como esclarece Kiyoshi Harada (2011, online):

Durante a vigência da ordem constitucional antecedente era usual as três entidades políticas (União, Estados/DF e Municípios) concederem incentivos, principalmente, os de natureza tributária no bojo de uma lei genérica cuidando de diversas matérias, o que facilitava a ação dos lobistas interessados na redução ou exoneração da carga tributária. Não havia, pois, transparência nesse tipo de renúncia de receita pública, que nem sempre atendia ao interesse público.

A regra constitucional veio, portanto, para “coibir velho hábito que induzia nosso legislador a enxertar benefícios tributários casuísticos no texto de leis, notadamente as orçamentárias, no curso do respectivo processo de elaboração [...]”. (STF, ADI-MC 1379/AL, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 24/04/1996).

Busca-se, dessa maneira, em sentido mais amplo, o combate à renúncia de receitas pelos entes federados, por meio da vedação de lei autorizativa de anistia ou isenção de forma genérica, ou em branco. (ROSA JUNIOR, 1997, p. 590).

Sobre as hipóteses de exclusão, vale ainda ressaltar que apenas o ente federado que detém a competência – constitucionalmente estabelecida – para instituir determinado tributo, ou impor determinada penalidade, terá a possibilidade de isentá-lo ou anistiá-la. Oportunas as palavras de Búrigo (2008, p. 66):

Em função da autonomia de que gozam os entes federados e considerando que a instituição do tributo não se dá pela própria Constituição (como visto, ela distribui as competências aos entes federados para que estes o façam), deduz-se então que o poder de conceder isenções incumbe àquele que institui o tributo respectivo.

Dessa forma, somente a União é competente para instituir isenção de tributo federal, bem como somente aos Estados cabe isentar tributos estaduais, e aos Municípios, tributos municipais.

Nesse sentido, o art. 151, inciso III, da Constituição Federal estabelece ser defeso à União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”. Veda-se, portanto, a existência de isenções heterônomas, quais sejam, aquelas concedidas por ente político diverso daquele que detém a competência para instituir o tributo correspondente.

Passa-se agora à análise específica das duas espécies de exclusão do crédito tributário, com especial foco no instituto da isenção.

3.1 Anistia

A anistia é hipótese de exclusão do crédito tributário que atua no campo das penalidades pecuniárias. Dessa forma, uma lei anistiadora existe para impedir a constituição de crédito tributário decorrente de uma multa. Na lição de Hugo de Brito Machado (2006, p. 247):

O cometimento de infração à legislação tributária enseja a aplicação de penalidades pecuniárias, multas, e estas ensejam a constituição do crédito tributário correspondente. Pela anistia, o legislador extingue a punibilidade do sujeito passivo infrator da legislação tributária, impedindo a constituição do crédito.

Funciona, portanto, a anistia como um perdão a ser concedido por lei àqueles que cometeram infrações tributárias, desonerando-os do pagamento das penalidades pecuniárias correspondentes.

O instituto da anistia não pode ser confundido com o da remissão. Sendo uma modalidade de exclusão do crédito tributário, a anistia somente pode ser concedida antes da constituição do crédito relativo à penalidade pecuniária. Se já houver sido realizado o lançamento pelo Fisco, só haverá possibilidade de concessão de remissão, modalidade de extinção do crédito tributário.

Ademais, a remissão pode extinguir o crédito tributário referente tanto à penalidade pecuniária quanto ao próprio tributo, enquanto a anistia exclui apenas o crédito decorrente de penalidades.

Ressalte-se que, segundo o art. 180 do CTN, “a anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede [...]”.

Da análise do dispositivo legal, infere-se que a lei concessiva de anistia não pode ser aplicada às infrações tributárias que ocorram posteriormente à sua entrada em vigor, visto que apenas alcança situações pretéritas, de maneira retroativa.

É possível concluir, ante o exposto, que somente poderão ser beneficiados pelo instituto da anistia aqueles que já tenham cometido a infração tributária e, ainda, que não tenham sido punidos pelo Fisco.

3.2 Isenção

Como ensina Pontes de Miranda (1987, p. 429), o termo “isenção” advém das expressões latinas “exemptio” ou “eximere”, significando tirar, liberar, eximir. Cuida-se, portanto, de instituto ligado à ideia de desobrigação tributária. Serão apreciadas, no presente tópico, algumas das principais questões relativas a essa figura jurídica.

3.2.1 Noções gerais

A isenção, diferentemente da anistia, é instituto que exclui o crédito tributário referente ao próprio tributo, e não à penalidade pecuniária.

Não obstante ambas as hipóteses sejam formas de privilégio fiscal concedidas aos contribuintes, na medida em que exoneram o pagamento do tributo (no caso da isenção) ou da multa (no caso da anistia), a instituição de cada uma delas é justificada em diferentes contextos. Nesse sentido, confira-se a lição de Sabbag (2014, p. 919):

É fato que o motivo que leva o legislador a pretender isentar um tributo não é o mesmo que o move a anistiar uma penalidade. A isenção justifica-se no plano socioeconômico da realidade social que a avoca, enquanto a anistia encontra motivação no intuito do legislador em retirar o timbre de impontualidade do inadimplente da obrigação tributária.

Ao instituir uma isenção, portanto, o legislador encontra-se sustentado por motivos socioeconômicos ou sociopolíticos. Exemplificando, poder-se-ia imaginar a hipótese de concessão de isenções – por lei municipal – a empresas que venham a se instalar no território do município, como uma forma de atrair investimentos.

Ao contrário da anistia, que, conforme visto, tem aplicação retrospectiva, atingindo apenas situações anteriores à lei anistiadora, a isenção produz efeitos prospectivos, na medida em que somente pode abranger fatos geradores posteriores à lei isentiva.

Isso ocorre exatamente em razão de a isenção ser instituto que se refere a tributos, e não a multas, devendo, desta feita, obediência ao princípio da irretroatividade (art. 150, inc. III, al. “a”, CF/88), como qualquer outra lei tributária.

De acordo com os dizeres do art. 177 do CTN, a isenção, em regra, não atinge as taxas e as contribuições de melhoria, bem como não alcança os tributos instituídos depois de sua concessão. Oportuno salientar que referidas regras não são absolutas, uma vez que o próprio texto legal permite disposição expressa de lei em sentido contrário.

No primeiro caso, relativo às taxas e contribuições de melhorias, a não extensão da isenção justifica-se por se tratar de tributos vinculados, com natureza contraprestacional, ou retributiva. Diante de tal natureza, “o sujeito passivo é, portanto, diretamente beneficiado pela situação definida em lei como fato gerador, de forma a tornar regra a não extensão do benefício a tais tributos”. (ALEXANDRE, 2012, p. 471).

No segundo caso, limita-se o alcance da isenção aos tributos já existentes no momento da edição da lei isentiva, não abrangendo aqueles que ainda venham a ser criados, ou seja, tributos novos. Tal regra decorre do fato de ser exigida lei específica (art. 150, § 6º, CF) para a sua instituição, não podendo a isenção genericamente abranger tributos que ainda nem mesmo existem. (ALEXANDRE, 2012, p. 471).

No que concerne à sua natureza jurídica, e, consequentemente, à sua própria conceituação, a isenção suscita vasta divergência doutrinária. Analisar-se-á a seguir construções teóricas que se propuseram a definir o instituto, possibilitando uma melhor compreensão do assunto.

3.2.2 Conceito de isenção           

A conceituação das isenções, no âmbito doutrinário, é centro de tormentosa divergência, existindo diversas teorias que se propõem a definir esse instituto e a identificar sua natureza jurídica. Deter-se-á este estudo em duas correntes teóricas principais que abordam o tema, quais sejam: as correntes clássica e moderna.

Tais correntes se diferenciam, basicamente, de acordo com o entendimento acerca da incidência ou não incidência da norma de tributação, no momento da instituição de uma isenção.

De acordo com a doutrina clássica ou tradicional, encabeçada por Rubens Gomes de Souza, a isenção deve ser entendida como a dispensa legal do pagamento de um tributo. Ter-se-ia situação na qual é verificada a ocorrência do fato gerador, concretizando a hipótese legal de incidência, bem como o surgimento da obrigação tributária.

Esse é o entendimento de Amílcar de Araújo Falcão (1960, p. 69). Segundo esse autor, com a isenção, “ocorre o fato gerador: o legislador, entretanto, se limita a determinar a inexigibilidade do débito assim surgido”.

O que se impede, segundo essa corrente doutrinária, é apenas a realização do lançamento, ou seja, a constituição do crédito tributário, por intermédio de um favor legal. Haveria, portanto, primeiramente, a incidência da norma de tributação, e, após, a dispensa do pagamento do tributo por meio de lei.

Assim também se posiciona Rosa Junior (1997, p. 584, grifos do autor):

No conceito clássico isenção significa a dispensa do pagamento do tributo que é devido, uma vez que o fato gerador ocorre, dá-se a incidência tributária, instaura-se a relação jurídica tributária e existe obrigação tributária. Se há incidência, o tributo é devido, mas a lei dispensa o contribuinte do seu pagamento. Assim, o crédito tributário não se constitui, pois o lançamento não se efetiva por ser a isenção causa de exclusão do crédito tributário.

É esse o entendimento que, já há muito tempo, vem sendo adotado pelo STF, conforme se vê nas ementas abaixo colacionadas:

EMENTA: Icm. Isenção. [...] A expressao 'incidira' pressupoe que o estado-membro, como decorre do caput desse artigo 23, tenha instituido, por lei estadual, esse imposto, e nada impede, evidentemente, que ele conceda, também por lei estadual, isenção, que, alias, pressupoe a incidencia, uma vez que ela - no entendimento que e o acolhido por este tribunal - se caracteriza como a dispensa legal do pagamento de tributo devido. Recurso extraordinário não conhecido. (STF, RE 11371/SP, 1ª T., rel. Min. Moreira Alves, j. 26/06/1987) (Grifou-se).

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 268, DE 2 DE ABRIL DE 1990, DO ESTADO DE RONDÔNIA, QUE ACRESCENTOU INCISO AO ARTIGO 4º DA LEI 223/89. INICIATIVA PARLAMENTAR. NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS INSTITUÍDA COMO ISENÇÃO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA: INEXISTÊNCIA. EXIGÊNCIA DE CONVÊNIO ENTRE OS ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL.

[...]

2. A não-incidência do tributo equivale a todas as situações de fato não contempladas pela regra jurídica da tributação e decorre da abrangência ditada pela própria norma.

3. A isenção é a dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência de seu fato gerador. Constitui exceção instituída por lei à regra jurídica da tributação.

4. A norma legal impugnada concede verdadeira isenção do ICMS, sob o disfarce de não-incidência. (STF, ADI 286/RO, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 22/05/2002) (Grifou-se).

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Entende, portanto, a Suprema Corte, seguindo a linha de pensamento da doutrina tradicional, que a isenção pressupõe a incidência da norma tributária, enquadrando-a no conceito clássico de “dispensa legal do pagamento de tributo devido”.

Em sentido contrário, a doutrina tributarista moderna apregoa que, na hipótese de instituição de uma isenção, não há a incidência da norma jurídica tributária. Diante disso, restaria impedida a ocorrência do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária.

Para os adeptos dessa corrente, a isenção atuaria no plano normativo, e não no plano fático (TORRES, 2003, p. 273), de forma a impedir a incidência da norma impositiva da tributação. Nessa esteira, impossível seria a constituição do crédito tributário.

Alfredo Augusto Becker (2002, p. 305), contestando a definição clássica, entende que, na hipótese de uma isenção, a norma jurídica de tributação não chega a incidir, por lhe faltar, ou exceder, um dos elementos que compõem a sua hipótese de incidência, necessários à sua realização. Em suas palavras, “a regra jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir”.

Continua ainda o referido autor: “A realização da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção, faz com que esta regra jurídica incida justamente para negar a existência de relação jurídica tributária”. (BECKER, 2002, p. 306).

José Souto Maior Borges, inspirado nas lições de Becker, igualmente critica o entendimento clássico. Em sua obra “Isenções Tributárias”, a teoria tradicional sofre seu mais forte abalo.

 Para Borges (1969, p. 164), não existe obrigação tributária principal na relação jurídica de isenção. A isenção deve ser estudada por seu aspecto mais amplo: o de não incidência. Consiste a isenção, na visão do mencionado autor, em uma hipótese de “não incidência legalmente qualificada”. Esclareça-se: a não incidência, nesse caso, é da norma jurídica de tributação.

Segundo Roque Antonio Carrazza (2012, p. 983, grifos do autor), “soa absurdo que a lei tributária que concede uma isenção dispense o pagamento do tributo. Afinal, a lei de isenção é logicamente anterior à ocorrência do fato que, se ela não existisse, aí, sim, seria imponível”.

Luciano Amaro (2011, p. 309, grifos do autor), criticando a doutrina clássica, defende que “dispensa legal de tributo devido é conceito que calharia bem para a remissão (ou perdão) de tributo, nunca para a isenção. Aplicado à isenção, ele suporia que o fato isento fosse tributado, para que, no mesmo instante, o tributo fosse dispensado pela lei”.

Ante o exposto, pode-se notar que os doutrinadores que se filiam à teoria moderna, criticando a noção de uma “obrigação que não obriga” (TORRES, 2003, p. 274), consideram, em sua maioria, a isenção como uma hipótese de não incidência tributária, criada por meio de lei, portanto, “legalmente qualificada”.[8]

Hugo de Brito Machado (2006, p. 241, grifos do autor), seguindo a linha da doutrina moderna, preconiza que a isenção “exclui o próprio fato gerador. A lei isentiva retira uma parcela da hipótese de incidência da lei de tributação. Isenção, portanto, não é propriamente dispensa de tributo devido”.

Entretanto, diferentemente da maioria dos doutrinadores que adotam a corrente moderna, o referido autor situa a isenção fora do campo da não incidência tributária, distinguindo os dois institutos. Enquanto a não incidência seria tudo aquilo que não está abrangido pela hipótese de incidência, a isenção configuraria uma exceção à regra jurídica de tributação.

Segundo o seu pensamento, a isenção não se confundiria nem mesmo com a denominada não incidência juridicamente qualificada,

[...] por ser [esta última] mera explicitação que o legislador faz, para maior clareza, de que não se configura, naquele caso, a hipótese de incidência. A rigor, a norma que faz tal explicitação poderia deixar de existir sem que nada se alterasse. Já a norma de isenção, porque retira parcela da hipótese de incidência, se não existisse o tributo seria devido. (MACHADO, 2006, p. 242).

Impende salientar que parcela da doutrina entende que o Código Tributário Nacional teria acolhido a concepção clássica de isenção – dispensa legal do pagamento de tributo –, tendo em vista ter o mencionado diploma legal classificado o instituto como uma modalidade de exclusão do crédito tributário. Poder-se-ia supor, nesse sentido, que, ao fenômeno da isenção, estaria subjacente uma obrigação tributária, cujo crédito teria sido dispensado. (AMARO, 2011, p. 309).

Entretanto, o próprio Rubens Gomes de Souza, grande defensor da teoria clássica, e autor do anteprojeto do qual se originou o CTN, reconheceu que o Código se manteve neutro no tocante a essa discussão. Afinal,

[...] pela leitura do CTN, tanto se pode afirmar que a isenção exclui o crédito tributário porque dispensa o pagamento daquele que já se formou pela ocorrência do fato gerador, como se pode dizer que a exclusão decorre da circunstância de que o crédito não chegou a se constituir, porque a norma impositiva estava suspensa. (TORRES, 2003, p. 274).

No mesmo sentido, oportunas as palavras de Borges (1969, p. 167), entendendo que “incluir a isenção entre as causas de exclusão do crédito não implica necessariamente em excluí-la das hipóteses de inexistência da própria obrigação tributária”.

Ressalte-se ainda que, além das teorias aqui expostas, outras subsistem com o mesmo objetivo de desvendar a natureza jurídica das isenções, o que demonstra quão árdua é a conceituação desse instituto em âmbito doutrinário.

3.2.2.1 Uma análise à luz da Teoria Geral do Direito

Os tributaristas, em geral, costumam se debruçar sobre o debate acerca da natureza jurídica das isenções, analisando o problema da incidência ou não incidência da norma impositiva tributária, sob uma perspectiva limitada ao âmbito do Direito Tributário.

Entretanto, convém proceder-se a uma análise do tema sob o prisma da Teoria Geral do Direito, por se ter em questão conceitos típicos dessa área jurídica.

A norma isentiva, ao excluir determinadas pessoas, coisas ou situações do alcance do tributo, pode ser considerada, em um raciocínio puramente lógico, como uma norma mais específica, em comparação com a norma impositiva tributária, mais ampla, a qual determina a tributação da generalidade dessas pessoas, coisas ou situações.

Tem-se, portanto, um aparente conflito entre uma norma mais geral, obrigando o contribuinte (a norma de tributação), e uma norma mais específica, desonerando o contribuinte (a norma de isenção), caracterizando-se uma situação de antinomia.

Segundo Adrian Sgarbi (2007, p. 270), “atribui-se o nome de ‘antinomia’ à situação em que para um mesmo caso concreto a ordem jurídica apresenta determinações diversas e opostas”. Trata-se, portanto, de uma contradição normativa.

Contudo, esse conflito instaurado entre as normas, como dito acima, é apenas aparente, tendo em vista que “o ordenamento jurídico constitui um sistema de normas, isto é, um conjunto coerente e sem contradições”. (SGARBI, 2007, p. 267).

Norberto Bobbio, em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico”, propõe três critérios para a solução de antinomias, quais sejam: o critério cronológico, o critério hierárquico e o critério da especialidade.

No caso específico de uma antinomia envolvendo uma norma geral e uma norma especial, como ocorre com a norma de tributação e a norma de isenção, o conflito pode ser resolvido mediante a aplicação do critério da especialidade – lex specialis derogat generali –, segundo o qual a norma mais específica deve prevalecer em detrimento da norma geral.

Nas palavras de Bobbio (1995, p. 96), pode ser considerada lei especial aquela “que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)”.

Ora, esse é exatamente o papel realizado pela norma de isenção em face da norma impositiva de tributação, o que autoriza o caráter de especialidade da primeira.

Confira-se a lição de Hugo de Brito Machado (2013, online) acerca do tema:

A norma que concede isenção é sempre mais específica do que a norma de tributação. Seu suporte fático é necessariamente menos abrangente. Daí porque a norma de tributação continua plenamente vigente. Apenas não incide sobre aquela parte do seu suporte fático abrangida pela norma de isenção.

Nesse sentido, oportuna a lição de Bobbio (1995, p. 96, grifos do autor), esclarecendo que “quando se aplica o critério da lex specialis não acontece a eliminação total de uma das duas normas incompatíveis mas somente daquela parte da lei geral que é incompatível com a lei especial. Por efeito da lei especial, a lei geral cai parcialmente”.

Diante dessas considerações, pode-se concluir que a norma isentiva, por ser mais específica, prevalece sobre a norma de tributação, impedindo a sua incidência naquilo que com ela for contrário, embora não negue a sua vigência. A lei tributária geral continua incidindo no tocante aos casos que não sejam incompatíveis com a lei isentiva.

3.2.3 Distinção entre isenção e imunidade

Convém fazer importante distinção entre as figuras da isenção e da imunidade.

Independentemente do conceito de isenção que se deseje adotar, impreterivelmente haverá uma clara e inegável diferença entre os referidos institutos: enquanto a isenção decorre da lei, a imunidade sempre estará prevista no texto da Constituição Federal.

As imunidades, juntamente com os princípios tributários, constituem as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Podem ser definidas como delimitações negativas de competência tributária feita pelo legislador constituinte. Da mesma forma que a Constituição Federal atribui competência aos entes federados para a instituição de tributos, ela limita, em determinados casos, tal competência, impedindo a incidência da norma de tributação sobre eles.

Caracteriza-se a imunidade, portanto, como uma forma de não incidência da lei tributária, a qual é impedida de produzir seus efeitos pela imposição de um obstáculo constitucional. Daí ser comumente denominada como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada. (BORGES, 1969, p. 208).

Segundo Denise Lucena Rodrigues (1995, p. 27), “a diferença básica entre imunidade e as demais formas exonerativas, é que naquela há um impedimento permanente e superior, emanado do texto constitucional, impedindo qualquer ingerência estatal no âmbito por ela traçado”.

Costuma-se dizer na doutrina que a imunidade e a isenção distinguem-se em função do plano em que atuam. Enquanto a primeira operaria no plano da delimitação da competência tributária, a segunda atuaria no plano do exercício da competência.

E é exatamente em consequência dessa ideia – de que a imunidade delimita uma competência constitucionalmente atribuída – que se entende que ela somente pode estar prevista no texto constitucional. Afinal, “não se pode criar exceções a uma regra numa norma de hierarquia inferior àquela que estatui a própria regra”. (ALEXANDRE, 2012, p. 146).

Em contrapartida, a isenção, atuando no campo do exercício da competência tributária, e não da sua delimitação, deve estar sempre prevista em lei.

Uma outra distinção que pode ser feita em relação aos dois institutos em tela é referente à sua interpretação.

De acordo com o art. 111, inciso I, do CTN, a legislação tributária que disponha sobre causas de exclusão do crédito tributário – entre as quais, como é sabido, inclui-se a isenção – deve ser interpretada literalmente. Dessa forma, a isenção não comporta interpretação ampliativa e nem a utilização de métodos integrativos, como, por exemplo, a analogia.

Segundo Rubens Gomes de Sousa, tal regra se justifica por tratar de hipótese que constitui exceção a regras gerais de Direito Tributário, não podendo, portanto, “ser estendida por via interpretativa para além do alcance que o legislador lhe quis dar”. (SOUSA et al., 1975, p. 379).

Por outro lado, entende a doutrina, com amparo da jurisprudência do STF, que a imunidade é passível de ampla interpretação, tendo em vista ser figura jurídica que, “exatamente porque estabelecida em norma residente na Constituição, corporifica princípio superior dentro do ordenamento jurídico, a servir de bússola para o intérprete, que ao buscar o sentido e o alcance da norma imunizante não pode ficar preso à sua literalidade”. (MACHADO, 2006, p. 242).

Nesse sentido, já decidiu a Suprema Corte, por exemplo, ser a imunidade tributária recíproca extensível a empresas públicas ou sociedades de economia mista que prestem serviço público de caráter obrigatório e de forma exclusiva, como a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) [9], mesmo diante do fato de não terem sido incluídas na redação do § 2º do art. 150 da CF/88[10].

Em alguns de seus dispositivos, o texto constitucional refere-se, equivocadamente, à expressão “isenção”, quando, em verdade, exatamente por terem sede constitucional, trata-se de hipóteses de autênticas imunidades.

São três as situações em que isso ocorre, quais sejam: art. 5º, LXXIII, referente à não exigência do pagamento de custas judiciais e de ônus da sucumbência quando da propositura de ação popular; art. 184, § 5º, o qual impede a instituição de impostos sobre as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária; e art. 195, § 7º, que assegura a não sujeição das entidades beneficentes de assistência social às contribuições para a seguridade social.

Onde a Constituição diz “isentas” ou “isento”, deve-se entender que são “imunes”.

Da mesma forma, se uma eventual lei infraconstitucional vier a prescrever uma dita hipótese de tributo “imune”, deve-se entender que se trata de um caso de isenção, já que apenas em âmbito constitucional se permite o estabelecimento de imunidades. (MACHADO, 2006, p. 242).

3.2.4. Distinção entre isenção e alíquota zero

Feita a diferenciação para com a imunidade, cabe agora realizarmos a distinção entre isenção e alíquota zero, instituto que também excepciona a regra de pagamento do tributo.

Conforme já visto, quando da análise do conceito de isenção, existem duas principais correntes doutrinárias que se propõem a definir o instituto. A primeira, corrente clássica, entende que a isenção é a mera dispensa do pagamento do tributo devido, havendo a ocorrência do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária.

A segunda corrente, ou corrente moderna, por sua vez, considera que a isenção impede a incidência da norma de tributação, não ocorrendo o fato gerador e, muito menos, o nascimento da obrigação tributária.

Pois bem, independentemente do conceito de isenção que se queira adotar, a diferença para a chamada “alíquota zero” é evidente. Nesse sistema, não há dúvidas acerca da incidência da norma de tributação, com a consequente ocorrência do fato gerador e o nascimento da obrigação. O crédito tributário é constituído por meio do lançamento. O que ocorre é apenas a nulificação de um dos elementos que compõem o fato gerador: a alíquota, que será igual a zero.

Ricardo Lobo Torres (2003, p. 280), o qual se filia ao conceito moderno de isenção, preleciona: “A isenção, como já visto, é uma autolimitação do poder tributário e opera pela suspensão da eficácia da norma de incidência. Na alíquota zero a norma de incidência permanece íntegra e há apenas a suspensão de um dos seus elementos quantitativos”. No caso, esse elemento é a alíquota.

Rosa Junior (1997, p. 593), embora seja um defensor da corrente clássica, chega à mesma conclusão: “[...] o ponto essencial é que a isenção afeta todos os elementos estruturais da obrigação, não permitindo a constituição do crédito tributário, enquanto no sistema de alíquota zero somente ocorre supressão de um dos elementos quantitativos, a alíquota”.

A diferença básica entre os dois institutos em comento, portanto, reside no fato de se ter ou não a realização do lançamento, constituindo o crédito tributário. No caso da alíquota zero, o lançamento fiscal é efetivamente realizado, enquanto no caso da isenção o lançamento é inibido.

Outra distinção que pode ser percebida entre os dois institutos é relativa ao modo como são instituídos. Enquanto as isenções, conforme já analisado, só podem ser instrumentalizadas por meio de lei, “os produtos ou operações tributadas à alíquota zero não o são por expressa disposição legal, mas ganham tal condição por ato do Poder Executivo”. (BÚRIGO, 2008, p. 95).

As situações de alíquota zero geralmente são instituídas no âmbito dos chamados tributos regulatórios, com finalidade precipuamente extrafiscal, como os impostos de importação (II) e exportação (IE). É comum, por exemplo, que a alíquota do IE de grande parte das mercadorias seja reduzida a zero, como forma de estimular as exportações do país. (ALEXANDRE, 2012, p. 144).

3.2.5 Isenções onerosas e não onerosas

Dentre as possíveis classificações relativas às isenções, destacar-se-á, no presente trabalho, aquela que as divide em onerosas e não onerosas.

Seguindo o entendimento adotado pelo professor Eduardo Sabbag, para que se possa compreender o tema, é necessário se ter em mente outros dois critérios classificatórios, os quais, uma vez somados, comporão a mencionada divisão. Trata-se dos critérios de classificação relativos à sua natureza e ao seu prazo.

Quanto à natureza, as isenções podem ser catalogadas como condicionadas e incondicionadas.

Podem ser entendidas como condicionadas aquelas isenções que, para que sejam concedidas e fruídas, sujeitam os interessados ao preenchimento de determinadas condições estabelecidas na lei (AMARO, 2011, p. 315). São estabelecidos, portanto, direitos e obrigações tanto para o Fisco quanto para o contribuinte.

Oportunas são as palavras de Rosa Junior (1997, p. 586):

A isenção condicionada corresponde a expediente comum de política fiscal utilizado pelo Estado visando a atrair a iniciativa privada para prestação de serviços que entende de natureza relevante, ou objetiva atrair indústrias a se localizarem em determinadas regiões, em contrapartida do oferecimento da vantagem da isenção.

Incondicionadas, em sentido oposto, são as isenções que não dependem do implemento de nenhum tipo de contraprestação por parte do contribuinte. A lei isentiva simplesmente concede o benefício, por mera liberalidade fiscal, sem estabelecer qualquer condição aos interessados.

No que se refere ao prazo, as isenções são divididas entre aquelas por prazo certo e aquelas por prazo indeterminado.

Isenções por prazo certo, como o próprio nome já revela, são aquelas em que a lei estabelece previamente um determinado lapso temporal para a sua vigência. Uma vez esgotado o período estabelecido, a isenção concedida não mais produzirá efeitos para o seu beneficiário.

Em contrapartida, quando a lei instituidora do benefício não estabelece um período de tempo determinado para a sua vigência, tem-se as denominadas isenções por prazo indeterminado. Trata-se, portanto, daquelas isenções que produzem seus efeitos indefinidamente, sem a previsão de um termo final. 

Isso não significa, entretanto, que tais isenções vigorariam ad aeternum, sem possibilidade de revogação, como se terá a oportunidade de analisar mais adiante.

Pois bem, considerando as classificações acima explanadas, pode-se agora passar ao exame da distinção entre isenções onerosas e não onerosas.

Isenções onerosas podem ser entendidas como aquelas que são concedidas sob determinadas condições e por prazo certo. Tem-se aqui, portanto, a junção das duas classificações acima delineadas, sendo exigidos dois requisitos cumulativos para que uma isenção possa ser caracterizada como onerosa, quais sejam: o condicional e o temporal. (SABBAG, 2014, p. 927).

Oportuno ressaltar que boa parte da doutrina considera a expressão “isenção onerosa” como sinônima de “isenção condicionada”. Opta-se, contudo, por aqui perfilhar o entendimento de Eduardo Sabbag, que compreende a onerosidade como o somatório dos critérios condicional e temporal, conforme exposto.

São consideradas não onerosas, por sua vez, as isenções que não preenchem os dois requisitos necessários à caracterização da onerosidade. São aquelas classificadas como incondicionadas ou por prazo indeterminado, ou seja, aquelas nas quais a lei isentiva não impõe qualquer condição para a sua fruição, ou não estabelece um termo final para sua vigência.

3.2.6 Revogação de isenções

Nas palavras de Pontes de Miranda (1987, p. 434), “revogar é retirar a voz”. A revogação é o instituto por meio do qual uma norma jurídica perde a sua vigência, ficando sem obrigatoriedade.

É figura jurídica que “implica a cisão da vigência de determinada norma jurídica: uma vez revogada, a norma passa a não ter mais força para reger os fatos jurídicos que relatem um período temporal do evento posterior à vigência da norma revogatória”. (GRIZ, 2012, p. 260).

A doutrina costuma falar em duas espécies de revogação, de acordo com a sua abrangência: a ab-rogação ou a derrogação. A primeira ocorre quando se tem a revogação de todo o conteúdo da norma legal, ou seja, a supressão total da norma. A segunda implica supressão apenas parcial.

No campo das isenções tributárias, o art. 178 do Código Tributário Nacional estabelece regra acerca de sua revogabilidade, nos seguintes termos:

Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.

Considerando os dizeres insertos no dispositivo, fácil perceber que o legislador estabeleceu, como regra geral, a possibilidade de revogação e modificação das isenções, a qualquer tempo, desde que realizadas por meio de lei. Admite-se, portanto, que uma isenção seja ab-rogada (totalmente revogada), ou derrogada (parcialmente revogada), ao alvitre do legislador. (CARVALHO, 2011, p. 577).

Com efeito, do mesmo modo que ocorre com a instituição de uma isenção, somente a lei é instrumento hábil para a sua revogação.

Na visão de Ricardo Lobo Torres (2003, p. 282), a revogação de uma isenção acarreta a reaquisição da eficácia da norma impositiva de tributação, a qual havia sido suspensa por força da lei isentiva. Luciano Amaro (2011, p. 311) preleciona que a revogação da norma isentiva equivale à edição de norma de incidência tributária.[11]

Seja como for, uma vez revogada a norma isencional, surge para o Fisco o direito de cobrar o tributo antes isento, não podendo mais o contribuinte se furtar do dever de pagá-lo.

       Muito embora seja admitida a revogabilidade de uma isenção como regra geral, o texto legal estabeleceu exceção, de forma a existirem certas isenções que não passíveis de serem revogadas, ainda que por meio de lei.

Trata-se das isenções concedidas “por prazo certo e em função de determinadas condições”. Ao utilizar essa expressão, fica claro que o legislador fez referência às isenções onerosas, já analisadas no presente trabalho: aquelas que são, concomitantemente, condicionadas e temporais.

O Supremo Tribunal Federal já há muito tempo adota esse entendimento, tendo, inclusive, consubstanciando-o na Súmula nº 544, de 1969, com o seguinte teor: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.

Ressalte-se que a redação original do art. 178 do CTN definia, como exceção à regra da revogabilidade, a isenção concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições. A Lei Complementar nº 24, de 1975, contudo, alterou o texto legal, substituindo o termo “ou” pelo vocábulo “e”.

À vista disso, após a mudança implementada pela referida lei complementar, passou a ser inegável a exigência dos dois requisitos, de forma cumulativa, devendo ser a isenção, além de condicionada, a prazo certo.

Com efeito, não bastaria ser a isenção condicionada, independentemente de ser ou não por prazo certo, para que ficasse impedida a sua revogação. Tratando-se de caso de isenção concedida sob determinadas condições, mas sem determinação de prazo, a possibilidade de revogação deve ser reconhecida.

Afinal, não se poderia admitir que um benefício concedido por prazo ilimitado pudesse vincular permanentemente o Fisco, tendo em vista que “o princípio da preponderância do interesse público sobre o privado impede que a Administração se sujeite ao cidadão por tempo indeterminado. O máximo que pode haver é a sujeição temporária”. (BARBOSA SOBRINHO; JESUS; et al, 2011, online).

Dessa maneira, apenas as isenções concedidas por prazo determinado – e sob certas condições – têm sua revogação obstada. São esses os dois requisitos caracterizadores da onerosidade de uma isenção.

Entende-se que, nesses casos de isenções onerosas, o benefício é incorporado ao patrimônio do contribuinte, gerando direito adquirido, de forma a só se admitir a sua supressão, antes do fim de seu prazo, se houver o descumprimento pelo contribuinte da condição estabelecida na lei isentiva. (ROSA JUNIOR, 1997, p. 594).

Na visão Pontes de Miranda (1987, p. 434, grifos do autor), a regra referente à irrevogabilidade, apesar de explícita no art. 178 do CTN, nem precisaria estar na lei escrita, pois “quem fala de prazo a favor de alguém atribui direito. Desde o dia da promessa há o direito adquirido”.

De fato, não se poderia tolerar a revogação nessas situações de concessão de isenções onerosas, tendo em vista que a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXVI, traz significativa proteção ao direito adquirido, ao estabelecer que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Tal disposição ostenta, inclusive, o caráter de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF/88).

Conveniente se faz o exemplo utilizado por Ricardo Alexandre (2012, p. 472):

A título de exemplo, imagine-se uma lei que conceda isenção de ICMS por dez anos (prazo certo) para as empresas que se instalarem no interior de Pernambuco e produzam mamona destinada à utilização no processo de produção de biodiesel (condições). A empresa que tenha cumprido os requisitos durante a vigência da lei concessionária tem direito adquirido à isenção, que não pode ser revogada.

Hugo de Brito Machado (2006, p. 244) entende que se trata de situações em que, muitas vezes, o contribuinte é incentivado, diante do benefício isencional, a se envolver com atividades que normalmente não desenvolveria, podendo sofrer graves prejuízos se tal benefício lhe for suprimido. Aduz o referido autor que, “nestes casos, a retirada da isenção representaria um ludíbrio, sendo, portanto, inadmissível”.

 No mesmo sentido, confira-se os esclarecimentos de Borges (1969, p. 96):    

Se nessas circunstâncias fosse juridicamente possível a cessação de plano da fruição do benefício fiscal, restabelecido total ou parcialmente o ônus da tributação, ninguém arriscaria seu futuro financeiro; ninguém acudiria aos acenos do Estado, através da legislação de incentivos fiscais, particularmente em matéria de isenções.

Dessa forma, entende-se que não podem as isenções onerosas ser extintas antes do prazo assinalado na lei isentiva, já que protegidas pelo instituto do direito adquirido, a não ser que haja o descumprimento pelo contribuinte das condições impostas para a sua fruição.

Nesse tocante, cabe ainda ressaltar a previsão constante no § 2º do art. 41 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Confira-se o teor do dispositivo:

Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.

[...]

§ 2º - A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo.

O comando legal acima reproduzido assegura aos contribuintes proteção quanto à revogação de incentivos fiscais – entre os quais se incluem as isenções – anteriores à Constituição Federal de 1988, desde que concedidos sob condição e com prazo certo. Confirma, portanto, o caráter de irrevogabilidade das isenções onerosas nos mesmos moldes previstos pelo art. 178 do CTN, vale dizer, com a exigência cumulativa dos requisitos condicional e temporal.

Com essa previsão, nota-se um acentuado fortalecimento do direito adquirido do contribuinte, o qual recebeu proteção inclusive do legislador constituinte originário. Nas palavras de Hugo de Brito Machado Segundo (2013, p. 389), “até mesmo o Poder Constituinte originário, que ‘tudo pode’, respeitou o direito adquirido de quem obteve isenções onerosas e a prazo certo antes da CF/88”.

O dispositivo em comento, como visto, reforça a impossibilidade de revogação de isenções onerosas antes do término do prazo para o qual foram concedidas. Quanto às isenções ofertadas antes da vigência da CF/88, essa impossibilidade é garantida pelo art. 41, § 2º, do ADCT. Já no que concerne às isenções posteriores à atual Carta Magna, a proteção ao direito adquirido fica por conta do art. 178 do CTN.

Em sentido oposto, no que tange às isenções não onerosas, não há que se falar em direito adquirido do contribuinte. A extinção de uma isenção depende apenas da livre apreciação do legislador, por motivos de conveniência e oportunidade: “se a ele não se configura mais conveniente ou oportuno perseverar a isenção, pura e simplesmente revoga-a”. (BORGES, 1969, p. 96).

Um outro aspecto que merece ser destacado quanto ao tema é a necessária distinção que deve ser feita entre a revogação da isenção onerosa e a revogação da lei isentiva. O que se proíbe é apenas a revogação do próprio benefício isencional, mas nunca a revogação da lei que o concede.

Admitir-se o contrário seria incorrer em patente inconstitucionalidade, tendo em vista que não se pode impedir o Poder Legislativo de revogar uma lei, sob pena de ferir a independência expressamente assegurada pela Constituição Federal a esse poder.[12]

Dessa forma, pode-se imaginar a hipótese de ser concedida uma isenção onerosa e, no curso do seu período de vigência, ocorrer a revogação da lei que a veicula. Nesse caso, “todos aqueles que experimentavam o benefício antes da revogação, tendo cumprido os requisitos que o legitimam a tanto, deverão manter-se fruindo a benesse legal, pelo prazo predeterminado, mesmo após a data de revogação da norma”. (SABBAG, 2014, p. 927).

De modo diverso, Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (1997, p. 594) entende que, em caso de revogação da lei isentiva, o benefício também seria revogado, devendo o contribuinte ser indenizado pelos prejuízos que tenham sido ocasionados com a dita revogação.

Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 577) partilha do mesmo entendimento, ao admitir que as isenções onerosas, em nome do interesse público, poderiam ser revogadas, desde que fosse concedida ao contribuinte justa indenização pelos prejuízos do inadimplemento contratual.

No entanto, esse posicionamento, que acaba por relativizar a irrevogabilidade de isenções onerosas prevista no art. 178 do CTN, não prevalece nos dias atuais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Rebeca Lima. O princípio da anterioridade tributária e a revogação de isenções não onerosas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4660, 4 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47875. Acesso em: 4 mai. 2024.

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