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O princípio da anterioridade tributária e a revogação de isenções não onerosas

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04/04/2016 às 11:55
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe-se a existência de uma clara controvérsia envolvendo o tema da aplicação do princípio constitucional da anterioridade tributária às hipóteses de revogação de isenções não onerosas.

Segundo entendimento usual, o cerne da questão derivaria da corrente adotada para conceituar o instituto da isenção.

De um lado, abraçando a tese de que a isenção impediria a incidência da norma impositiva tributária – obstando, portanto, a ocorrência do fato gerador da obrigação –, a doutrina pátria majoritária defende a obediência à anterioridade no momento da revogação de um benefício isencional. Consideram que a revogação de uma isenção equivaleria à edição de uma lei impositiva tributária, criando ou majorando tributo, de forma a ser exigida a aplicação do princípio.

Para esses doutrinadores, a necessidade de observância da anterioridade estende-se a qualquer espécie tributária, e não somente aos impostos sobre o patrimônio e a renda expressamente apontados no art. 104, inc. III, do Código Tributário Nacional, devendo, pois, tal dispositivo legal ser interpretado à luz da atual Constituição Federal.

Do outro lado, em sentido oposto, figura o Supremo Tribunal Federal, mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro, entendendo pela não observância da anterioridade, por considerar que as situações em comento não poderiam ser equipadas à instituição ou majoração de tributo.

Em inúmeras decisões, a Suprema Corte deixou claro seu acolhimento ao conceito clássico de isenção, entendendo que o instituto pressupõe a incidência da norma de tributação, podendo ser caracterizado como a mera dispensa legal do pagamento do tributo. Para o Tribunal, portanto, há a ocorrência do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária, de forma que a norma revogadora da isenção não configuraria uma nova hipótese de incidência. São esses os argumentos utilizados pela Corte para sustentar a não aplicação do princípio da anterioridade.

Ademais, entende o STF que o disposto no art. 104, inc. III, do CTN estaria restrito aos impostos sobre patrimônio e a renda, o que culminou, inclusive, na edição da Súmula nº 615.

Ocorre que, como visto, o entendimento jurisprudencial adotado confere ao princípio da anterioridade interpretação que não se coaduna com a razão de ser da norma constitucional. Existindo com o intuito de proteger o contribuinte diante de lei tributária mais gravosa, e, mais ainda, consistindo direito fundamental do contribuinte, a anterioridade deve sim ser observada no momento da revogação de uma isenção, tendo em vista que essa situação acarreta, inegavelmente, uma imposição tributária nova e inédita.

Observa-se que, independentemente do conceito de isenção adotado, essa é a única conclusão a que o texto constitucional se permite chegar. A abordagem do princípio da anterioridade, bem como de qualquer princípio constitucional, deve ser realizada de forma a otimizá-lo, dando máxima efetividade às disposições previstas na Constituição.

Pelo exposto, enseja-se a necessidade de revisão da jurisprudência pátria, para que se conforme ao texto constitucional, estendendo a observância do princípio da anterioridade aos casos de revogação de isenções não onerosas, em homenagem à segurança jurídica que deve permear a relação entre o contribuinte e o Poder Público.


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Notas

[1]CF/88, art. 5º, XXII: “é garantido o direito de propriedade”.

[2]Segundo Carrazza (2012, p. 212), o princípio da irretroatividade, por sua vez, voltando-se a fatos pretéritos, corporifica a ideia de estabilidade.

[3] CF/88, art. 150: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

[4] Em sentido contrário, Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 209, grifou-se) entende que “a vigência da lei que institui ou aumenta tributo deve ficar protraída para o ano seguinte ao de sua publicação [...]”.

[5] STF, ADI 4016-2/PR, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01/08/2008.

[6] Art. 141, § 34: “Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”.

[7] CF/88, art. 60, § 4º: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais”.

[8] No mesmo sentido: Harada, 2011, online.

[9] STF, RE 407.099/RS, 2ª T., rel. Min. Carlos Velloso, j. 22/06/2004.

[10] CF/88, art. 150, § 2º: “A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”.

[11] Ressalte-se que referidos autores filiam-se ao conceito moderno de isenção, que a define como hipótese de não incidência qualificada.

[12] O art. 2º da CF/88 assegura independência aos três Poderes, nos seguintes termos: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

[13] Nesse sentido: AMARO, 2011, p. 147; ROSA JUNIOR, 1997, p. 596; TORRES, 2003, p. 282; entre outros.

[14] Art. 153, § 29: “Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o impôsto sôbre produtos industrializados e o imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição”. Trata-se de dispositivo da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1/69.

[15] STF, Medida Cautelar na ADI 2325/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 23/09/2004.

[16] LINDB, art. 2º, § 3º: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Rebeca Lima. O princípio da anterioridade tributária e a revogação de isenções não onerosas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4660, 4 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47875. Acesso em: 17 jun. 2024.

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