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As restrições financeiras de último ano de mandato

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7-    A norma mais polêmica da Lei de Responsabilidade Fiscal: o art. 42

Tal dispositivo proíbe que, nos últimos oito meses do mandato, realize o gestor obrigação de despesa sem a correspondente disponibilidade de caixa.

O não cumprimento enseja, no mais das vezes, parecer desfavorável das Cortes de Contas e, à vista do art. 359-C do Código Penal, remessa dos autos ao Ministério Público para responsabilização do chefe do Poder Executivo.

Aqueles embaraços geram óbvio temor entre os dirigentes do Poder Executivo, daí fortalecendo equivocadas interpretações do sobredito preceito.

Ante o fato de, no Município, a edição da lei coincidir com o final do mandato 1997-2000, pensou-se, logo de início, que o art. 42 exigia quitação de todo o estoque de Restos a Pagar. 

Tal leitura não considerou que o preceito alcança os oito últimos meses do mandato e, mesmo que diferente fosse, impraticável para o gestor, entre maio e dezembro de 2000, honrar todos os gastos havidos em tal período e, mais ainda: equacionar os alentados débitos de anos anteriores.

Diante desse equivocado entendimento, sucederam-se desastradas manobras; foi bem o caso da anulação de despesas já aptas a pagamento (liquidadas), uma evidente fraude contra balanços e credores; foi também a prática de transferir débitos de curtíssimo prazo, os Restos a Pagar, para a dívida de longo curso (consolidada).

Outro erro interpretativo indicava que, celebrada nos oito meses da vedação, a totalidade da obrigação necessitaria de amparo monetário, ainda que grande parcela da despesa se realizasse, fisicamente, em anos subsequentes.

Nada razoável aquela dicção; fulminava o princípio da anualidade do orçamento, reclamando, de pronto, receita atual para gasto efetivado, realmente, nos exercícios seguintes.

Com efeito, assim dispõe, para obras e serviços, a Lei de Licitações e Contratos:

“Art. 7º, § 2º - “As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: (....)

III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma.

Ainda, de lembrar que o anteprojeto de responsabilidade fiscal foi bastante modificado na Câmara dos Deputados, mediante Substitutivo do qual participou, ativamente, o então consultor Wéder de Oliveira, hoje ministro substituto do Tribunal de Contas da União (TCU). Pois bem, assim sustenta referido especialista: “se estivermos falando de obra plurianual, ou seja, que deva ser objeto de alocação de recursos em mais de um orçamento anual, o prefeito não estará obrigado a prover recursos financeiros para pagar a parcela da obra que será executada com dotação do orçamento seguinte”  2

Superadas aquelas duas controvérsias, hoje se defende, com bastante vigor, que o art. 42 nada tem a ver com despesas pretéritas, contraídas antes dos oito meses da vedação fiscal, isto é, as gigantescas despesas preexistentes ao tempo da regra (folha de pagamento, encargos patronais, contratos de serviços continuados e de obras, entre tantas outras).

Postula essa corrente que os Tribunais de Contas analisem os contratos dos dois últimos quadrimestres, no escopo de distinguir se o gasto é antigo ou novo, remetendo-se apenas este último ao cômputo do artigo em debate.
Frente a tal postulado, afigura-se, de pronto, dificuldades conceituais e operacionais; citam-se alguns exemplos: a) confissão de dívida feita em agosto do último ano é uma nova despesa, considerando que o dispêndio já era da competência de anos pretéritos? b) é nova obrigação admitir servidores em função do desligamento de outros funcionários? c) é gasto novo o aditamento contratual de obra iniciada no ano anterior? 

Além disso, essa tese tem sua operacionalidade tremendamente prejudicada em governos que movimentam muitos bilhões de reais (ex.: União, Estado e Município de São Paulo).

De outra parte, a Lei de Responsabilidade Fiscal combate o desequilíbrio entre receitas e despesas, daí evitando o aumento da dívida pública, quer de curto ou de longo prazo.

Assim, os antecedentes gastos, previsíveis, de há muito, no planejamento orçamentário, deveriam contar com amparo de caixa, sobretudo no tempo de maior cautela contra o déficit/dívida: o período eleitoral. 

Do contrário, se estaria laborando na contramão do querer legal, sancionando dívida maior, a ser enfrentada pelo próximo mandatário. 

Não bastasse isso, gestores irresponsáveis pagariam as novas despesas, aquelas contraídas entre maio e dezembro do último ano, deixando descobertas as geradas em época precedente, às quais, tal qual sabido e consabido, têm maior vulto; relacionam-se, no mais das vezes, à operação e manutenção da máquina pública (folha de pagamento, encargos patronais, contratos continuados).

Fariam isso pois sabem que, regra geral, nenhuma punição alcança os descumpridores da ordem cronológica de pagamentos (art. 5º da Lei nº 8.666, de 1993).

Se a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe vários mecanismos contra o déficit e a dívida, não seria em época mais tormentosa, a eleitoral, que tal intento seria afrouxado.

De mais a mais, dispõe o art. 42, em seu parágrafo único, que, na fundamental apuração da disponibilidade de caixa, há de se considerar “os encargos e despesas compromissadas a pagar até o fim do exercício”, agregado que inclui todo e qualquer débito de caixa, assumido antes ou depois de 30 de abril do último ano de gestão.

Em suma, não é só o gasto novo que precisa de saldo de caixa; o preexistente também disso necessita; nada mais óbvio.

É bem isso o que leciona manual do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCESP:

“Sendo assim, o art. 42 da LRF deve ser examinado à vista dos seguintes pressupostos:

.....................

Em face de sua previsibilidade, as despesas continuadas, não-geradas, propriamente, entre maio e dezembro, precisam essas, mais do que as novas, de suporte de caixa. Se assim não fosse, estaria sancionada afronta à responsabilidade fiscal, validando-se empenhos sem cobertura financeira e, disso decorrente, o déficit orçamentário e o aumento da dívida pública”  3

Com isso, não impõe a Corte Paulista de Contas que o Município, nos últimos oito meses, nem ao menos reduza o saldo descoberto de gastos a pagar, tampouco que, no derradeiro exercício, conquiste superávit orçamentário. Ao contrário, aquele Tribunal indica que, em tal período, não se aumente, ainda mais, os débitos sem cobertura monetária, devendo ocorrer, em tal período, simples equilíbrio frente à situação financeira de 30 de abril.

Agindo desse modo, tal Casa de Contas evita que se transfira mais ônus ao futuro mandatário, além dos que habitualmente já são repassados (déficit financeiro, parcelamento de precatórios, INSS, FGTS, PASEP, entre outros).

Nesse passo, compara o TCE-SP o saldo monetário de dois períodos: 30 de abril e 31 de dezembro; no caso de piora financeira (elevação do saldo descoberto), tem-se não cumprido o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal. 

De outra parte e caso haja liquidez de caixa naquele primeiro período (30 de abril), todo o excesso monetário pode ser consumido nos tais 8 meses, desde que, claro, não se entregue um déficit financeiro ao sucessor. É dessa forma porque, mesmo assim, todas os gastos encontraram cobertura entre maio e dezembro do último exercício de gestão.


8-    Abril de 2016 – prazo terminativo para reconduzir a despesa de pessoal

Quando o gasto de pessoal ultrapassa seu próprio limite, a Lei de Responsabilidade Fiscal, nos art. 23, faculta período de ajuste: de dois quadrimestres.

Só depois disso é que se aplicam as sanções administrativas e pessoais, entre elas o corte de transferências voluntárias de outros entes federados, bem assim o impedimento de obter garantias e contratar empréstimos e financiamentos e, também, uma robusta multa ao ordenador de despesa, correspondente a 30% de seus vencimentos anuais (LRF, art. 23, § 3º e art. 31, § 1º e 2º).

E só depois daqueles oito meses de adaptação, é que as Cortes de Contas podem recusar o balanço que mostra extrapolação da despesa laboral.

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De todo modo, bom lembrar que, no atual cenário de negativo crescimento da economia (PIB), passa a ter eficácia o art.66 da Lei de Responsabilidade Fiscal, duplicando o prazo de ajuste do dispêndio com folha de pagamento e reflexos (de oito para dezesseis meses).

Contudo, aquela duplicação temporal não valerá a partir de abril de 2016; isso porque, em ano eleitoral, deve o Prefeito ajustar as contas para o sucessor, daí se aplicando a seguinte norma da Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 23. – (.....)

§ 4o - As restrições do § 3o aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20.

Em outras palavras e desde que, em abril de 2016, a Prefeitura tenha gasto, com pessoal, mais de 54% da receita corrente líquida, a partir daquele mês já se aplicam as antes mencionadas penalidades fiscais e a recusa de contas por parte do Controle Externo.

Assim, os Chefes do Poder Executivo devem atentar, rigorosamente, para a evolução da despesa com pessoal e da dívida de longo prazo (consolidada), visto que inexistirá, no último ano de mandato, o período de recondução franqueado em períodos não-eleitorais.


9-    Empréstimos e Financiamentos (ARO: os doze meses do ano eleitoral; Operações Normais de Crédito: 120 dias antes do pleito).

No último ano de mandato dos Chefes de Poder Executivo, não se pode contratar as operações de crédito por antecipação da receita orçamentária, as chamadas ARO (art. 38, IV, “b” da LRF). 

De curto prazo, tais empréstimos visam cobrir insuficiência de caixa, ou seja, falta de dinheiro para despesas realizadas, vindo isso a denotar má planificação financeira.

Muito usuais em tempos passados, hoje as extraorçamentárias ARO são pouco utilizadas, sobretudo porque a Lei de Responsabilidade Fiscal e certas Resoluções do Senado opuseram rigorosas condições de contratação, nisso sobressaindo o leilão eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil (art. 38, § 2º da LRF).

Não é demais lembrar que, em face de seus elevadíssimos juros e encargos, tais empréstimos muito oneraram as finanças de Estados e Municípios brasileiros.

Quanto às operações normais de crédito, de índole orçamentária, Resolução Senatorial impede-as 120 dias antes do término do mandato executivo.


10-    Empenho da Despesa no Último Mês de Mandato

A Lei nº 4.320, de 1964, impede que, no último mês da gestão política, empenhe o Prefeito mais do que o duodécimo da despesa prevista. É o que determina o § 1º do art. 59:

“Artigo 59 – O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos orçamentários.

§ 1º - Ressalvado o disposto no art. 67 da Constituição Federal, é vedado aos Municípios empenhar, no último mês de mandato do Prefeito, mais do que o duodécimo da despesa prevista no orçamento vigente”.

Argumentam alguns que não foi recepcionado pela Carta de 1988 o transcrito § 1º, conquanto hoje a posse dos Prefeitos acontece em 1º de janeiro e, não, como antes era, em março.

Dizem outros que tal regra foi derrocada por preceito mais recente, o art. 42 da LRF, vez que este abrange a execução orçamentária dos dois últimos quadrimestres do mandato e, não, como é na sobredita regra, apenas o último mês da gestão.

De nossa parte, acreditamos que uma norma não invalida a outra.

De fato, o art. 42 da LRF baseia-se no contexto financeiro, no lastro monetário para gastos empenhados entre maio e dezembro do último ano de mandato. Já, o § 1º do art. 59 da Lei 4.320 funda-se no cenário orçamentário; impede que o Prefeito empenhe, em dezembro do ano de eleição, mais do que o duodécimo da despesa prevista em orçamento e nos seus créditos adicionais.


Notas

1.  Art. 73. São proibidas aos agentes públicos ... (...) VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

2.  In O Artigo 42, a Assunção de Obrigações no Final de Mandato e a Inscrição em Restos a Pagar, Brasília, 2000, disponível no site www.federativo.bndes.gov.br).

3.  “Lei de Responsabilidade Fiscal” – 2ª. edição – www.tce.sp.gov.br.

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Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. As restrições financeiras de último ano de mandato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4665, 9 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47972. Acesso em: 26 abr. 2024.

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