A não regulamentação do imposto sobre grandes fortunas.

Seu reflexo sob a perspectiva da capacidade contributiva e da justiça fiscal

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08/04/2016 às 13:34
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5             PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À INSTITUIÇÃO DO IGF

Hugo de Brito Machado[39] destaca que o IGF ainda não foi instituído por questões de ordem meramente políticas, O referido autor propõe que a falta de regulamentação tem intrínseca relação ao favorecimento pessoal, e que os argumentos contrários a sua regulamentação se mostram inconsistentes por diversos motivos, vejamos:

“Há quem aponte dificuldades técnicas para a tributação das grandes fortunas. Seriam problemáticas a identificação e a avaliação dos bens. O argumento é inconsistente. Os bens que integram as grandes fortunas são os mesmos cuja transmissão de propriedade é tributada. Se a título oneroso, pelo Município. Se a título gratuito, ou em virtude de sucessão por causa da morte, pelo Estado. E ninguém sustentou a inviabilidade do imposto de transmissão causa mortis e doação, de que trata o art. 155, I, nem do imposto de transmissão inter vivos, de que trata o art. 156, II, da CF.

O verdadeiro motivo da não instituição do imposto sobre as grandes fortunas é de ordem política. Os titulares de grandes fortunas, se não estão investidos de poder, possuem inegável influência sobre os que exercem.”

O argumento do referido autor é extremamente consistente, pois apesar das aparentes dificuldades, quais sejam determinar o real papel da lei complementar, assim como definir o que seria uma grande fortuna, os benefícios que a instituição desse imposto para nosso ordenamento jurídico são inúmeros.

Em primeiro lugar, é fato constado que os ricos são menos tributados que os mais pobres. Logo, em virtude desse modelo de tributação extremamente desigual faz-se necessário que o IGF seja regulamentado afim de que sane tais disparidades, apenas o atual modelo de tributação progressiva de renda não é eficaz para angariar os recursos necessários, como principalmente não se mostra como um modelo de tributação justo, em virtude de que no caso do imposto de renda, por exemplo, sua alíquota máxima atual não ultrapassa os 27,5%. Logo, a regulamentação do IGF, dentre outros benefícios, seria um meio extremamente necessário para fazer valer a justiça fiscal através da oneração equitativa dos contribuintes. Amir Khair[40] indica os principais argumentos para justificar o seu apoio à criação do IGF:

Em vez de afugentar, deve atrair mais o capital ao permitir a desoneração do fluxo econômico, gerando maior consumo, produção e lucros. Não teria nenhum conflito com os impostos existentes, pois sua base tributária é o valor total dos bens. Quanto às dificuldades de avaliação dos títulos mobiliários, o registro eletrônico das transações e as posições fornecidas pelos bancos podem resolver o problema. […] A regulamentação do IGF irá diminuir a forte regressividade do sistema tributário, descentralizar mais recursos para Estados e Municípios, desonerar a folha de pagamento das empresas, contribuindo para reduzir a  informalidade e com isso gerar empregos e desenvolvimento.

Importante ressaltar que, o argumento que estabelece que a inserção do IGF configuraria dupla tributação sobre a renda, estaria excluído, pois tal imposto visa tributar grandes fortunas, algo extraordinário e incomum, que em nada se equivale com a renda que é fato comum, ordinário, o caráter do IGF é de ser um imposto complementar. Corroborando para esse entendimento o Sindfisco[41] Nacional após um série de estudos realizados emitiu relatório no ano de 2010 e assim opinou sobre o tema:

(...) A análise das propostas legislativas sobre o imposto mostrou que este problema é facilmente evitado excetuando-se do valor a pagar do IGF o valor efetivamente pago de tributos como o ITR, ITBI, ITCMD, IPTU e IPVA, incidentes sobre bens constantes na declaração de rendimentos.

O planejamento tributário é praticado em todos os sistemas tributários do mundo. O Brasil não é exceção e nem o IGF o será. Não se deve temer o planejamento, nem tampouco utilizá-lo como argumento contra a justiça tributária. Deve-se, sim, enfrentá-lo de maneira adequada, produzindo legislações modernas, claras, objetivas e ágeis, com reduzidas lacunas e menores possibilidades de elisões e sonegações. Evitar-se-ia, desta maneira, um dos maiores problemas inerentes ao planejamento tributário, qual seja, o uso abusivo de contestações administrativas e judiciais que sobrecarregam o fisco e o poder judiciário, contribuindo para a redução da sua eficiência. A arrecadação, do IGF e dos demais tributos ganharia, assim, contornos de verdadeira efetividade.

Henry Tilbury[42], de igual modo constata que o IGF é por si só, o melhor instrumento de efetivação de controle da administração tributária, que se daria a partir da distribuição de riqueza, segue a opinião, in verbis:

A redistribuição da riqueza seria outro efeito benéfico do IGF, que funcionaria também como instrumento de controle da administração tributária, mediante o cruzamento de dados com base nas declarações da renda auferida, dos bens para o IR ou o IGF e das parcelas do patrimônio consideradas para tributações específicas. Haveria, assim, menor possibilidade de evasão de diversos tributos.

A instituição do IGF seria um meio de elidir a evasão, assim como a elisão fiscal. A evasão através de simples medidas, como a integração dos sistemas de informação dos dados. Mas em contrapartida a esse argumento surge o estudo do Sindfisco[43] Nacional que demonstra ser possível haver controle na arrecadação do Imposto Sobre Grandes Fortunas:

As experiências internacionais demonstram que é possível um controle anual e atualizado de todo o patrimônio declarado pelos contribuintes. Assim como o IRPF é processado, o IGF também o seria, gerando um banco de dados de informações estatísticas que permitiram aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil o controle e acompanhamento, para efeitos de fiscalização, do patrimônio declarado e da sua evolução. O trabalho fiscal, promovendo o cruzamento de dados entre declarações permitiria também a identificação de movimentações patrimoniais suspeitas, ou seja, daqueles contribuintes que, na tentativa de fraudar o fisco, tentassem transferir seu patrimônio para outrem. Atualmente, controle semelhante é possível para efeitos de fiscalização do imposto incidente sobre os ganhos de capital com a alienação de bens e direitos. Os cartórios informam ao fisco, anualmente, os registros de imóveis. O cruzamento destas informações com o patrimônio declarado e com o valor do imposto permite identificar os casos sujeitos ao recolhimento e não submetidos à tributação, aplicando-lhes as sanções legais e tributárias cabíveis. As doações entre terceiros também constam da declaração do IRPF e estão.

No tocante a sua contribuição para suavizar as disparidades causadas pela concentração de renda nas mãos de uma camada ínfima da sociedade, Francisco José Santos da Costa[44], apesar de fazer citações negativas, em seu artigo também defende a os Atos e Disposições Constitucionais Transitórias, o qual o artigo 80 do ADCT já prevê uma destinação para o valor da arrecadação do IGF, vejamos a opinião do autor:

"O imposto que incide sobre grandes fortunas possuiria como objetivo a prática da justiça social, através da redistribuição da renda proveniente da arrecadação deste imposto. Tal finalidade está inserida nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias em seu art. 80, inciso III, da seguinte forma: "Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: [...]

 

 III – o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da Constituição".

Cumprir-se-á então, com a instituição do IGF, a verdadeira finalidade dos impostos, pois esses têm como fundamento a justiça social, através da distribuição da riqueza.

“Por isso o imposto já foi apelidado de “imposto Robin Hood” pelo procurador federal Carlos Vitor Bezerra, já que retirará o excesso dos ricos e o distribuirá com os pobres, confirmando então o princípio da capacidade contributiva”.

Como é possível perceber os argumentos favoráveis à instituição do IGF são inúmeros, não apenas argumentos, mas também demonstrações de que sua aplicação prática só trará benefícios a uma sociedade a qual possui uma das maiores concentrações de riqueza do mundo.


6             FALTA DE REGULAMENTAÇÃO DO IMPOSTO E AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

É fato que a desigualdade social que perdura em nosso país até hoje é fruto de um passado colonial, o qual a evolução econômico-social foi marcada pela grande concentração de riqueza.

A constituição Federal brasileira, já foi bastante inovadora ao instituir um imposto que tem como fato gerador a tributação de grandes fortunas, como foi visto em capítulos anteriores, há países em que não existe sequer a possibilidade de instituição de um imposto do tipo.

Nos dias atuais a discrepância entre a capacidade contributiva dos contribuintes é enorme, o rico paga proporcionalmente bem menos impostos que os pobres, o que enseja por si só, que o Legislador não fique inerte ao que ocorre no País, cabendo a ele estabelecer as regulamentações elementares para que o IGF possa ser de fato instituído em nosso sistema tributário.

Um estudo elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em 2012 reafirma este posicionamento ao anunciar que o Brasil é um dos principais países em que a concentração de renda dos mais ricos é uma das maiores do mundo.

Não há dúvidas que os prejuízos em decorrência da não regulamentação do IGF são superiores aos argumentos elencados por alguns estudiosos que corroboram para sua não instituição. Compartilhamos do posicionamento do Mestre José Afonso da Silva[45] o qual afirma que o imposto sobre grandes fortunas “será um imposto, se criado e bem administrado, de real importância para a redistribuição de rendas”.

Como mencionado por Amadei Neto[46], a falta de regulamentação do IGF extrapola o problema de arrecadação fiscal propriamente dita:

A abordagem da tributação sobre grandes fortunas está além da questão puramente fiscal, da enteléquia conceptual e da polêmica sobre a conveniência de seu implante no ambiente macroeconômico. O mandamento constitucional é ordem. A vontade de imprimir a legitima vontade de motivação social de justiça fiscal às finanças públicas fez emergir o imposto sobre grandes fortunas (IGF) do processo constituinte, até agora encravado no vigente art. 153, inciso VII da Constituição de 1988.

É de fácil percepção que e o IGF pode ser um grande aliado para sanar- ao menos em parte- questões sociais básicas de nossa sociedade, o artigo 80 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), já está estabelecido que o produto arrecadado por esse futuro imposto (IGF) deverá ser destinado ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, logo a regulamentação deste imposto será um avanço em detrimento da erradicação, principalmente da pobreza.

O Advogado e Professor Eduardo Sabbag após elaboração de pesquisa em parceria com a consultoria Capgemini, emitiu um relatório sobre as disparidades econômicas[47], segundo ele:

(...) O Brasil ocupa a 11ª posição no ranking dos países com mais pessoas milionárias (que possuem renda acima de um milhão de dólares). Segundo estudo publicado pelo banco Merrill Lynch, em parceria com a consultoria Capgemini, o número de brasileiros ricos aumentou de 131 mil em 2008 para 147 mil em 2009.

No Brasil, 87% dos privilegiados são considerados "ultrarricos", ou seja, possuem recursos para investimentos (o que exclui a residência, bens de consumo e bens duráveis, como veículos) superiores a 30 milhões de dólares.

Um relatório emitido pelo Banco Credit Suisse[48] no ano de 2014, calcula que atualmente cerca de 1.900 brasileiros contabilizam um patrimônio superior a US$ 50 milhões de dólares. o relatório prevê ainda um aumento de 47% no número de milionários brasileiros que deve atingir o montante de 332 mil adultos com riqueza acima de um milhão de dólares.

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Em linhas gerais, temos que a lógica da tributação no Brasil viola o Princípio da Igualdade (Equidade) e de igual forma o Princípio da Capacidade Contributiva. Tal princípio- como fora demonstrado ao longo deste estudo- determina que o financiamento do Estado pelo contribuinte deva ser feito levando-se em consideração sua capacidade econômica. O sistema tributário de só será de fato justo quando a progressividade verdadeiramente for alcançada.

Ainda no tocante as disparidades econômicas o tema tem ganhado o destaque que merece com a edição do livro “O Capital no século XXI”, de autoria do Economista francês Thomas Piketty, o qual em síntese demonstra ao longo de sua obra de quase 800 paginas que o acúmulo de capital é nefasto, e que as disparidades econômicas são um dos principais entraves ao desenvolvimento.

 Piketty é um dos grandes defensores do Imposto sobre Grandes Fortunas, prevê que as alternativas para sanar tais disparidades econômicas se dão através da adoção de políticas públicas corretivas à inércia existente, demonstrando que é através de uma maior tributação sobre a riqueza, em especial a financeira que as disparidades econômicas diminuirão.

Nada mais justo que aquele que detém fortuna exageradamente superior ao resto da população deva contribuir equitativamente ao Estado, objetivando respeitar ao princípio da capacidade contributiva propiciando aos demais um desenvolvimento digno. O ato de disposições transitórias, Art. 80 do ADCT já prevê que a destinação do IGF deva ir para um fundo que tem por objetivo erradicação da pobreza.

Francisco José Santos da Costa[49], apesar de fazer citações negativas, em seu artigo também defende os Atos e Disposições Constitucionais Transitórias:

“O imposto que incide sobre grandes fortunas possuiria como objetivo a prática da justiça social, através da redistribuição da renda proveniente da arrecadação deste imposto”. Tal finalidade está inserida nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias em seu art. 80, inciso III, da seguinte forma: "Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: [...]

III – o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da Constituição";

Cumprir-se-á então, com a instituição do IGF, a verdadeira finalidade dos impostos, pois esses têm como fundamento a justiça social, através da distribuição da riqueza.

 Conforme pudemos perceber o autor acredita que, além do objetivo maior que é a justiça social, a regulamentação do imposto cumprirá com o disposto no princípio da capacidade contributiva, pois como vimos, a base do Código Tributário Nacional é construída a partir do fundamento de que contribui mais quem obtiver maior capacidade para tanto.

Nota-se extrema necessidade de que haja uma ação efetiva por parte do legislativo para regulamentação do IGF, para que ele possa ser de fato cobrado, principalmente diante da atual conjuntura fiscal que se instalou em nosso país.

Diante do exposto é preciso entender que a implementação de fato do IGF em nosso sistema tributário é um enorme benefício, pois o princípio da equidade assim como o da capacidade contributiva, ambos poderão ser de fato respeitados, a partir de um modelo de tributação justo os quais ricos e pobres contribuirão na medida de suas capacidades.

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Sobre a autora
Juliane Hemann

Advogada. Bacharel em Direito da Universidade Federal da Paraíba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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