7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo principal uma investigação sobre o tema “A não regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas- seu reflexo sob a perspectiva da capacidade contributiva e da justiça fiscal”.
Passados 25 anos de sua inserção na Constituição Federal de 1988, até o presente momento não possui nenhum tipo de regulamentação a respeito, pairando em nosso ordenamento jurídico uma evidente omissão legislativa no tocante a seu delineamento legal.
Ademais, atestou-se que uma das soluções para tentar amenizar as disparidades econômicas existentes em nosso sistema tributário poderiam ser facilmente sanadas se algumas medidas reparadoras fossem estabelecidas, nesse sentido, a regulamentação no IGF se mostra como uma alternativa eficaz para combater as discrepâncias existentes.
Restou demonstrado ao longo desse trabalho de conclusão de curso que o princípio da capacidade contributiva, um dos princípios norteadores do sistema tributário, não é respeitado, e que em nosso modelo de tributação vigora um modelo de regressivo, o qual faz incidir uma maior carga tributária sobre a camada menos favorecida da população.
Tal constatação vai de encontro com o que afirma grande parte da doutrina pátria, que assevera que modelo de tributação aplicado no Brasil é o modelo progressivo, que consiste basicamente em cada contribuinte ser tributado de forma equitativa a sua capacidade econômica, entretanto restou demonstrado ao longo deste estudo que o sistema tributário só pode ser considerado de fato progressivo a partir do momento em que a tributação é feita na mesma proporção da riqueza, diferente dos moldes, do atual modelo de tributação.
É evidente que o Congresso Nacional possui um grande desafio que é o de colocar em sua pauta definitivamente a votação das propostas de taxação do IGF, em decorrência de tal omissão do poder legiferante foram abordadas as principais propostas legislativas, aquelas que de alguma forma, seja pelo seu teor, relevância ou inovação mereceram ser detalhadamente abordadas ao longo deste trabalho de conclusão de curso. De fato, diferentes propostas legislativas, tentaram delinear, caracterizar e instituir o Imposto Sobre Grandes Fortunas, mas ironicamente nenhuma dessas propostas apresentadas prosperou até o presente momento.
Argumentos dos mais variados tipos foram elencados visando demonstrar os problemas que são originados por uma não regulamentação, assim como também os argumentos favoráveis à instituição do IGF são inúmeros, não apenas argumentos, mas também demonstrações de que sua aplicação prática só trará benefícios a uma sociedade a qual possui uma das maiores concentrações de riqueza do mundo.
Em suma, o presente trabalho, se propôs a fazer uma análise crítica do nosso sistema tributário atual, assim como demonstrar aspectos importantes correlatos ao não cumprimento do princípio da capacidade contributiva, assim como demonstrar os prejuízos a efetivação de uma justiça fiscal com a não implementação até os dias atuais do Imposto Sobre Grandes Fortunas- IGF. Imposto este, previsto desde a promulgação da Constituição de 1988, no artigo 157, inciso VII, localizado no rol de impostos cuja competência pertence à União, mas que até os dias atuais, por diferentes motivações ainda não vigora de fato em nosso sistema jurídico tributário.
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Notas
[1] MACHADO, Hugo de Britto. Curso de direito tributário. 28 ed. rev. atual. e ampliada. Malheiros. São Paulo. 2007. p. 78.
[2] Torres, Ricardo Lobo – Curso de Direito Financeiro Tributário, 12ª edição, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 64.
[3] MACHADO, Hugo de Britto. Curso de direito tributário. 28 ed. rev. atual. e ampliada. Malheiros. São Paulo. 2007. p. 79.
[4] Em voto condutor proferido pelo Ministro Moreira Alves, adotou a classificação pentapartida: EMENTA: (...) De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
[6] O único imposto que possui receita afetada é o IMPOSTO EXTRAORDINÁRIO DE GUERRA, o qual possui previsão no art. 154, II da CF/88. A própria Constituição afirma que a União, em caso de guerra ou em sua iminência, poderão instituir tais impostos, os quais destinarão os recursos financeiros para custear despesas de guerra externa.
[7] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.12
[8]{C} SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito Tributário e análise econômica do Direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 280.
[9] HORVATH, Estevão. O Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 75.
[10] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 9-10.
[11] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT, 1993, p.195.
[12]{C} ZILVETI, Fernando Aurélio. Princípios de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva.
São Paulo: Quartier Latin, 2004. p.127.
[13]{C} Riqueza de 1% deve ultrapassar a dos outros 99% até 2016, alerta ONG BBC Brasil. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/11/141104_superricos_ru> acesso em: 24 jan. 2015.
[14] Cf. Justificação do PL 208/89.
[15] Barretto, Pedro Menezes Trindade, Gabaritando Tributário. 2 ed. Niterói, RJ: Impetus, 2012, p. 275.
[16] VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. São Paulo: Atlas, 2007, p. 228.
[17] MARTINS, Ives Gandra da Silva. O imposto sobre grandes fortunas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, nº 1697, 23 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10977>. Acesso em: 04 dez. 2014.
[18] GRAU, Eros, 1988, p. 59. Direito, conceitos e normas jurídicas, São Paulo. RT.
[19] Mota, Sergio F. Imposto Sobre Grandes Fortunas no Brasil. Florianópolis: Insular. 2011. Pg. 65.
[20] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 110.
[21] Ibidem, p. 250.
[22] GRANDE. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. p. 305.
{C}[23]{C} FORTUNA. In: Ibidem, p. 328.
{C}[24]{C} MARTINS, Ives Gandra da Silva. O imposto sobre grandes fortunas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, nº 1697, 23 fev. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10977>. Acesso em: 04 dez. 2014.
{C}[25]{C} CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei Complementar nº 208. 11 de dez. de 1989. Brasília. Disponível em:<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD12DEZ1989.pdf#page=102>. Acesso em: 27 out. 2014, p. 102.
[26] ANCEL, Marc. Utilidades e Métodos do Direito Comparado. Tradução de Sérgio José
Porto. Porto Alegre: Editora Fabris, 1980. p. 17-18.
{C}[27]{C} MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Interesse público e direitos do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007. p. 75–76.
[28] LOCATELLI, Soraya D. Monteiro; MARTINS, Rogério V. Gandra da Silva. O Imposto sobre Grandes Fortunas. São Paulo: Fecomércio, 2008, p. 145.
[29]{C} MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 43.
[30] BRUNO, Paulo G. G.; COELHO, Inocêncio M.; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva 2008, p. 28.
[31] As pessoas jurídicas só foram incluídas após modificações de projetos posteriores a PLP 202/89.
[32] Limites de valores tributáveis à época: a) Imóvel de residência do contribuinte, NCz$ 500.000,00.
[33] b) Instrumentos utilizados em atividades que decorram do trabalho assalariado ou autônomo, NCz$ 1.200.000,00.
[34] É notável a ausência da referência de investimentos relativos à infraestruturaa aeroportuária.
[35] Tabela esta que visa a progressividade do Imposto Sobre Grandes Fortunas, com a estipulação de alíquotas.
[36] O art. 7º do PLP 48/11 estabelece que a declaração da contribuição sobre grandes fortunas deverá ser entregue no dia 30 de junho de cada exercício.
[37] Conforme estabelece o art. 3º do PLP 130/12.
[38] Estabelece a progressividade ao longo do art. 4º do PLP 130/12.
[39] MACHADO Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32 ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 352-353.
[40] KHAIR, Amir. Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/akhair190308_2.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2015.
[41] Departamento de Estudos Técnicos do Sindfisco Nacional, 2010. Imposto Sobre Grandes Fortunas, Brasília Disponível em <http://ibetbrasil.com.br/noticias/attachments/4076_NT19_IG.[1]. pdf>. Acesso 22 de set 2010-10-28.
[42] TILBURY, Henry. In: CORSATTO, Olavo Nery. Imposto sobre grandes fortunas. Publicado em: abr./jun. 2000. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/581/r14606.pdf?sequence=4>. Acesso em: 02 dez. 2014, p. 13.
[43] Departamento de Estudos Técnicos do Sindfisco Nacional, 2010. Imposto Sobre Grandes Fortunas, Brasília Disponível em <http://ibetbrasil.com.br/noticias/attachments/4076_NT19_IGF
[1].pdf>. Acesso 22 de dez. 2014.
[44] Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17656/imposto-sobre-grandes-fortunas-um-estudo-critico/3> acesso em 24 jan. 2015.
[45] “Comentário Contextual à Constituição”, 4ª edição, São Paulo: Ed. Malheiros, 2007, p.664.
[46] AMADEI MOTA, A. Imposto sobra as grandes fortunas. In A Sociedade justa e seus inimigos, Cattani A. Oliveira M. (og.), Porto Alegre: Tomo. 2012.
[47] SABBAG, Eduardo. Análise do recente Projeto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). 25 jul.2010. Disponível em: www.professorsabbag.com.br. Acesso em: 15 set. 2010.
[48] Disponível em: <https://publications.credit-suisse.com/tasks/render/file/?fileID=BCDB1364-A105-0560-1332EC9100FF5C83>. Acesso em: 20 de jan. 2015.
[49] COSTA, Francisco José Santos da. Imposto sobre grandes fortunas: um estudo crítico - Página 5/5. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2665, 18 out. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17656>. Acesso em: 10 de Fevereiro de 2015.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo versa sobre “A capacidade contributiva como instrumento de Justiça Fiscal- Os reflexos da não regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas”, inserindo-se, pois no âmbito do Direito Constitucional Tributário.
Este trabalho de conclusão de curso surge de uma inquietação, pois é bem verdade que vivemos em um país em que a carga tributária é uma das mais elevadas do mundo. É sabido também, que a carga tributária brasileira vem incidindo na camada menos favorecida, desrespeitando, assim, claramente princípios básicos de nosso ordenamento constitucional tributário, tal qual o princípio da capacidade contributiva.
Nesse diapasão muito se tem falado em uma reforma tributária capaz de sanar tais disparidades, assim como também efetuar medidas reparadoras diante do sistema tributário atual, que há muito tempo vem sido duramente criticado, sistema esse que clama por reforma, pois se mostra obsoleto diante de muitas demandas da atualidade. Em decorrência disso os instrumentos necessários para ceifar tais disparidades econômicas existentes deveriam ser prioridades.
Em relação à necessidade de arrecadação temos que esta não pode ser feita de qualquer modo, o Direito Tributário Brasileiro, possui princípios próprios, os quais possuem respaldo constitucional que ditam a forma com a qual a tributação deva ser realizada.
Nesse diapasão, surge o princípio da capacidade contributiva como um dos principais princípios do Direito Tributário, trata-se de um desdobramento do princípio da igualdade o qual assegura que a tributação seja feita de modo digno, em linhas gerais, assegurando que cada contribuinte deva arcar de formar proporcional a sua capacidade econômica para tanto, a tributação é balizada pelo mínio existencial, este deve ser sempre assegurado para alcançar uma tributação condizente com a dignidade humana.
Nos dias atuais, diante de um cenário econômico tão gravoso, muito se tem falado em medidas para conter tais disparidades, e assim fomentar uma justiça fiscal, eis que vem a tona o tema da regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas, principalmente ao longo da corrida presidencial do ano de 2014, assim como pelos congressistas ao longo dos anos (desde sua inserção na CF de 1988 no art. 153, VII), visto por muito de seus adeptos como uma das soluções para as discrepâncias em matéria de arrecadação tributária.
Diante do exposto, essas são apenas algumas das principais indagações que o presente trabalho se propõe a discutir.
Primeiramente, antes de adentrar no tema propriamente dito, o trabalho irá trazer conceitos basilares acerca das noções e conceitos do direito tributário, como origem histórica e destrinchamento dos termos elementares para o prosseguimento do estudo.
Posteriormente, será abordado em capítulo próprio o tema da Capacidade Contributiva, sua definição, origem histórica e importância para o direito constitucional tributário. Serão abordados ainda aspectos relativos à capacidade contributiva diante da atual conjuntura fiscal em nosso país.
O tema objeto deste trabalho será devidamente analisado ao longo do capítulo terceiro, onde receberão ênfase sua origem histórica, assim como a inconteste importância da hermenêutica do artigo 153, VII, propiciando o entendimento do papel da lei complementar, assim como do expletivo grandes fortunas inserido pelo constituinte originário de 1988.
O estudo do tema será realizado em consonância com o direito comparado, de forma bastante sintética serão apontados os principais países que adotaram o imposto sobre grandes fortunas, e até mesmo aqueles que por algum motivo extinguiram-no. A problemática e relação à omissão legislativa e também os principais projetos de leis existentes serão abordados para uma melhor compreensão ao tema.
E por fim, o presente trabalho, se propõe a fazer uma análise crítica do nosso sistema tributário atual, assim como demonstrar aspectos importantes correlatos ao não cumprimento do princípio da capacidade contributiva, assim como demonstrar os prejuízos a efetivação de uma justiça fiscal com a não implementação até os dias atuais do Imposto Sobre Grandes Fortunas- IGF. Imposto este, previsto desde a promulgação da Constituição de 1988, no artigo 157, inciso VII, localizado no rol de impostos cuja competência pertence à União, mas que até os dias atuais, por diversos motivos, que serão demonstrados ao longo desse trabalho, não foi regulamentado.
A metodologia escolhida para elaboração deste trabalho de conclusão de curso consistiu basicamente em ser uma pesquisa descritiva, mas ao mesmo tempo analítica.
Esta pesquisa utilizou-se de materiais já publicados relativos ao tema, com o objetivo principal de se ter um melhor embasamento teórico para expor o tema da forma com a qual ele demanda.
2 NOÇÕES E CONCEITOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO
De modo bastante sucinto serão abordados os principais conceitos correlatos ao Direito Tributário, não se pretende esgotar o tema devido a sua complexidade e amplitude dos já existentes. Serão elencados, portanto, apenas as definições basilares para subsidiar o tema proposto neste trabalho.
O Direito Tributário trata-se de um dos ramos do direito cuja finalidade elementar é a de regulamentar o conjunto de normas jurídicas destinadas ao financiamento do Estado, regular ainda, as relações entre este e o contribuinte. Encontra-se situado no âmbito do Direito Público, e possui uma estreita relação com o direito obrigacional.
Hugo de Britto Machado[1] de modo sucinto define direito tributário afirmando que o mesmo constitui:
O ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas às imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder.
O Direito Tributário se consolidou na sociedade de maneira gradativa, com o passar do tempo e com o desenvolvimento das relações sociais sentiu-se a necessidade de regular as relações ali estabelecidas. As necessidades coletivas foram surgindo em detrimento das particulares, e consequentemente careciam de uma organização de cunho financeiro, havia, portanto, uma grande demanda de necessidades coletivas a serem supridas e para isso carecia de recursos.
O caminho para a concretização do Direito Tributário que temos hoje foi bastante longo, e por isso, houve a necessidade de justificar a “expropriação” que ocorria por parte do estado em relação ao patrimônio do particular, e esta só pode ser estabelecida com o surgimento Poder de Tributar do Estado.
O Estado detentor de soberania tem o poder de atingir os tributos de seus contribuintes para atingir tais finalidades, é o chamado Poder de Tributar, trata-se de um dos maiores poderes conferidos ao Estado. Segundo o Professor Ricardo Lobo Torres[2] “A soberania financeira, que é do povo, transfere-se limitadamente ao Estado pelo contrato constitucional, permitindo-lhe tributar e gastar”.
Logo, o Estado para atingir suas finalidades precípuas necessitava da arrecadação, e esta não poderia ser feita de modo arbitrário (como já foi um dia), por isso, o Professor acima citado deixa claro que a soberania financeira conferida ao povo é transferida de forma limitada ao Estado. Em decorrência disso, o Direito Tributário como ramo autônomo que é passou a estabelecer princípios e normas próprias que visam principalmente uma adequada arrecadação.
Nas palavras de Hugo de Britto Machado[3] a finalidade do Direito Tributário consiste basicamente em delimitar o poder de tributar:
O Direito Tributário existe para delimitar o poder de tributar, transformando a relação tributária, que antigamente foi uma relação simplesmente de poder, em relação jurídica. A finalidade essencial do Direito Tributário, portanto, não é a arrecadação do tributo, até porque esta sempre aconteceu, e acontece independentemente da existência daquele. O Direito Tributário surgiu para delimitar o poder de tributar e evitar os abusos no exercício deste.
Tal entendimento nos permite afirmar que o Poder de Tributar não é absoluto, trata-se de um direito que possui limitações, pois não se pode satisfazer a arrecadação estatal ignorando os direitos fundamentais já conquistados ou simplesmente suprimindo-os. Logo, para o referido autor o direito Tributário possui um caráter protetivo visando assegurar que os direitos e garantias individuais previstos pela Constituição de 1988 sejam antes de tudo resguardados.
As limitações ao Poder de Tributar são diversas, dentre as principais existentes no ordenamento jurídico brasileiro, destacam-se as imunidades tributárias, assim como as vedações a descriminação fiscal e a privilégios e o respeito aos princípios tributários também constituem limitações ao Poder de Tributar.
2.1 PEQUENA CONTRIBUIÇÃO SOBRE TRIBUTOS E SUA ESPÉCIE TRIBUTÁRIA: IMPOSTOS
A palavra tributo possui definição nos termos do artigo 3˚do Código Tributário Nacional, conforme transcrição in verbis:
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Em regra, os tributos são criados por leis ordinárias, mas há casos específicos em que a lei enseja formalidades maiores para criação do tributo e assim, só será possível através da edição de uma lei complementar.
Apesar de inúmeras divergências doutrinárias quanto às espécies de tributos existentes, temos que nosso ordenamento jurídico prevê que são cinco as espécies tributárias. O Supremo Tribunal Federal pacificou a dúvida que pairava no julgamento do RE n. 146.733-9/SP[4], o qual passou a considerar a “Teoria Pentapartite” [5], estabelecendo que são cinco as espécies de tributo previstas no ordenamento jurídico brasileiro, são elas: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios.
Este estudo irá se concentrar apenas na abordagem de uma das espécies de tributos existentes, quais sejam os impostos, em virtude de ser este o objeto deste trabalho de conclusão de curso.
No tocante à espécie tributária “Imposto”, tem-se que é uma palavra derivada do latim “imposìtuque” que significa “impor”, “por como obrigação”. Trata-se do tributo mais antigo que sem tem notícia, estudos mostram que foi cobrado pela primeira vez no Egito Antigo por volta de 3.000 aC, sendo também instituído em outros lugares do mundo.
Os impostos são as principais espécies de tributo, revelam-se como a principal fonte captação de receita de uma sociedade. O ente federativo cobra tal tributo pelo fato de algumas pessoas necessariamente revelarem riqueza ou ainda na pratica de certas condutas.
O Estado em decorrência de seu Poder de Tributar autorizado pela Constituição Federal tem o poder de impor aos contribuintes que lhe destinem parte das riquezas, através do pagamento de uma “expropriação imposta”, só assim será possível que o Estado tenha receita para financiar sua Administração e atender as demandas coletivas.
Largamente conhecidos pela sociedade que muitas vezes considera imposto como gênero, qualificando todas as outras espécies de tributos, quais sejam, taxas, contribuições sociais, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios com sendo imposto, quando na verdade imposto é uma espécie do gênero tributo.
Tem como principais características o fato de ser um tributo não vinculado, o que significa que o Estado não está vinculado a fornecer uma contraprestação específica ao contribuinte que foi tributado. Outra característica dos impostos é fato de não terem suas receitas afetadas[6], em outras palavras significa que o produto da arrecadação dos impostos não tem destinação afetada, quem dá a destinação dos recursos é o próprio ente federativo.
Em nosso ordenamento há três modalidades de impostos, os ordinários (privativos de cada ente), Residuais ou Extraordinários de Guerra. Primeiramente, em relação aos impostos Residuais ou privativos de cada ente, tem-se que são consideradas ordinárias ferramentas arrecadatórias.
A União de acordo com a Constituição de 1988 possui sete impostos ordinários, que estão localizados ao longo do artigo 153. São eles: Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto de Renda, Imposto Sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre Operações Financeiras, Imposto Territorial Rural e Imposto Sobre Grandes Fortunas, este único apesar de ser instituído pelo constituinte de 88 é o único imposto que ainda não foi regulamentado. Já os estados e municípios receberam três impostos ordinários cada um, de acordo com o artigo 155 da CF, é de competência dos estados membros o Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e o Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores. Os municípios, da mesma forma que os estados possuem três impostos ordinários, previstos ao longo do artigo 156, da CF, são eles: Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural, Imposto Sobre a Transmissão de Bens e Serviços e Imposto Sobre Serviços. Importante destacar que no Distrito Federal não existem municípios, o artigo 147 estabelece a chamada competência cumulativa.
Os impostos residuais referem-se a todos aqueles não foram ordinariamente previstos, logo a União poderá a qualquer momento, não poderão ter fato gerador nem tampouco base de cálculo dos impostos ordinários, conforme estabelece o artigo 154, I, da CF. Ainda, a Constituição Federal autoriza a União a criar Impostos Extraordinários de Guerra, que seriam criados exclusivamente nos casos de guerra externa ou em sua eminência, nos termos do artigo 154, II, da CF. Ambos os impostos citados, residuais como de guerra, não existem atualmente.
3 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O Direito Tributário como ramo autônomo que é possui princípios próprios que se encontram estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Tais princípios visam ates de tudo, resguardar os cidadãos de possíveis arbitrariedades ou abusos de poder que possam ser cometidos pelo ente arrecadador que se retrata na figura do Estado.
Nas palavras de Ruy Barbosa Nogueira, o princípio da capacidade contributiva constitui: “um conceito econômico e de justiça social, verdadeiro pressuposto da lei tributária[7]”.
O alvo desse trabalho se restringirá a estudara importância desse princípio e seu reflexo no tocante ao Imposto Sobre Grandes Fortunas, que será cuidadosamente abordado em capítulos posteriores.
3.1 ORIGEM HISTÓRICA E DEFINIÇÕES
A capacidade contributiva tem sua origem na constituição de 1946, a qual pela primeira vez na história trouxe um dispositivo capaz de sobepesar à capacidade econômica e a graduação dos tributos perante o contribuinte, isso só foi possível com a criação do artigo 202 da então Constituição da República.
Posteriormente, as Constituições de 1965, 1967 e 1969, elaboradas ao longo da ditadura militar- restringiram direitos e garantias- cada uma encarregou-se de suprimir tal dispositivo da Constituição, o mesmo só veio aparecer novamente a partir da promulgação da Constituição de 1988.
A Capacidade contributiva consiste em um princípio basilar no Direito Tributário Brasileiro, previsto na constituição de 1988, está localizada em seu art. 145, §1º, que por sua vez determina expressamente:
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
Pode ser entendido como um desdobramento do Princípio da Igualdade, pois é o instrumento que permitirá que de fato a igualdade seja concretizada. Nesse sentido Silveira[8] comunga do mesmo entendimento ao afirmar em sua obra que:
“O princípio da capacidade contributiva tem relação estreita com o princípio da igualdade, podendo-se afirmar que seu conteúdo deriva materialmente da ideia de tratamento equitativo e não discriminatório na repartição de encargos e sacrifícios públicos”.
É importante ressaltar que, apesar do constituinte originário ter feito menção a palavra “impostos”, quando na verdade o correto seria fazer menção a palavra “tributos”, é fato que não apenas os impostos são regidos pelo princípio da capacidade contributiva, mas outras espécies de tributos também, como as contribuições de melhorias e taxas, por exemplo.
Tal princípio tem como objetivo primordial assegurar que os cidadãos devam contribuir de forma equitativa em relação aos seus rendimentos, ou seja, de modo proporcional a sua capacidade econômica.
A capacidade contributiva constitui ainda uma limitação ao poder de tributar, nesse sentido Horvath[9] estabelece que tal limite é chamado “mínimo existencial”, e em sua obra afirma que:
“... com relação à capacidade, segundo o princípio que a veicula, não se pode tributar o chamado ‘mínimo vital’, o ‘mínimo para sobrevivência’, o que é fácil de compreender, porquanto, retirando do cidadão este mínimo de que necessita para sobreviver, se estará retirando, também, sua capacidade de contribuir”.
Logo, falar em capacidade contributiva é levar em consideração a relação entre garantir o mínimo existencial e assegurar a tributação, para isso ambas precisam estar em consonância, pois caso o mínimo existencial do cidadão não seja respeitado, claramente terá seu reflexo recaído diretamente na arrecadação de tributos.
O mínimo existencial consiste em uma parte não tributável necessária para que o contribuinte faça valer o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio esse basilar em nosso ordenamento jurídico, que na verdade não deixa de ser uma limitação ao poder de tributar do Estado.
No Brasil vigora a máxima de que “todos são iguais perante a lei”, nesse viés, surge o Princípio da Capacidade Contributiva, estabelecendo uma espécie de discriminação necessária, onde basicamente irá fazer com que incidam tributos idênticos, mas que os contribuintes, a depender de sua capacidade econômica contribuam de forma distinta, sem que isso se caracterize puramente como tratamento desigual.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[10] afirma em uma de suas obras que: “A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”.
São diversas as argumentações que sinalizam para o respeito ao princípio da capacidade contributiva, para que ele seja assegurado. A própria Constituição Federal em seu artigo 5º assegura que todos são iguais perante a lei, porém algumas vezes há autorização de tratamento desigual para aqueles que se encontram em situação de desigualdade. José Afonso da Silva[11], já afirmava que “porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais".
Para Fernando Aurélio Zilveti[12] a importância da igualdade na tributação consiste no fato de que:
“A igualdade na tributação pode ser vista, portanto, como a regra de ‘quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualem’. ‘Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real’. (...) Na tributação, a igualdade se revela na capacidade contributiva”.
O art. 150, II, da Constituição Federal de 1988- inserido dentro da Seção II, Das Limitações do Poder de Tributar, do capítulo que versa sobre tributação e do orçamento - Determina um critério de comparação da igualdade entre contribuintes, tendo, portanto, relação direta com o princípio da capacidade contributiva. Assim como o art. 153:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos."
Diante dos conceitos aqui lecionados, temos que o princípio da capacidade contributiva está em um patamar de superioridade o qual deve ser respeitado, e seu estudo não pode ser apartado de outros princípios, principalmente o princípio da igualdade, pois ambos estão em consonância, além de possuir um caráter singular dentro do ordenamento jurídico tributário.
3.2 A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NA ATUAL CONJUNTURA FISCAL
Atualmente o modelo de tributação que prepondera em nosso ordenamento jurídico- tributário é o modelo regressivo. Isso significa dizer que há no Brasil, em termos proporcionais, uma retirada maior dos contribuintes que tem uma menor capacidade contributiva, ou seja, o que tem na prática é uma inversão do modelo de tributação adequado, qual seja o modelo de tributação progressiva.
Um Sistema Tributário só pode ser considerado de fato progressivo a partir do momento em que a tributação é feita na mesma proporção da riqueza. Em linhas gerais, quem possui maior capacidade contributiva deverá contribuir equitativamente com seus rendimentos e o inverso também deverá ser respeitado. Afinal, não pode o Estado exigir de quem não possua um mínimo existencial que contribua da mesma forma que uma pessoa que se encontre inserida na classe média, por exemplo. Pelo menos, em tese, isso não poderia ocorrer, mas dados demonstram que a prática difere e muito da realidade, dados recentes demonstram que a carga tributária suportada pela camada menos favorecida da população é superior a carga suportada por aqueles que possuem condições de contribuir de maneira mais elevada.
O gráfico abaixo corrobora para o entendimento do que foi explanado:
Gráfico 1 – Carga tributária: sobre a renda familiar
Fonte: BRASIL FATOS E DADOS, 2011.
Como se observa contribuintes que possuem uma renda familiar de até dois salários mínimos arcam com cerca de 49% de sua capacidade econômica, e em contrapartida, aqueles que possuem mais de trinta salários contribuem bem menos, a incidência tributária segundo o gráfico mostra-nos que a contribuição é de apenas 26%. É importante destacar que tal pesquisa foi baseada levando em consideração apenas à concentração de renda.
Logo, é fato que a incidência tributária na camada desfavorecida economicamente da população é bem superior, por isso, o entendimento de que o modelo de tributação progressiva no país é uma falácia, pois os dados demonstram o contrário em relação o que propõe o modelo dito progressivo.
Estudos recentes elaborados pela ONG Britânica Oxfan, mostram que a partir do ano de 2016 os recursos acumulados por apenas 1% da população ultrapassaram os recursos acumulados pelos 99% restantes. Tal constatação é assustadora principalmente pelo fato de que a lacuna existente entre os mais pobres e os ricos continua a crescer de forma linear, e as medidas para tentar conter tais disparidades são ainda bastante tímidas.
O Jornal BBC{C}[13] corroborando para tal estudo publicou uma notícia versando sobre a disparidade na concentração de riqueza no mundo veiculando a seguinte matéria:
[...] A concentração de riqueza também se observa entre os 99% restantes da população mundial, disse a Oxfam. Essa parcela detém hoje 52% dos recursos mundiais.
Porém, destes, 46% estão nas mãos de cerca de um quinto da população.
Isso significa que a maior parte da população é dona de apenas 5,5% das riquezas mundiais. Em média, os membros desse segmento tinham um patrimônio individual de US$ 3.851 (cerca de R$ 10.000) em 2014.Já entre aqueles que integram o segmento 1% mais rico, o patrimônio era de US$ 2,7 milhões (R$ 7 milhões).
A Oxfam afirmou que é necessário tomar medidas urgentes para frear o "crescimento da desigualdade". A primeira delas deve ter como alvo a evasão fiscal praticada por grandes companhias.
O estudo foi divulgado um dia antes do aguardado discurso sobre o estado da União a ser proferido pelo presidente americano Barack Obama.
Espera-se que o mandatário da nação mais rica - e uma das mais desiguais - do planeta defenda aumento de impostos para os ricos com o objetivo de ajudar a classe média. (BBC Brasil 2014).
Logo, a capacidade contributiva na atual conjuntura fiscal não é assegurada, como será constatado ao longo de alguns capítulos deste trabalho, o Brasil precisa rever sua carga tributária e principalmente o enfoque de incidência desta, por isso o debate para que seja realizada uma reforma tributária está tão vivo atualmente.
Além de uma revisão no modelo de tributação caracterizado por ser injusto, tem-se a cada dia mais a necessidade de implementar estratégias para mitigar os efeitos do não cumprimento material do princípio da capacidade contributiva, assim como tantos outros correlatos, como é o caso do princípio da equidade.
A regulamentação do Imposto Sobre Grandes fortunas- IGF, previsto no art. 153, VII da Constituição Federal, trata-se de uma alternativa eficaz para solucionar tais disparidades, tributando cada contribuinte de acordo com sua capacidade contributiva, sua não regulamentação até os dias atuais é considerada por muito estudiosos como uma afronta ao princípio da capacidade contributiva, assim como ratifica um modelo de injustiça fiscal.
Nos próximos capítulos serão abordadas as problemáticas envolvendo a omissão legislativa, e os argumentos que demonstrem a razão pela qual o IGF até os dias atuais não tenha sido regulamentado. A nosso ver, como já fora explicado, sua regulamentação seria uma alternativa eficaz para fazer vigorar um modelo de tributação mais justo, onde, ricos e pobres contribuam na medida de suas possibilidades, porém de modo igualitário.
4 DO IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS- IGF
Durante a Assembleia Nacional Constituinte ocorrida no ano de 1987 foi levada ao Congresso Nacional pela primeira vez a proposta de inserção do Imposto Sobre Grandes Fortunas na Constituição de 1988. A proposta original foi do parlamentar Antonio Marques da Silva Mariz, à época Deputado Federal pelo Estado da Paraíba.
A exposição de motivos do Projeto de Lei Complementar, PL 208/1989 de 11/12/1989, corrobora para tal informação, segue parte da transcrição do trecho principal[14]:
O imposto sobre as grandes fortunas teve origem em emenda de nossa autoria na Assembleia Nacional Constituinte, apresentada já na Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças (Em. nº 5008247).
Rejeitada nessa ocasião, a reapresentamos à Comissão de Sistematização, onde, finalmente, obteve aprovação, provocando grande reação negativa nos meios conservadores do País.
[...]
Na medida, porém, em que se desenvolvia o debate sobre a iniciativa, crescia o apoio à criação do novo imposto. Na votação do projeto de constituição no 1º turno, ampliara-se a sustentação em plenário, para, finalmente, no 2º turno na deliberação definitiva, consagrar-se quase por unanimidade.
Portanto, o Imposto Sobre Grandes Fortunas trata-se de mais uma inovação da Constituição de 1988, fora baseado em impostos com objetivos similares que foram instituídos em vários outros países do mundo. Encontra-se inserido em nossa Constituição, localizado ao longo do art. 153, o qual estabelece um rol de impostos cuja competência pertence à União. Segue a transcrição do artigo in verbis:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I importação de produtos estrangeiros;
II exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III renda e proventos de qualquer natureza;
IV produtos industrializados;
V operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI propriedade territorial rural;
VII grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
Desde sua inserção na Constituição Federal de 1988 diversas propostas legislativas foram surgindo com o objetivo de regulamentar e traçar as diretrizes básicas acerca do IGF. Ao passo que constitui uma inovação constitucional temos que até os dias atuais ainda não foi regulamentado. Como será demonstrado posteriormente, são diversos os motivos que justificam sua não regulamentação.
4.1 O PAPEL DA LEI COMPLEMENTAR E INSERÇÃO DO TERMO “GRANDES FORTUNAS”
No tocante à Lei Complementar, através da compreensão do dispositivo legal, art. 153, inciso VII da Constituição Federal é evidente o seu caráter singular no que diz respeito ao Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF).
“Art. 153: Compete à União instituir impostos sobre: VII. Grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.
A indagação inicial diz respeito ao papel dessa lei complementar perante o Imposto Sobre grandes Fortunas (IGF), logo, a intenção do constituinte foi a de estabelecer unicamente Lei complementar como forma de instituição do IGF, ou quis o legislador que a lei complementar tivesse o papel de definir o que seria grande fortuna? Ou ainda, a intenção do legislador foi que a lei complementar fosse utilizada em ambos os casos?
O fato é que o art. 153, inciso VII da Constituição de 1988 trata-se de mais um artigo em que não é possível verificar com absoluta clareza qual a real intenção do legislador, ao inserir a frase “nos termos de lei complementar” como ressalva, cabe detalhada análise hermenêutica para entender o sentido do legislador constituinte.
O Direito Tributário Brasileiro trata-se de um ramo do direito o qual recebeu da Constituição um vasto rol de matérias reservadas à lei complementar, diferentemente de todos os outros. E isso não poderia ser diferente, pois o Direito Tributário possui peculiaridades que ensejam necessariamente a utilização de lei complementar, os motivos elencados segundo o Professor Pedro Barretto{C}[15] são os seguintes:
“Estamos falando de uma ciência que disciplina a captação de verba pública, a persecução da receita com a qual o Estado sobrevive. Tem diferenciada importância. Além do mais, invertendo o ângulo de compreensão e analisando sob a ótica do contribuinte, o Direito Tributário é a ciência que normatiza atos com os quais o Estado invade a riqueza do cidadão e o expropria, independentemente de seu consentimento, podendo até caracterizar crime o não adimplemento da exigência fiscal. Logo, compreensível o fundamento do por que se exigir a lei complementar com tamanha intensidade na normatização do Direito Tributário.”
Insta destacar a opção do Constituinte por reservar determinadas matérias ao crivo de uma Lei Complementar, evidencia claramente a tentativa de se ter um maior cuidado por parte dos congressistas (Deputados e Senadores) para com temas expressivos, que terão reflexo nos diferentes âmbitos, seja ele social, político ou ainda econômico como é o caso do IGF.
Logo, fica evidente que a utilização de Lei Complementar para a instituição de tributos, verifica-se como sendo uma exceção. A regra, portanto, é que os tributos sejam instituídos através de simples Leis Ordinárias. O constituinte optou por ser passível de lei Complementar tudo aquilo que precisasse de uma formalidade a mais, um quórum diferenciado para sua aprovação, ou seja, tudo aquilo que intrinsecamente fosse necessário a uma formalidade, uma atenção especial por parte do legislador.
Sabemos que entre Leis não há hierarquia, independentemente de ser Lei ordinária ou Lei complementar. A diferença entre elas consiste no quórum de aprovação, quando se fala em lei complementar, significa que o quórum para aprovação deverá ser composto pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, ou seja, mais da metade dos 513 Deputados Federais e mais da metade dos 81 Senadores da República.
Observa Andrei Pitten Velloso[16] ao analisar a Constituição Federal na parte relativa ao IGF que:
“a constituição alude à instituição ‘nos termos de lei complementar’ e não ‘mediante lei complementar’”. Logo, a partir dessa análise, é possível que o imposto seja estabelecido por mera lei ordinária, mas seja delineado nos termos de uma lei complementar.
Muitos doutrinadores entendem que são três os impostos que dependem de Lei Complementar para sua instituição, quais sejam: os Empréstimos Compulsórios (art. 148, CF/88), Tributos Residuais (art. 154, I, c/c art. 195, §4º, CF/88), assim como o IGF (art. 153, VII, CF/88).
Outra parte da doutrina aponta para uma hipótese contrária, a qual o IGF não seria um imposto que dependeria de Lei Complementar para sua instituição, mas sim simples Lei Ordinária. O papel da lei Complementar, na visão de parte da doutrina, se resumiria a definir o que seria uma grande fortuna para que assim fosse passível de sofrer tributação.
A partir de uma interpretação sistemática, gramatical e histórica de nossa Constituição, tem-se que a real intenção do legislador quando fez referência ao complemento “nos termos de Lei Complementar” foi apenas de buscar através dessa espécie de lei uma definição do fato gerador do IGF.
Nesse contexto Ives Gandra Martins[17] corrobora para o entendimento desse estudo ao afirmar em sua obra que “incumbir à lei complementar o papel de instituir o IGF é despiciendo”, pois como fora citado no parágrafo anterior já é uma exigência do próprio art. 146, III, da CF/88, quando afirma que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, de modo que não haveria tributo no sistema tributário brasileiro que não precisasse de lei complementar para lhe conferir o perfil.
Segue o artigo, in verbis:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
Outra parte nebulosa do artigo está relacionada com a definição do que seria uma grande fortuna. Tal conceito é claramente de difícil definição, pelo fato da instabilidade das relações econômicas perdurarem há tempos, em outras palavras, o que pode ser considerado uma grande fortuna nos dias atuais, em um futuro próximo, por exemplo, pode facilmente se tornar um valor obsoleto. Isso porque a economia mundial é dinâmica, não tendo o legislador como (em tese) arbitrar um valor e ele se tornar imutável.
Logo, tentar encontrar uma definição coerente em relação ao valor monetário é de extrema importância, pois caso isso não ocorra, corremos o risco de que qualquer acúmulo de riqueza possa ser caracterizado como grande fortuna e consequentemente seja taxada indevidamente caso o imposto seja enfim regulamentado.
Segundo o ex- Ministro do Supremo Federal Eros Grau[18], “parte da dificuldade repousa na inerente ambiguidade e imprecisão da linguagem jurídica”. Nesse sentido é de vital importância a interpretação da norma jurídica, antes mesmo de se pensar em aplicar[19].
Corroborando para a afirmação de Eros Grau, o jurista Carlos Maximiliano, ao afirmar sobre o papel das leis em uma de suas obras afirma que: "presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas; devem todas ser entendidas como escritas adrede para influir no sentido da frase respectiva” [20] ou seja, não “há nas leis palavras inúteis” (verba cum effectu, sunt accipienda)[21] .
Toda norma é constituída de conceitos que necessitam ser compreendidos, buscando com isso uma correta aplicação da norma.
Perscrutando o dicionário Aurélio as seguintes definições acerca dos termos apontados no artigo 153, inciso VII da Constituição Federal de 1988 foram extraídas as seguintes definições:
Grande. Adj. 2 g. 1. De tamanho, volume, intensidade, valor, etc., acima do normal. 2. Comprido, longo. 3. De grande extensão ou volume. 4. Crescido, desenvolvido, taludo. 5. Numeroso. 6. Intenso, forte. 7. Exagerado, excessivo. 8. Dilatado, longo. 9. Extraordinário, excepcional, desmedido. 10. Imponente, surpreendente. 11. Notável [...][22]
Fortuna.{C}[23]{C} S. f. 1. Casualidade, eventualidade, acaso. 2. Destino, fado, sorte. 3. Bom êxito; êxito, sucesso. 4. Boa sorte; sorte, felicidade. 5. Revés da sorte; adversidade. 6. Haveres, riqueza.
A grande dificuldade, portanto, está em delimitar tais conceitos abertos, abstratos e indeterminados apontados na Constituição como fato gerador que implicam na incidência do IGF. A única certeza que se pode extrair a partir da constatação de diversos doutrinadores, assim como da exposição de motivos do referido artigo é de que sofrerá tributação tudo aquilo que extrapolar o simples fato de ser uma fortuna, não basta que o contribuinte seja possuidor de uma fortuna, isso é fato.
Noutro aspecto é evidente que a definição do que seria uma grande fortuna, por si só, não é de fácil compreensão, pelo fato de se tratar de um conceito aberto, o que pode ser considerado grande fortuna nos dias atuais, em uma época posterior pode ser um valor desprezível. Há doutrinadores que apontam diferentes tipos de definições. Nesse sentido, encontramos o conceito do mestre Ives Gandra da Silva Martins{C}[24], entendemos que esse se trata do conceito que mais se aproxima com a ideia do legislador ao instituir tal imposto:
“O imposto sobre grandes fortunas” não pode incidir nem sobre os ricos (“riqueza” é menos que “fortuna”), nem sobre os milionários (“fortuna” é menos que “grande fortuna”). Apenas sobre os bilionários ou seja, os detentores de fortunas grandes que na economia brasileira são muitos poucos.
Confirmando o entendimento do doutrinador Ives Gandra Martins, o Deputado Antonio Marques da Silva Mariz, durante a exposição de motivos[25] da PLC 208 (que foi o responsável por inserir o IGF em nosso ordenamento jurídico), explica o motivo que ensejou a criação do IGF:
Ao propor a criação do imposto, denominando-o das "grandes fortunas", o que se pretendeu foi fixar desde logo seus limites conceituais. Impedir que se transformasse, pela regulamentação legal, em tributo sobre as pequenas fortunas ou sobre os pequenos patrimônios líquidos.
Evitar que tivesse o mesmo destino e sofresse as mesmas distorções do imposto de renda, incidente hoje mais sobre salários e honorários do trabalho autônomo, do que sobre os ganhos e rendimentos do capital.
O entendimento transcrito acima, nos permite inferir que a real intenção do legislador constituinte ao inserir o artigo 153, VII em nossa Constituição Federal foi o de taxar, como dito anteriormente, não simplesmente fortunas, mas sim, grandes fortunas, deixando claro com a inserção do termo grande fortuna que jamais poderia, por exemplo, recair sobre pequenas fortunas ou pequenos patrimônios. E sim, tributar patrimônios pertencentes a uma parte ínfima da população, que destoam à realidade econômica da maioria das pessoas, pois ultrapassam absurdamente o mínimo existencial passível de ser tributado por um cidadão comum, por exemplo.
Ocorre que devido à maleabilidade de tais conceitos em verdade também significa um empecilho para implementação do referido imposto, visto que muitos utilizam de tais dificuldades e imprecisões acerca dos termos adotados para adiar ainda mais a regulamentação do IGF, que está previsto em nossa Constituição a mais de 25 anos, enquanto o legislador age de modo quase inerte, pois como será visto ao longo desse estudo, os projetos de lei que visam regulamentar são nitidamente modestos, assim como o descaso do poder legiferante em proporcionar uma tramitação célere aos projetos de lei prejudica, sobretudo, uma tributação mais justa.
4.2 O IGF NO DIREITO COMPARADO
O estudo do direito comparado em se tratando da instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas, assim como de sua regulamentação é de suma importância, primeiramente em decorrência da implementação do IGF em nossa Constituição que foi oriunda da importação do modelo Europeu, a respeito do imposto que já era instituído na França. Por outro lado, em relação à regulamentação no direito estrangeiro, seja através dos exemplos de sucesso ou de fracassos, é fato que é dessa forma nos será permitido constatar a viabilidade ou não de regulamentação em nosso país.
A importância do estudo do Direito comparado pode ser sintetizada na constatação de que o estudo feito através de comparações propicia uma percepção eficaz do que foi ou está sendo implementado no Sistema Jurídico de várias partes do mundo. Desse modo é possível verificar se a adoção de algumas medidas trazem benefícios ou malefícios ao nosso sistema jurídico pátrio, e consequentemente com isso podemos verificar a viabilidade de implementação ao nosso Direito Local. O livro “Utilidades e Métodos do Direito Comparado” [26] sintetiza em cinco tópicos os benefícios da utilização do Direito Comparado :
a) apesar da diversidade das legislações, existe uma universalidade do direito;
b) o conhecimento do direito estrangeiro é freqüentemente indispensável ao advogado, ao juiz e ao árbitro;
c) permite ao jurista uma melhor compreensão do direito nacional, cujas características particulares se evidenciam, muito mais, mediante uma comparação com o direito estrangeiro;
d) o método comparativo é indispensável ao estudo da História do Direito e da Filosofia do Direito;
e) nenhuma legislação nacional pode dispensar o conhecimento das legislações estrangeiras;
Em contrapartida, Raquel Machado[27] sinaliza para a problemática de se importar modelos de tributações oriundos do Direito Comparado, vejamos:
[...] é preciso cuidado ao se pretender importar modelos de tributação de países mais desenvolvidos para o Brasil. Realmente, da mesma forma que ocorre com outros tipos de importações, também a importação de doutrinas e comportamentos deve ser feita de forma criteriosa, verificando-se sua adequação para a nova realidade subjacente. A não ser assim corre-se o risco de se realizar importações não apenas inúteis, mas prejudiciais.
Nesse sentido, existem diversos argumentos contra a implementação do Imposto Sobre Grandes Fortunas fundamentadas pelo posicionamento da autora acima citada. Fazendo com que haja dificuldade em aceitar que o IGF seja regulamentado, em decorrência do fracasso da implementação do imposto em alguns países, por exemplo.
O Brasil teve como idealizador o Paraibano Antônio Marques da Silva Mariz, então deputado federal à época do Projeto Lei de número 208, de 11/12/89, o Parlamentar foi um dos principais defensores da criação desse imposto, desde os debates anteriores que se iniciaram na Assembleia Nacional Constituinte que perdurou dos anos de 1987 a 1989.
O Imposto Sobre Grandes Fortunas inserido pelo Constituinte originário em nossa Magna Carta de 1988 é decorrente da inspiração legislativa de um imposto já cobrado na França, desde o ano de 1982. Tal imposto era baseado em um modelo socialista, cuja ideia principal para sua instituição foi a de fazer incidir sobre a parcela mais favorecida economicamente um tributo equitativo a todos os outros que o restante da população estava submetido, fazendo com que o surgimento de tal imposto fosse tecnicamente justo e razoável, foi chamado por seus idealizadores de Impôt Sur Les Grandes Fortunes. Posteriormente, volta ao ordenamento jurídico francês sob a denominação de Impôt de Solidarité sur La Fortune (ISF).
Ainda sobre o imposto francês, temos que o mesmo é o principal paradigma em relação aos demais, denominado de Imposto de Solidariedade Sobre a Fortuna tem sua hipótese de incidência sobre o patrimônio líquido, o pólo passivo é constituído por pessoas físicas ou jurídicas que possuam ou não residência no país. Apesar de a França ser pioneira na instituição de um imposto incidente sobre as fortunas, várias críticas são feitas ao modelo de arrecadação instituído, como é o caso do posicionamento dos autores abaixo[28] transcrito:
Acusam-no de ser tecnicamente inadaptado e economicamente nocivo e de não ter alcançado o seu objetivo social. A isenção dos bens profissionais diminuiu-lhe sensivelmente a incidência, além de ser de difícil administração, pois há dúvida sobre a distinção entre bens patrimoniais e profissionais. É um tributo que incide sobre pequeno grupo de contribuintes, composto principalmente por pessoas idosas e aposentadas, sem dependentes e domiciliadas na região de ‘lle-de-France’. Por isso mesmo Pierre de Malta chama-o de imposto elitista, destinado a atingir um número restrito de contribuintes em virtude de uma ideologia redistributivista.
Apesar das críticas, trata-se do imposto pioneiro, que vem dando certo desde sua instituição é aceito largamente perante a população francesa, as atuais reivindicações são acerca dos valores das alíquotas, que no ponto de vista de muitos estudiosos precisam ser revistas, atualmente variam de 0,55% a 1,5% (para patrimônios superiores a 10 milhões de Euros).
Recentemente foi aprovado um aumento extra de 75% sobre os altos rendimentos, que deverá ser aplicado durante dois anos (esse tempo refere-se a expectativa de recuperação da economia francesa) para todos aquele rendimentos superiores a 1 milhão de euros por ano. Apesar desse aumento não pode ser considerado um imposto de caráter confiscatório, o próprio Governo Francês afirma que cada um deve contribuir equitativamente com seus meios.
Na Espanha de maneira bastante simplória, tal imposto incide apenas sobre o patrimônio líquido das pessoas físicas, possui autonomia em relação ao Imposto de Renda, possui teto de renda tributável superior a 77%.
Já na Alemanha, Inicialmente surgiu como uma forma de imposto que serviria para suplementar o Imposto de Renda, à época ainda tratava-se do Estado da Prússia. Ocorre que foi declarado inconstitucional no ano de 1995, devido ao fato de ser considerado um imposto de caráter confiscatório. O Tribunal Constitucional Alemão determinou que novas regras para instituição desse imposto fossem estabelecidas, ocorre que até os dias atuais não há edição de novas regras, assim como no Brasil, há apenas debates e projetos de lei, mas nenhuma definição a cerca de seu retorno no sistema Tributário Alemão.
Atualmente, após um estudo feito pelo DIW (Instituto Alemão de Pesquisa Econômica), constatou que as dívidas nacionais poderiam ser pagas se parte da riqueza privada fosse taxada. Facilmente a dívida seria solucionada se casos o Imposto Sobre as Fortunas voltasse a vigorar na Alemanha.
No Canadá não se verifica a instituição desse tipo de imposto, houve uma proposta no ano de 1966, porém foi prontamente negada, em seu lugar houve a criação do imposto de renda.
Na Irlanda o imposto foi implementado no ano de 1974, entretanto vigorou apenas até o ano de 1978, sua extinção deve-se ao fato do baixo volume de arrecadação e alto custo para fiscalização do imposto. Já na Itália de modo bastante semelhante, sendo instituída de maneira transitória dos anos de 1946 a 1978, após a segunda guerra mundial a economia italiana ensejava o preenchimento dos cofres públicos e isso só foi possível graças à criação, mesmo que de forma ocasional desse tributo, é fato que o país nunca conseguiu instituir o referido imposto de forma definitiva no país, pois grande parte da população se mostra contrária, deixou de ser cobrado principalmente pela dificuldade na arrecadação originada pelo baixo volume de arrecadação aos cofres públicos, assim como na Irlanda.
Os Estados Unidos, assim como o Reino Unido, ainda não instituíram um imposto incidente sobre grandes fortunas, mas direcionaremos a análise para o caso americano. De maneira bastante similar ao que acontece no Brasil, várias são as críticas direcionadas a não instituição de um tributo do tipo até os dias atuais em um país que se possui uma população bastante expressiva passível de sofrer essa tributação, representa os países que mais reúnem contribuintes detentores de expressivas riquezas.
Em contrapartida, passa por uma séria crise financeira que vem se prolongando desde meados de 2008, a renda do americano médio vem decaindo, além do grande endividamento do governo que vem se arrastando por muito tempo. Surge a necessidade de haver tributação sobre os grandes milionários norte- americanos, e um dos principais representantes dessa bandeira é um multi bilionário, que se diz “injustiçado”, pois segundo o próprio paga menos tributos que seus funcionários, por exemplo. Trata-se de Warren Buffet, um dos 3 (três) homens mais rico das Américas, dele partiu a proposta de criação de um imposto do tipo. O Presidente americano Barack Obama recentemente tratou de apresentar um projeto ao congresso cujo teor é o de tributar as grandes fortunas americanas, a proposta prevê que ganhos de capital superiores a US$ 500 mil por ano deverão pagar alíquotas que variam de 23,8% a 28%, fazendo que com isso o sistema tributário americano se torne menos custoso para o cidadão de classe média, que atualmente é o que mais paga impostos. Estudos mostram que mais de 450 mil famílias norte americanas passariam a ser contribuintes desse imposto.
Apesar de ser uma alternativa de auxilio a atual crise que o país passa, não tem sido aceita por grande parte da sociedade, e principalmente pelos principais potenciais contribuintes, que já acham o sistema tributário americano demasiadamente oneroso, além de encontrar dificuldades para aprovação por parte da oposição que rejeita veemente a proposta de criação de mais um tributo.
No tocante à Suíça de maneira bastante similar aos outros países europeus que instituíram o imposto sobre grandes fortunas, este país especificamente prevê que o referido imposto deva incidir sobre o patrimônio de pessoas físicas ou jurídicas, as alíquotas são extremamente baixas (a alíquota máxima não ultrapassa 1%), é um dos impostos pioneiros do país.
Países como na America do Sul como a Argentina, desde 1972, Uruguai, em 1991 e Colômbia desde 1935, são exemplos de países que tributam progressivamente a riqueza.
4.3 DA OMISSÃO LEGISLATIVA E A NÃO REGULAMENTAÇÃO DO IGF- PRINCIPAIS TENTATIVAS
Conforme mencionado nos parágrafos anteriores o Imposto Sobre Grandes Fortunas foi instituído juntamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, desde então, passaram-se mais de duas décadas e até hoje não há nenhum tipo de regulamentação.
Vários são os argumentos que tentam explicar o motivo da ausência de instituição desse imposto, desde argumentos técnicos, como os que foram explicados em tópicos anteriores- é o caso da problemática sobre a função da lei complementar para regular ou até mesmo delimitar o que seria uma grande fortuna -, assim como argumentos de cunho político, que visam demonstrar que a não instituição do IGF está diretamente relacionada a interesses pessoais.
O que se sabe é que atualmente o IGF é o único imposto dos sete cuja competência pertence à União que está apenas previsto na Constituição e não tem aplicabilidade, pois até os dias atuais não possui arrecadação alguma, pois como diz o jargão popular “não saiu do papel”. Em virtude de ser uma norma constitucional de eficácia limitada.
Alexandre de Moraes[29] afirma que:
[...] normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam ‘aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esse interesse, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade’ [...].
Gilmar Mendes, Paulo Branco e Inocêncio Coelho[30] definem essa espécie de norma como não auto-aplicável, classificando-as como:
"[...] as disposições constitucionais incompletas ou insuficientes, para cuja execução se faz indispensável a mediação do legislador, editando normas infraconstitucionais regulamentadoras".
Diferentes propostas legislativas (como será melhor detalhado em capítulo específico), tentaram delinear, caracterizar e instituir o Imposto Sobre Grandes Fortunas, mas nenhuma dessas propostas apresentadas prosperou.
Dentre os principais Projetos de Lei até os dias atuais, está o de autoria do Ex- Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, à época Senador da República. Foi de sua autoria o primeiro projeto de tentativa de regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas- IGF, através do PLS 162/89 que após ter sua aprovação no senado federal foi enviado a Câmara dos Deputados, em seguida depois de vários apensamentos tramita atualmente com a denominação PLP 202/89, é composto pelos PLP 26/11, de autoria do Deputado Amauri Teixeira; PLP 48/11, do Deputado Dr. Aluízio; PLP 62/11, do Deputado Cláudio Puty e do PLP 130/12, do Deputado Paulo Teixeira.
Dos Projetos de Leis que tramitaram no Senado Federal, podemos citar: PLS 50/08, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko, PLS 100/08, do Senador José Nery e o PLS 534/11, do Senador Antonio Valadares, ambos foram arquivados durante o ano de 2011. Além desses citados, temos o PLS 534/11, do Senador Antonio Valadares.
São muitas também as propostas de emenda à Constituição, dentre elas a que merece destaque é a PEC 31/2007 de autoria do deputado Arthur Virgilio, que teve várias propostas ou emendas apensadas, dentre elas, estão: EMC 360/03, de autoria da Deputada Luciana Genro, EMC 404/03, do Deputado Gerson Gabrieli e também a PEC 45/07, do Deputado Luiz Carlos Hauly.
Merece destaque também a proposta do Deputado Clóvis Fecury, PEC 474/05 a qual destina o Imposto Sobre Grandes Fortunas ao Fundo de Participação dos Municípios- FPM, assim como a PEC 101/11 que pretende associar a destinação do IGF à educação, de autoria da Senadora Ângela Portela.
Como podemos notar, muitas foram às propostas, logo, a intenção por parte do legislador em tentar regulamentar o Imposto Sobre Grandes Fortunas é notável, pois os Projetos de leis que se apresentam são inúmeros, e partem de vários ambitos possíveis.
Porém, após a leitura do teor da maioria é possível constatar que apesar de numerosos, tais projetos de leis que visam à regulamentação do IGF são de pouquíssima relevância, visto que acabam sendo uma repetição um das outras, poucos são os projetos que merecem um maior aprofundamento.
4.4 PANORAMA DOS PRINCIPAIS PROJETOS DE LEIS EXISTENTES
Serão abordadas as principais propostas legislativas, as que de alguma forma, seja pelo seu teor, relevância ou inovação merecem ser detalhadamente abordadas. O Congresso Nacional possui um grande desafio que é o de colocar em sua pauta definitivamente a votação das propostas de taxação do IGF.
4.4.1 PLP 202/89
Merece destaque o PLP 202/89, de autoria do Senador à época Fernando Henrique Cardoso, que possui diferentes projetos a ele apensados.
O artigo 2º do Projeto de Lei 202/89 é o responsável por determinar os contribuintes, e assim o faz ao especificar que são todas as pessoas físicas[31] (apenas), residentes ou domiciliadas em nosso país.
É verificado que o projeto de lei faz menção ao cônjuge, porém é silente em relação à união estável, a nosso ver, justificadamente, visto que tal projeto de lei é anterior ao código civil de 2002.
O fato gerador desse projeto consiste em especificar que “os titulares de fortunas superiores a NCz $ 2.000.000,00 (dois milhões de cruzados novos) serão os contribuintes desse imposto, expressos em moeda de poder aquisitivo de 1º de fevereiro de 1989” em 1º de janeiro de cada ano.
O artigo 3º trata-se da tentativa de definir o que seria uma grande fortuna, in verbis:
“O conjunto de todos os bens, situados no País ou no exterior, que integrem o patimônio do contribuinte, com as exclusões que tratam o § 2º desse artigo”.
Logo, a frase “conjunto de todos os bens do contribuinte” inserido de forma genérica no referido artigo não se mostra como sendo uma definição apropriada para ser fato gerador do IGF. Isso porque, cabe a interpretação de que também correspondem a bens de direito.Corrobora para esse entendimento o que está estabelecido no artigo 4º, §1º, alínea c, que inclui os “créditos pecuniários sujeitos a correção monetária ou cambial”.
Em relação às exclusões do §2º do artigo 3º, tem-se uma lista de bens que são excluídos de uma possível tributação, é importante destacar que tal parágrafo não constitui um rol taxativo, pelo fato que a última alínea do artigo 3º faz menção a seguinte expressão: “Outros bens cuja posse ou utilização seja considerada pela lei de alta relevância social, econômica ou ecológica”.
De modo claro, podemos observar que a lei exclui da condição de patrimônio tributável:
O imóvel de residência do contribuinte até determinado valor[32].
Os instrumentos utilizados pelo contribuinte em atividades que decorram do trabalho assalariado ou autônomo, até determinado limite[33].
Objetos de antiguidade, arte ou coleção, nas condições e percentagem fixadas em lei.
Investimentos na infraestrutura[34] ferroviária, rodoviária e portuária, energia elétrica e comunicações, nos termos da lei.
O artigo 4º deixa claro que o legislador entende por patrimônio líquido, todos aqueles bens, subtraídos as respectivas obrigações contraídas para a aquisição destes.
Já o artigo 7º do referido projeto de lei determina que os bens e a tabela do imposto[35] tenham a “expressão monetária utilizada para a data da ocorrência do fato gerador”, e ainda determina que “tenha por base índice que traduza a variação do poder aquisitivo da moeda nacional”, a inserção dessa expressão no remete à época em que tal projeto de lei foi instituído, época marcada pela inflação monetária que estava instaurada em nosso país.
A progressividade do IGF vem estabelecida pelo artigo 5º, o qual fará uma relação de patrimônio x alíquotas, apesar de ser uma parte do projeto de lei bastante inovadora, pois estabelece que valores distintos possam sofrer tributações com alíquotas distintas, respeitando assim, a meu ver, de modo efetivo o princípio da igualdade assim como o da capacidade contributiva, trata-se de uma artigo que sofreu muitas críticas por parte dos estudiosos do Direito Tributário. A principal crítica se dá pelo fato do legislador relacionar a exação patrimonial com renda.
Segue o referido art. 5º e respectivo parágrafo §2º, in verbis:
Do imposto calculado, nos termos do parágrafo anterior, o contribuinte poderá deduzir o imposto de renda e respectivo adicional cobrado pelo Estado que tiver incidido sobre os seguintes rendimentos por ele auferidos no exercício findo: de aplicações financeiras. De exploração de atividades agropastoris. Aluguéis e royalties, lucros distribuídos por pessoas jurídicas e ganhos de capital.
O fato é que o artigo 6º prevê que a apuração do imposto deva ocorrer com “base na declaração do contribuinte, nos termos da lei”, não detalhando se com isso surgirá nova obrigação acessória para o Imposto Sobre Grandes Fortunas, ou ainda se a declaração de tais bens pode ser inserida das obrigações já existentes, como é o caso da Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física.
Como apontado inicialmente, alguns projetos foram surgindo e devido à similitude com o PLP 202/89 foram a eles apensados, porém algumas diferenças que serão resumidamente tratadas nesse estudo.
Nesse viés têm-se os PLP 108 e PLP 218, ambos possuem semelhanças ao PLP 202/89 em relação, principalmente, com a atualização monetária dos valores apontados, utilizam a expressão “bens e direitos” que são mais apropriados para ao fazer referência a base de cálculo. Além de estabelecerem a progressividade, cujas alíquotas possuem teto máximo de 4%, no mais, ambos o utilizam o Bônus do Tesouro Nacional, conhecido como “BNT” como moeda para base de cálculo.
A diferença marcante do PLP 108 dos demais, encontra-se localizada no artigo 1º, em seu parágrafo único, e reside no fato de que o texto é voltado para a tentativa de se definir os bens e direitos que irão compor o patrimônio a ser tributado, em contrapartida, estacionou ao manter como contribuintes apenas as pessoas físicas.
O PLP 218 por sua vez, diferencia-se ao inovar em diversos aspectos, considerado um dos mais completos em relação aos PLP’s existentes até o momento estabelecendo, por exemplo, em seu artigo 5º o alargamento do polo passivo, assim como no artigo 12 que prevê a possibilidade de responsabilidade solidária da pessoa jurídica, assim vejamos:
Art. 5º São contribuintes do imposto as pessoas físicas domiciliadas no País, o espólio, e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior em relação ao patrimônio que tenha no País.
Art. 12 A pessoa jurídica será solidariamente responsável pelo pagamento do Imposto Sobre Grandes Fortunas, sempre que houver indícios de que sua constituição ou existência visa a dissimular o verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o seu patrimônio ou a apresentá-los sob valor inferior ao real.
Com a implementação da pessoa jurídica, assim como o espólio, ambos a partir desse projeto de lei, irão fazer parte do polo passivo, como contribuinte assim como responsável.
Em contraposição a projetos de lei com conteúdos tão similares, surge o PLP 268/90, inovando ao estabelecer uma nova definição para grande fortuna, nesse projeto de lei, especificamente, “Grande Fortuna” seria definida a partir de um porcentual de aumento de riqueza no valor de 50% em relação ao exercício fiscal de 1989. No mais, estabelece alíquota única no valor de 30%. É considerado um projeto de Lei bastante simples, elencando apenas três artigos, entretanto inovador, pois é a primeira vez que se pretende estabelecer uma alíquota única, com valor tão “destoante” em relação às alíquotas apresentadas em projetos anteriores.
4.4.2 PLP 277/08
Trata-se de projeto proposto no ano de 2008 pela então Deputada Luciana Genro, bastante similar ao projeto inicial de autoria do então Senador Fernando Henrique Cardoso.
Uma das inovações mais interessantes diz respeito ao “alargamento” do polo passivo, assim como a previsão da responsabilidade solidária, vejamos:
Art. 2º São contribuintes do imposto as pessoas físicas domiciliadas no País, o espólio e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior em relação ao patrimônio que tenha no país.
Art. 8º haverá responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre grandes fortunas, sempre que houver indícios de dissimulação do verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o seu patrimônio ou a sua apresentação sob valor monetário inferior ao real.
Outra distinção significativa diz respeito ao estabelecimento de alíquotas, que variam desde a faixa de não isenção com a alíquota de 1% atingindo o máximo de 5%.
Por se tratar de um dos principais projetos, outros a ele foram apensados, a variação das propostas de tais projetos é notável, como é o caso do PLP 48 de autoria do deputado Dr. Aluízio.
O PLP 48, logo em seus primeiros artigos propõe a criação de uma Contribuição Social Sobre Grandes Fortunas-, a qual determina que a arrecadação total deverá ser destinado de forma exclusiva ao financiamento das ações e serviços públicos relativos à saúde, devendo para isso ser depositado o valor arrecado com a tributação no Fundo Nacional da Saúde. Diferentemente do que estabelece a Constituição Federal que traz em seu artigo 153 um imposto.
Traz uma tabela correspondente à incidência do imposto, o patrimônio líquido não isento é de R$ 5. 520.000,01, as alíquotas variam de 0,55% a 1,80%. Estabelece que a obrigação acessória separada para a contribuição sobre grandes fortunas, que deve ser entregue pelo contribuinte em data determinada de cada exercício[36].
Por sua vez, o PLP 61/11, é similar ao PLP 48, no tocante à declaração a ser entregue no dia 30 de junho de cada exercício. O artigo 9º é claramente inconstitucional, pois atribui à União vinculação da arrecadação do imposto por meio de complementar ao determinar que o produto da arrecadação “seja aplicado pela União, integralmente, na manutenção e no desenvolvimento do ensino”.
O PLP 130/12, um dos mais recentes, inovou ao formular uma definição de grande fortuna diferente das já existentes, pois não faz referência a um valor fixo, ao invés disso utiliza como referência um múltiplo do limite de isenção do imposto de renda. Grande fortuna, portanto, é o patrimônio líquido que exceda o valor de 8.000 (oito mil) vezes o limite mensal de isenção para pessoa física do imposto de renda[37].
De igual modo estabelece progressividade[38], com alíquotas de 0,5% para patrimônios líquidos entre 8.000 e 25.000 o limite de isenção do IR; 0,75% para patrimônios líquidos entre 25.000 e 75.000 vezes o limite de isenção, e para patrimônios acima de 75.000 alíquotas de 1%. Finalizando as inovações, tem-se a vedação ao parcelamento dos créditos constituídos pela Fazenda pública ao IGF.
Em relação às propostas de emenda a constituição, verifica-se que grande maioria das relativas ao Imposto Sobre Grandes Fortunas parte da Câmara dos Deputados. A respeito disso, temos a EMC 233/07 que propõe a completa destinação do valor do IGF para o fundo de participação dos Estados, Municípios e Distrito Federal (de igual modo a PEC 45/07 e 474/05 preveem a mesma destinação ao IGF).
5 PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À INSTITUIÇÃO DO IGF
Hugo de Brito Machado[39] destaca que o IGF ainda não foi instituído por questões de ordem meramente políticas, O referido autor propõe que a falta de regulamentação tem intrínseca relação ao favorecimento pessoal, e que os argumentos contrários a sua regulamentação se mostram inconsistentes por diversos motivos, vejamos:
“Há quem aponte dificuldades técnicas para a tributação das grandes fortunas. Seriam problemáticas a identificação e a avaliação dos bens. O argumento é inconsistente. Os bens que integram as grandes fortunas são os mesmos cuja transmissão de propriedade é tributada. Se a título oneroso, pelo Município. Se a título gratuito, ou em virtude de sucessão por causa da morte, pelo Estado. E ninguém sustentou a inviabilidade do imposto de transmissão causa mortis e doação, de que trata o art. 155, I, nem do imposto de transmissão inter vivos, de que trata o art. 156, II, da CF.
O verdadeiro motivo da não instituição do imposto sobre as grandes fortunas é de ordem política. Os titulares de grandes fortunas, se não estão investidos de poder, possuem inegável influência sobre os que exercem.”
O argumento do referido autor é extremamente consistente, pois apesar das aparentes dificuldades, quais sejam determinar o real papel da lei complementar, assim como definir o que seria uma grande fortuna, os benefícios que a instituição desse imposto para nosso ordenamento jurídico são inúmeros.
Em primeiro lugar, é fato constado que os ricos são menos tributados que os mais pobres. Logo, em virtude desse modelo de tributação extremamente desigual faz-se necessário que o IGF seja regulamentado afim de que sane tais disparidades, apenas o atual modelo de tributação progressiva de renda não é eficaz para angariar os recursos necessários, como principalmente não se mostra como um modelo de tributação justo, em virtude de que no caso do imposto de renda, por exemplo, sua alíquota máxima atual não ultrapassa os 27,5%. Logo, a regulamentação do IGF, dentre outros benefícios, seria um meio extremamente necessário para fazer valer a justiça fiscal através da oneração equitativa dos contribuintes. Amir Khair[40] indica os principais argumentos para justificar o seu apoio à criação do IGF:
Em vez de afugentar, deve atrair mais o capital ao permitir a desoneração do fluxo econômico, gerando maior consumo, produção e lucros. Não teria nenhum conflito com os impostos existentes, pois sua base tributária é o valor total dos bens. Quanto às dificuldades de avaliação dos títulos mobiliários, o registro eletrônico das transações e as posições fornecidas pelos bancos podem resolver o problema. […] A regulamentação do IGF irá diminuir a forte regressividade do sistema tributário, descentralizar mais recursos para Estados e Municípios, desonerar a folha de pagamento das empresas, contribuindo para reduzir a informalidade e com isso gerar empregos e desenvolvimento.
Importante ressaltar que, o argumento que estabelece que a inserção do IGF configuraria dupla tributação sobre a renda, estaria excluído, pois tal imposto visa tributar grandes fortunas, algo extraordinário e incomum, que em nada se equivale com a renda que é fato comum, ordinário, o caráter do IGF é de ser um imposto complementar. Corroborando para esse entendimento o Sindfisco[41] Nacional após um série de estudos realizados emitiu relatório no ano de 2010 e assim opinou sobre o tema:
(...) A análise das propostas legislativas sobre o imposto mostrou que este problema é facilmente evitado excetuando-se do valor a pagar do IGF o valor efetivamente pago de tributos como o ITR, ITBI, ITCMD, IPTU e IPVA, incidentes sobre bens constantes na declaração de rendimentos.
O planejamento tributário é praticado em todos os sistemas tributários do mundo. O Brasil não é exceção e nem o IGF o será. Não se deve temer o planejamento, nem tampouco utilizá-lo como argumento contra a justiça tributária. Deve-se, sim, enfrentá-lo de maneira adequada, produzindo legislações modernas, claras, objetivas e ágeis, com reduzidas lacunas e menores possibilidades de elisões e sonegações. Evitar-se-ia, desta maneira, um dos maiores problemas inerentes ao planejamento tributário, qual seja, o uso abusivo de contestações administrativas e judiciais que sobrecarregam o fisco e o poder judiciário, contribuindo para a redução da sua eficiência. A arrecadação, do IGF e dos demais tributos ganharia, assim, contornos de verdadeira efetividade.
Henry Tilbury[42], de igual modo constata que o IGF é por si só, o melhor instrumento de efetivação de controle da administração tributária, que se daria a partir da distribuição de riqueza, segue a opinião, in verbis:
A redistribuição da riqueza seria outro efeito benéfico do IGF, que funcionaria também como instrumento de controle da administração tributária, mediante o cruzamento de dados com base nas declarações da renda auferida, dos bens para o IR ou o IGF e das parcelas do patrimônio consideradas para tributações específicas. Haveria, assim, menor possibilidade de evasão de diversos tributos.
A instituição do IGF seria um meio de elidir a evasão, assim como a elisão fiscal. A evasão através de simples medidas, como a integração dos sistemas de informação dos dados. Mas em contrapartida a esse argumento surge o estudo do Sindfisco[43] Nacional que demonstra ser possível haver controle na arrecadação do Imposto Sobre Grandes Fortunas:
As experiências internacionais demonstram que é possível um controle anual e atualizado de todo o patrimônio declarado pelos contribuintes. Assim como o IRPF é processado, o IGF também o seria, gerando um banco de dados de informações estatísticas que permitiram aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil o controle e acompanhamento, para efeitos de fiscalização, do patrimônio declarado e da sua evolução. O trabalho fiscal, promovendo o cruzamento de dados entre declarações permitiria também a identificação de movimentações patrimoniais suspeitas, ou seja, daqueles contribuintes que, na tentativa de fraudar o fisco, tentassem transferir seu patrimônio para outrem. Atualmente, controle semelhante é possível para efeitos de fiscalização do imposto incidente sobre os ganhos de capital com a alienação de bens e direitos. Os cartórios informam ao fisco, anualmente, os registros de imóveis. O cruzamento destas informações com o patrimônio declarado e com o valor do imposto permite identificar os casos sujeitos ao recolhimento e não submetidos à tributação, aplicando-lhes as sanções legais e tributárias cabíveis. As doações entre terceiros também constam da declaração do IRPF e estão.
No tocante a sua contribuição para suavizar as disparidades causadas pela concentração de renda nas mãos de uma camada ínfima da sociedade, Francisco José Santos da Costa[44], apesar de fazer citações negativas, em seu artigo também defende a os Atos e Disposições Constitucionais Transitórias, o qual o artigo 80 do ADCT já prevê uma destinação para o valor da arrecadação do IGF, vejamos a opinião do autor:
"O imposto que incide sobre grandes fortunas possuiria como objetivo a prática da justiça social, através da redistribuição da renda proveniente da arrecadação deste imposto. Tal finalidade está inserida nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias em seu art. 80, inciso III, da seguinte forma: "Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: [...]
III – o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da Constituição".
Cumprir-se-á então, com a instituição do IGF, a verdadeira finalidade dos impostos, pois esses têm como fundamento a justiça social, através da distribuição da riqueza.
“Por isso o imposto já foi apelidado de “imposto Robin Hood” pelo procurador federal Carlos Vitor Bezerra, já que retirará o excesso dos ricos e o distribuirá com os pobres, confirmando então o princípio da capacidade contributiva”.
Como é possível perceber os argumentos favoráveis à instituição do IGF são inúmeros, não apenas argumentos, mas também demonstrações de que sua aplicação prática só trará benefícios a uma sociedade a qual possui uma das maiores concentrações de riqueza do mundo.
6 FALTA DE REGULAMENTAÇÃO DO IMPOSTO E AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
É fato que a desigualdade social que perdura em nosso país até hoje é fruto de um passado colonial, o qual a evolução econômico-social foi marcada pela grande concentração de riqueza.
A constituição Federal brasileira, já foi bastante inovadora ao instituir um imposto que tem como fato gerador a tributação de grandes fortunas, como foi visto em capítulos anteriores, há países em que não existe sequer a possibilidade de instituição de um imposto do tipo.
Nos dias atuais a discrepância entre a capacidade contributiva dos contribuintes é enorme, o rico paga proporcionalmente bem menos impostos que os pobres, o que enseja por si só, que o Legislador não fique inerte ao que ocorre no País, cabendo a ele estabelecer as regulamentações elementares para que o IGF possa ser de fato instituído em nosso sistema tributário.
Um estudo elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em 2012 reafirma este posicionamento ao anunciar que o Brasil é um dos principais países em que a concentração de renda dos mais ricos é uma das maiores do mundo.
Não há dúvidas que os prejuízos em decorrência da não regulamentação do IGF são superiores aos argumentos elencados por alguns estudiosos que corroboram para sua não instituição. Compartilhamos do posicionamento do Mestre José Afonso da Silva[45] o qual afirma que o imposto sobre grandes fortunas “será um imposto, se criado e bem administrado, de real importância para a redistribuição de rendas”.
Como mencionado por Amadei Neto[46], a falta de regulamentação do IGF extrapola o problema de arrecadação fiscal propriamente dita:
A abordagem da tributação sobre grandes fortunas está além da questão puramente fiscal, da enteléquia conceptual e da polêmica sobre a conveniência de seu implante no ambiente macroeconômico. O mandamento constitucional é ordem. A vontade de imprimir a legitima vontade de motivação social de justiça fiscal às finanças públicas fez emergir o imposto sobre grandes fortunas (IGF) do processo constituinte, até agora encravado no vigente art. 153, inciso VII da Constituição de 1988.
É de fácil percepção que e o IGF pode ser um grande aliado para sanar- ao menos em parte- questões sociais básicas de nossa sociedade, o artigo 80 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), já está estabelecido que o produto arrecadado por esse futuro imposto (IGF) deverá ser destinado ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, logo a regulamentação deste imposto será um avanço em detrimento da erradicação, principalmente da pobreza.
O Advogado e Professor Eduardo Sabbag após elaboração de pesquisa em parceria com a consultoria Capgemini, emitiu um relatório sobre as disparidades econômicas[47], segundo ele:
(...) O Brasil ocupa a 11ª posição no ranking dos países com mais pessoas milionárias (que possuem renda acima de um milhão de dólares). Segundo estudo publicado pelo banco Merrill Lynch, em parceria com a consultoria Capgemini, o número de brasileiros ricos aumentou de 131 mil em 2008 para 147 mil em 2009.
No Brasil, 87% dos privilegiados são considerados "ultrarricos", ou seja, possuem recursos para investimentos (o que exclui a residência, bens de consumo e bens duráveis, como veículos) superiores a 30 milhões de dólares.
Um relatório emitido pelo Banco Credit Suisse[48] no ano de 2014, calcula que atualmente cerca de 1.900 brasileiros contabilizam um patrimônio superior a US$ 50 milhões de dólares. o relatório prevê ainda um aumento de 47% no número de milionários brasileiros que deve atingir o montante de 332 mil adultos com riqueza acima de um milhão de dólares.
Em linhas gerais, temos que a lógica da tributação no Brasil viola o Princípio da Igualdade (Equidade) e de igual forma o Princípio da Capacidade Contributiva. Tal princípio- como fora demonstrado ao longo deste estudo- determina que o financiamento do Estado pelo contribuinte deva ser feito levando-se em consideração sua capacidade econômica. O sistema tributário de só será de fato justo quando a progressividade verdadeiramente for alcançada.
Ainda no tocante as disparidades econômicas o tema tem ganhado o destaque que merece com a edição do livro “O Capital no século XXI”, de autoria do Economista francês Thomas Piketty, o qual em síntese demonstra ao longo de sua obra de quase 800 paginas que o acúmulo de capital é nefasto, e que as disparidades econômicas são um dos principais entraves ao desenvolvimento.
Piketty é um dos grandes defensores do Imposto sobre Grandes Fortunas, prevê que as alternativas para sanar tais disparidades econômicas se dão através da adoção de políticas públicas corretivas à inércia existente, demonstrando que é através de uma maior tributação sobre a riqueza, em especial a financeira que as disparidades econômicas diminuirão.
Nada mais justo que aquele que detém fortuna exageradamente superior ao resto da população deva contribuir equitativamente ao Estado, objetivando respeitar ao princípio da capacidade contributiva propiciando aos demais um desenvolvimento digno. O ato de disposições transitórias, Art. 80 do ADCT já prevê que a destinação do IGF deva ir para um fundo que tem por objetivo erradicação da pobreza.
Francisco José Santos da Costa[49], apesar de fazer citações negativas, em seu artigo também defende os Atos e Disposições Constitucionais Transitórias:
“O imposto que incide sobre grandes fortunas possuiria como objetivo a prática da justiça social, através da redistribuição da renda proveniente da arrecadação deste imposto”. Tal finalidade está inserida nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias em seu art. 80, inciso III, da seguinte forma: "Art. 80. Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza: [...]
III – o produto da arrecadação do imposto de que trata o Art. 153, inciso VII, da Constituição";
Cumprir-se-á então, com a instituição do IGF, a verdadeira finalidade dos impostos, pois esses têm como fundamento a justiça social, através da distribuição da riqueza.
Conforme pudemos perceber o autor acredita que, além do objetivo maior que é a justiça social, a regulamentação do imposto cumprirá com o disposto no princípio da capacidade contributiva, pois como vimos, a base do Código Tributário Nacional é construída a partir do fundamento de que contribui mais quem obtiver maior capacidade para tanto.
Nota-se extrema necessidade de que haja uma ação efetiva por parte do legislativo para regulamentação do IGF, para que ele possa ser de fato cobrado, principalmente diante da atual conjuntura fiscal que se instalou em nosso país.
Diante do exposto é preciso entender que a implementação de fato do IGF em nosso sistema tributário é um enorme benefício, pois o princípio da equidade assim como o da capacidade contributiva, ambos poderão ser de fato respeitados, a partir de um modelo de tributação justo os quais ricos e pobres contribuirão na medida de suas capacidades.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo principal uma investigação sobre o tema “A não regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas- seu reflexo sob a perspectiva da capacidade contributiva e da justiça fiscal”.
Passados 25 anos de sua inserção na Constituição Federal de 1988, até o presente momento não possui nenhum tipo de regulamentação a respeito, pairando em nosso ordenamento jurídico uma evidente omissão legislativa no tocante a seu delineamento legal.
Ademais, atestou-se que uma das soluções para tentar amenizar as disparidades econômicas existentes em nosso sistema tributário poderiam ser facilmente sanadas se algumas medidas reparadoras fossem estabelecidas, nesse sentido, a regulamentação no IGF se mostra como uma alternativa eficaz para combater as discrepâncias existentes.
Restou demonstrado ao longo desse trabalho de conclusão de curso que o princípio da capacidade contributiva, um dos princípios norteadores do sistema tributário, não é respeitado, e que em nosso modelo de tributação vigora um modelo de regressivo, o qual faz incidir uma maior carga tributária sobre a camada menos favorecida da população.
Tal constatação vai de encontro com o que afirma grande parte da doutrina pátria, que assevera que modelo de tributação aplicado no Brasil é o modelo progressivo, que consiste basicamente em cada contribuinte ser tributado de forma equitativa a sua capacidade econômica, entretanto restou demonstrado ao longo deste estudo que o sistema tributário só pode ser considerado de fato progressivo a partir do momento em que a tributação é feita na mesma proporção da riqueza, diferente dos moldes, do atual modelo de tributação.
É evidente que o Congresso Nacional possui um grande desafio que é o de colocar em sua pauta definitivamente a votação das propostas de taxação do IGF, em decorrência de tal omissão do poder legiferante foram abordadas as principais propostas legislativas, aquelas que de alguma forma, seja pelo seu teor, relevância ou inovação mereceram ser detalhadamente abordadas ao longo deste trabalho de conclusão de curso. De fato, diferentes propostas legislativas, tentaram delinear, caracterizar e instituir o Imposto Sobre Grandes Fortunas, mas ironicamente nenhuma dessas propostas apresentadas prosperou até o presente momento.
Argumentos dos mais variados tipos foram elencados visando demonstrar os problemas que são originados por uma não regulamentação, assim como também os argumentos favoráveis à instituição do IGF são inúmeros, não apenas argumentos, mas também demonstrações de que sua aplicação prática só trará benefícios a uma sociedade a qual possui uma das maiores concentrações de riqueza do mundo.
Em suma, o presente trabalho, se propôs a fazer uma análise crítica do nosso sistema tributário atual, assim como demonstrar aspectos importantes correlatos ao não cumprimento do princípio da capacidade contributiva, assim como demonstrar os prejuízos a efetivação de uma justiça fiscal com a não implementação até os dias atuais do Imposto Sobre Grandes Fortunas- IGF. Imposto este, previsto desde a promulgação da Constituição de 1988, no artigo 157, inciso VII, localizado no rol de impostos cuja competência pertence à União, mas que até os dias atuais, por diferentes motivações ainda não vigora de fato em nosso sistema jurídico tributário.
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