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Vinculações político-partidárias são ameaça ao Estado Democrático de Direito?

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O fisiologismo tem se mostrado antidemocrático, pois defende interesses diversos dos do real soberano da República: o povo.

Discute-se, atualmente, sobre as vinculações político-partidárias e a democracia no Brasil. Há uma ideia de que não é mais possível confiar em nenhum partido político brasileiro, principalmente após os escândalos do Mensalão, da Lava Jato e, por último, — será o último escândalo? — dos Panama Papers.

Se pensarmos nos escândalos contemporâneos, não há mais como confiar em nenhum partido político, isto pelo fisiologismo entre eles. O fisiologismo tem se mostrado antidemocrático, pois defende interesses diversos dos dos reais soberanos da República Federativa do Brasil, os cidadãos com capacidade eleitoral ativa, ou simplesmente "o povo". Se Pierre-Joseph Proudhon estivesse entre nós, diria que houve anarquismo político em solo brasileiro.

Em junho de 2013, ocorreu a primeira manifestação realmente popular, porque foram impedidos de ingressar nas manifestações quaisquer partidos políticos, com suas insígnias, ou indivíduos que professassem a favor ou contra determinado partido. É preciso relembrar que as manifestações de junho de 2013 foram contra os gastos públicos para a Copa do Mundo, já que os serviços públicos eram, e ainda são, violadores dos direitos humanos dos usuários. Pela primeira vez na República vigente, os administradores públicos tiveram que se adequar ao novo cenário no Brasil: não era uma ilha isolada, onde o Estado, por meios dos "representantes" do povo, poderiam fazer o que bem quisessem. A polícia, sempre braço forte dos interesses do Estado, e não do povo, foi às ruas para mostrar, como sempre, o poder do Estado, com justificativa de segurança nacional e interesse público.

No entanto, para espanto dos "representantes", que achavam que a força do Estado é para lhe servir, como num Estado absolutista, as ações policiais foram condenadas aos olhos de organizações de direitos humanos. Preciso dizer que a mídia tradicional, dos canais abertos, sem ser por assinatura — gosto muito de citá-los, porque ainda há uma preferência nacional pelo jornalismo dos canais abertos; e, claro, TV por assinatura ainda é algo caríssimo para milhões de brasileiros. Eis a "preferência" — timbraram os manifestantes, aqueles que diziam "Não é por R$ 0,20" de "vândalos". Depois que alguns jornalistas desses canais passaram a ser hostilizados pelos braços fortes do Estado — aparato policial —, o discurso mudou. As polícias estavam sendo transgressores dos direitos humanos, principalmente quanto à liberdade de expressão.

É interessante explanar sobre a República Velha. Houve uma regionalização de partidos políticos, em SP e MG. O "voto de cabresto" era exercido sob coação dos coronéis, já que o Estado real era formado por coronéis. A máquina pública tinha suas engrenagens forjadas pelos interesses dos coronéis, e, assim, os abusos de autoridades eram "normais". Quem não acatasse as determinações do Estado [dos coronéis] seria morto, o que acontecia na maioria dos casos.

Na democracia Republicana de 1988, o "voto de cabresto" ainda existe nas localidades em que o Estado democrático não age ostensivamente para combater tal prática, como nas comunidades controladas pelos milicianos, por exemplo. Os conluios são firmados para favorecer os novos "representantes" do povo, isto é, para que os moradores dos locais votem nestes "representantes". A maioria das vezes acontece por ameaça, mas há o acordo "amigável" de favorecimento: um voto por uma dentadura, por exemplo. Há o ato de se aproveitar da miséria alheia. No desespero, qualquer ajuda é bem-vinda.

A situação fica pior, quando se fala em Congresso Nacional e Palácio do Planalto. As negociatas ocorrem sem qualquer sentimento de amor aos reais detentores de poder, os que possuem capacidade eleitoral ativa. Nas prefeituras é mais do que visível, principalmente em regiões miseráveis, enxergamos o contraste dos interesses dos eleitos com os interesses dos eleitores. Enquanto os eleitores veem suas vidas na mesma situação, os eleitos enriquecem. Se verificarmos no Tribunal Superior Eleitoral [TSE], o crescimento patrimonial dos eleitos, mesmo que legais, ainda assim é imoral. Imoral porque, em muitos casos, os subsídios são aumentados sem qualquer critério de razoabilidade humanamente concebível. Ora, criar leis que permitem reajustes em seus subsídios de forma que oneram as prefeituras é, repito, humanamente inconcebível. A legalidade se reveste de imoralidade. Aliás, a palavra imoralidade é assunto alienígena em nosso país, mesmo que esteja normatizado no caput do art. 37 da CF/88. Há um coronelismo moderno.

No pós-militarismo [1964 a 1985] surgiram vários partidos políticos. Por quê? Nos Anos de Chumbo, o pluripartidarismo fora extinguido pelo Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965. Passaram, então, a existir somente dois partidos políticos, a Arena [Aliança Renovadora Nacional], que era pró-governo militar, e MDB [Movimento Democrático Brasileiro], formado por opositores do governo, mas tendo partidos clandestinos, como o PCB. É interessante comentar sobre o pluripartidarismo. Se ele foi extinto pelo Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, pelos militares, em 1980, os militares permitiram a criação de multipartidos políticos, como forma de diluir o poder crescente da oposição.

Há uma corrente que diz que, quanto mais partidos políticos, mais se torna heterogênea a política brasileira, de maneira que as vozes do povo possam alcançar, eficazmente, o Estado democrático. Por outro lado, a quantidade de partidos políticos pode onerar as fianças públicas, já que há maior contingente de pessoas para pagar os agentes políticos. Além disso, a existência apenas de partidos e eleições não garante uma democracia consolidada. Por quê? É simples, quantidade não quer dizer qualidade.

Se pegarmos o espírito da lei, quanto à eficiência administrativa, normatizada do caput do art. 37 da CF/88, ela é imbuída no preceito de máxima excelência na administração gerencial. Ou seja, todos os recursos disponíveis devem atender às necessidades reais da empresa, pois num mundo cada vez mais globalizado, onde se defende os direitos humanos e a sustentabilidade, a empresa jamais pode se desvencilhar destes parâmetros direcionadores. Ora, a Administração Pública brasileira, infelizmente, é um centro de excelência que visa interesses egoísticos de quem preenche algum cargo. Antes da EC nº 19/98, o preenchimento de cargo público, principalmente político, representava oportunidade de melhoria de vida e pouco trabalho. Vários doutrinadores do Direito Administrativo, em suas obras literárias, relatam as engrenagens ideológicas que fomentavam a Administração: burocrática, corrupta, ociosa, unilateral.

A EC nº 19/98 trouxe vários avanços para a Administração Pública, como estágio, avaliação de desempenho e avaliação periódica de desempenho do servidor (art. 41, § 1º, III da CF/88), uso racional dos meios disponíveis, aperfeiçoamento constante da prestação de serviços e dos meios tecnológicos. E o administrador público [prefeitos, governadores e presidente da República] se enquadra na EC nº 19/98? Sim, mais ainda pela relevância de seu cargo [político]. Ele é responsável pela evolução, estagnação ou deterioração de todo sistema administrativo, o qual tem competência. É o representante do povo, e sendo tal, deve atender às necessidades imperativas do povo, principalmente os secularmente excluídos por políticas públicas anteriores. Devem, também, dar continuidade aos projetos os antecessores gestores públicos, quando benéficos aos direitos sociais.

Porém, o fisiologismo partidário e a pessoalidade emocional dos gestores não lhes permitem agir em benefício do povo, mas de suas próprias vontades e interesses escusos. Isso é contrário ao espírito da lei [eficiência administrativa] de uma constituição humanística [arts. 1º, III, 3º, 5º, §§ 1º, 2º e 3º, da CF/88]. O desvio de finalidade, o abuso de poder e de autoridade e qualquer outro ato ímprobo não é condizente com a eficiência administrativa. Quando se vê o flagrante desanexo de qualquer ato que não atenda a eficiência administrativa, pois seu espírito é a dignidade humana [caput do art. 5º, igualdade formal, e art. 3º, igualdade material], o gestor público se encontra em descompasso com a CF/88 [humanística].

Na conjuntura contemporânea brasileira, os partidos políticos, salvo minorias, mas que precisam de provas para que essas minorias estejam realmente a serviço da democracia humanística, e não a democracia "toma lá dá cá", agem para se beneficiar, assim como os filiados. Os escândalos do Mensalão, do Lava Jato e do Panama Papers, os mais famosos na atualidade, são exemplos de que os partidos e seus filiados integram ideologias diferentes do espírito da lei [CF/88]. As políticas públicas devem beneficiar os direitos sociais, a igualdade formal e material, o combate eficiente à corrupção generalizada, dentro e fora da Administração Pública, à educação do povo sobre o espírito humanístico que incorpora o corpo da CF/88, os meios eficientes para a aplicação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, do qual o Brasil é Estado Parte.

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São essas diretrizes que os gestores públicos devem nortear para materializar os direitos constitucionais. Sem essas diretrizes, o Brasil continuará a ser considerado um país de extremas desigualdades sociais, as quais resultam em dolorosas consequências para o desenvolvimento humanístico nas relações interpessoais e econômicas. Nenhum desenvolvimento econômico é útil democraticamente quando ainda existem as desigualdades socais, estas ocasionadas pela corrupção generalizada, dentro e fora dos Poderes Públicos, pelas políticas públicas, privilegiando o desenvolvimento de setores sociais por serem considerados "superiores".

Contemporaneamente, isto é, até a data da edição deste texto, as vinculações político-partidárias são ameaça à democracia. Os jornalistas, os artistas, os intelectuais, afiliados partidários, os manifestantes, todos, quando defendem partidos e gestores públicos que estão sendo condenados, ou foram condenados, por crimes contra o Estado Democrático de Direito, não estão a serviço do Estado Democrático de Direito, porém, aos interesses diversos não pactuados com a democracia.

Não obstante, não é possível não ter nenhum partido político e nenhum representante. Todavia, é preciso que uma nova cultura política nasça no Brasil. Política que tenha única diretriz de atender às necessidades reais, em consonância com as normas constitucionais, tanto material quanto formal. A política não é uma desvinculação possível do ser animal humano, porque ela faz parte da própria existência humana. A civilidade é consequência de boas políticas humanitárias, como as boas relações entre vizinhos [política solidária e respeitosa de vizinhança], as boas relações consumeristas [política da boa-fé objetiva entre fornecedores e consumidores], as boas relações entre policiais e cidadãos [política do servir ao povo como sendo o máximo soberano]. Enfim, comportamentos que esperados de seres humanos que visam a igualdade entre todos, a fraternidade despida de preconceitos, as ações centralizadas no respeito à pessoa humana, indiferentemente de credo, religião, sexualidade, gênero, morfologia. Infelizmente, o Brasil vivencia o totalitarismo, cujas vozes se digladiam em defesa dos interesses egocêntricos. Por exemplo, já que o país está vivenciando dificuldades econômicas, por que os agentes públicos não diminuem seus subsídios, suas mordomias? Será que os servidores públicos e os trabalhadores da rede privada são os únicos brasileiros que devem suportar a crise econômica?

A igualdade é um oásis a ser admirado no horizonte pelo andarilho no deserto!

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. Vinculações político-partidárias são ameaça ao Estado Democrático de Direito? . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4796, 18 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48160. Acesso em: 23 abr. 2024.

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