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Regras de aposentadoria: o juiz e o zelador,antes segregados, hoje abraçados

29/04/2016 às 10:13
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Este artigo traz um pequeno levantamento histórico, partindo-se de 1998, para demonstrar as mudanças no regime previdenciário dos servidores públicos.

Em 1988, para não retroagirmos muito, havia, na Constituição Federal, segregação de regras de aposentadoria, dependendo do cargo ocupado pelo servidor público.

Naquela época, o texto constitucional ainda adotava a vetusta e corroída prática de se privilegiar, no âmbito previdenciário, sem qualquer respeito a princípios financeiros, atuariais e de isonomia, determinadas categorias que podiam se aposentar com regras diferenciadas, cujos requisitos eram muito mais fáceis de serem implementados e alcançados, em face das regras previstas para o “servidor comum”.                

Pois bem, para ilustramos o tema, observemos a situação de um zelador (que veste o uniforme) e de um juiz (que veste a toga). Ambos trabalhando no mesmo órgão, no mesmo prédio, o Tribunal de Justiça. Dois homens com cargos, carreiras, atribuições e remunerações, evidentemente, bem distintas. Naquela época, a Constituição Federal, da forma como veio ao mundo, também diferenciava, em requisitos e consequências, a aposentadoria de ambos.

No texto original do art. 40 da CF/88, nas chamadas aposentadorias voluntárias, o zelador só se aposentava com proventos integrais após cumprir 35 anos de tempo de serviço.

Já o juiz, àquela época, conforme estabelecia o inciso IV do art. 93 da CF/88, podia se aposentar com proventos integrais após cumprir apenas 30 anos de tempo de serviço, exigindo-se pelo menos 05 anos de efetivo exercício na judicatura.

Nas aposentadorias involuntárias, por invalidez e compulsória, para que o zelador se aposentasse com proventos integrais, era necessário que o motivo da invalidez se desse em razão de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei. E no caso da compulsória, só seriam integrais se o zelador, após o implemento da idade de 70 anos, já tivesse completos 35 anos de contribuição. Sem o implemento destas condições, estas aposentadorias seriam proporcionais. 

Já o juiz, na aposentadoria por invalidez e compulsória, sempre se aposentava com proventos integrais, independente do motivo da invalidez e independente do tempo de contribuição vertido até o momento em que implementava a idade de 70 anos. Destarte, à época, se o juiz completasse 70 anos de idade e tivesse apenas 25 anos de serviço, se aposentadoria com proventos integrais mesmo não tendo integralizado os 30 que a lei exigia. Eram, de fato, regras bastante vantajosas.  

Percebam a colossal diferença que existia entre as regras de aposentadoria de ambos. Os privilégios que a lei assegurava aos membros da magistratura não guardavam qualquer relação com os princípios previdenciários que precisavam ser observados para nortear o alcance do irrenunciável equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS. Em regra, tratava-se de se estender na inatividade, o rol de direitos que estes agentes políticos detinham em leis como a LOMAN.

E como dito acima, estes privilégios, sem sombra de dúvida, guardavam relação com o inadequado e equivocado entendimento de que a aposentadoria era mera política de pessoal, premial e o direito previdenciário um mero apêndice do direito administrativo. E, por isto, estendia-se para a aposentadoria, o quilate de garantias que eram assegurados aos magistrados em atividade.

Ocorre que, com o passar dos anos, o entendimento evoluiu para a adequada e correta compreensão do que seja um regime de previdência próprio, com seus conceitos e institutos muito bem definidos.

A intensificação da autonomia do direito previdenciário em relação ao direito administrativo, a adoção do princípio da contributividade na matriz constitucional dos RPPS e a necessidade de se ajustar as práticas de gestão a princípios de ordem financeira, atuarial e contábeis, dentre outros, fizeram com que o direito à aposentadoria deixasse de ser um mero prêmio aos anos de serviços prestados ao Estado, para se tornar um direito cuja necessidade de contribuição prévia e o tratamento isonômico entre os servidores são condições “sine qua non” para sua própria existência.

Desta forma, aquele tratamento desigual entre servidores de carreiras distintas, o tratamento diferenciado em benefício dos membros da magistratura, com regras mais brandas, de fácil implementação e de consequências mais favoráveis, passou a ser encarado como uma realidade insustentável, um importante fator no desequilíbrio das contas do RPPS, uma situação que não poderia mais ter guarida na nova ordem constitucional.

Destarte, em atendimento à esta nova compreensão e inobstante o protesto dos membros dos Poder Judiciário, em 16/12/1998, a Emenda Constitucional nº 20 foi editada, alterando complemente os requisitos para a aposentadoria, igualando todas as carreiras em direitos e deveres e alinhando todos os servidores, independente do cargo e da carreira que ocupavam, nas mesmas regras de aposentadoria.

O art. 1º da referida emenda revoga o inciso VI do art. 93 da CF/88 e estabelece que aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observaria o disposto no art. 40 da CF/88. Desta forma, a emenda igualou o zelador ao juiz e, entre os dois, todos os demais. Ambos, que antes eram segregados na hora de se aposentar, passaram a se aposentar pelas mesmas regras. O magistrado, portanto, perdeu o direito às ótimas regras até então a seu dispor.

É preciso deixar claro que o zelador também sofreu com o surgimento da EC nº 20/98. Lembremos que antes ele se aposentava voluntariamente com proventos integrais após 35 anos de tempo de serviço. Agora, com a EC nº 20/98, foi alterada a norma constitucional, que passa a exigir do servidor homem os seguintes requisitos: 35 anos de tempo de contribuição, 60 de idade, 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 05 anos no cargo.                    

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Vê-se, facilmente, que a aposentadoria do zelador passou a ser muito mais difícil, muito mais rigorosa, pois antes só se exigia tempo de serviço e agora passou a se exigir tempo de contribuição, idade mínima e tempo mínimo no serviço público e no cargo. Com estes novos requisitos, o servidor teve que permanecer por mais tempo no serviço público, pois deveria implementar todos os novos requisitos, sem exceção.

Entretanto, se para o zelador a vida ficou mais difícil, para o juiz ela ficou ainda pior, pois, antes, ele se aposentava com regras bem melhores do que as dos demais servidores. Muito mais amistosas e atraentes do que as oferecidas ao servidor comum. E agora, pós EC nº 20/98, passaram a ter que se aposentar pelas mesmas regras do zelador ou de qualquer outro servidor.

O juiz, além de perder melhores regras de aposentadoria, foi obrigado a se submeter às mesmas regras dos demais servidores, que também não permaneceram as mesmas, pois foram impiedosamente endurecidas. A lei abraçou os dois.

Assim, com exceção daquele que já havia implementado os requisitos existentes antes da referida emenda, os magistrados não mais poderiam se aposentar voluntariamente cumprindo apenas 30 anos de tempo de serviço. Teriam agora que implementar os mesmos requisitos acima elencados, exigidos para qualquer servidor.  

Em relação às aposentadorias por invalidez e compulsória, os magistrados também passaram a ter que obedecer às mesmas regras dos demais servidores, ou seja, só seriam integrais se os motivos da invalidez fossem os elencados na lei, e na compulsória, se houvesse o implemento dos 35 anos de tempo de contribuição.

A EC nº 20/98 extinguiu os requisitos até então em vigor e criou novos, bem mais complexos e rigorosos, inserindo todos os servidores sob a égide do art. 40 da CF/88 e demais emendas constitucionais que a sucederam. Para o regime de previdência, uma medida necessária e urgente. Para os servidores, uma dura dose de realidade.

Os privilégios previdenciários aqui narrados não se limitavam apenas à pessoa do juiz. Suas filhas, desde que solteiras, tinham o direito a pensões vitalícias, independentemente da idade, independentemente de serem ou não inválidas. Muitas, ainda hoje, percebem este benefício Brasil a fora.

E, atualmente, o juiz condenado à perda do cargo por decisão judicial, não é demitido a bem do serviço público, como ocorreria com o zelador ou qualquer outro servidor. Ele é aposentado compulsoriamente com proventos proporcionais. Apena-se o juiz, conferindo-lhe um direito, a aposentadoria. Destarte, parece-nos que a tarefa de se igualar, no âmbito previdenciário, todos os servidores ainda não foi concluída. Ainda há privilégios a serem banidos.   

E por que o zelador e o juiz? Para bem destacar e realçar que hoje, após a EC nº 20/98, pouco importa a relevância do cargo, das atribuições ou a remuneração. Todos estão inseridos no mesmo contexto previdenciário, o RPPS. Do mais humilde ao mais importante, existem inúmeras categorias de servidores, todos com sua importância na Administração Pública e todos submetidos ao mesmo regime de previdência.

Assim, com exceção dos requisitos diferenciados das chamadas aposentadorias especiais, as regras de aposentadoria em vigor igualam todos os servidores.

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Sobre o autor
Alex Sertão

Professor de RPPS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERTÃO, Alex. Regras de aposentadoria: o juiz e o zelador,antes segregados, hoje abraçados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4685, 29 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48581. Acesso em: 24 abr. 2024.

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