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Formação do constitucionalismo sob a perspectiva das leis fundamentais do Maranhão

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Ao analisarmos a tradicional doutrina constitucionalista, encontraremos, de forma quase unânime, a afirmação de que o constitucionalismo encontra suas raízes na Constituição Americana. No entanto, há evidências revelam sua relação com outras fontes.

1. Introdução 2. As Leis Fundamentais 3. A legitimidade das leis fundamentais 4. O constitucionalismo primário das Leis Fundamentais 5. Conclusão 6. Bibliografia


1.Introdução

Ao analisarmos a tradicional doutrina constitucionalista, encontraremos de forma quase unânime, a afirmação de que o constitucionalismo encontra suas raízes no continente americano, na Constituição Americana de 1787, e demais documentos que serviram de base para a declaração desta constituição, como a Declaração de Mayflower, de 1620, e a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776.

No entanto, a partir de uma análise de documentos elaborados no continente americano, encontra-se as Leis fundamentais do Maranhão, elaboradas pelos franceses durante a expedição que visava fundar a França equinocial.

Discute-se a densidade jurídica e valor constituinte das leis Fundamentais do Maranhão, destacando-se a sua importância no processo de elaboração do constitucionalismo no continente americano.


2.As Leis Fundamentais

No início do século XVII os franceses chegaram às terras brasileiras pela segunda vez com o intuito de constituir a França Equinocial. Uma das medidas tomadas para garantir uma convivência harmônica entre nativos e conquistadores foi estabelecer regras, de um modo formal, ao contrário do sistema informal de leis, baseado nos costumes, que existia na região, fortemente influenciado pelo cristianismo.

Ao estabelecer formalmente tais leis, os conquistadores também garantiam, dessa forma, a consolidação de direitos já conquistados. As leis fundamentais do Maranhão possuíam uma grande força normativa, não se tratava de mera regra de convivência, ou apenas declaração de direitos, eram leis que não poderiam ser violadas sob pena de retaliação por meio de sanções por ela impostas.

As Leis fundamentais do Maranhão foram promulgadas em 1º de novembro de 1612, assinadas por Daniel de La Touche e Fraçois de Rassily. Reuniam em suas páginas normas de todas as espécies, dos mais variados ramos do Direito. São normas que situam-se além do ordinário, tratam de matéria essencial para a definição de Estado, como a soberania, e até mesmo de símbolos representativos de um determinado povo, por exemplo.

As Leis Fundamentais foram uma criação dos franceses que visava trazer uma maior segurança e estabilidade jurídica, pois se impõem até mesmo contra rei. Afirmavam a existência de normas acima do soberano, para que desse modo não ficassem subjugadas às suas vontades e fraquezas. Já traziam elencadas normas relativas à integridade, propriedade. Tais leis garantiam direitos também aos colonos, não só aos franceses. As Leis Fundamentais do Maranhão se assentavam sobre princípios maiores, coletivos, não somente direitos de determinados grupos.


3.A legitimidade das Leis Fundamentais

Atualmente, consoante afirma a doutrina moderna, o poder constituinte legítimo é do povo. Apesar do titular do poder constituinte ser o povo, é inconcebível a ideia de cada pessoa participar do processo de elaboração da nova constituição, então esse papel é exercido pelos agentes do poder constituinte, que são os representantes legitimamente eleitos. Ou seja, o titular é o povo, mas o seu exercício é dado a apenas uma determinada parcela dele.

O poder constituinte é um poder não condicionado a outras normas, a regras externas, bastando por si mesmo. Este poder é o responsável por elaborar a Constituição e também por criar e delimitar os poderes constituídos, estando sempre acima destes poderes derivados, que são: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Este poder constituinte pode ser originário ou derivado. O poder constituinte originário, que também recebe o nome de genuíno, inicial ou de 1º grau, é o poder responsável por elaborar uma nova Constituição. Tamanha é a força deste poder que não se pode alegar direito adquirido perante ele, pois não possui limitação de ordem jurídica. Portanto, nada impede que o novo texto constitucional seja aplicado retroativamente a fatos que ocorreram anteriormente à sua vigência. Analisando o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, vê-se que “as novas normas constitucionais, salvo disposição expressa em contrário, se aplicam de imediato, alcançando, sem limitações, os efeitos futuros de fatos passados” [1], tendo, portanto, uma retroatividade mínima, que é a retroatividade que só vem a alcançar as prestações futuras dos negócios que foram concretizados no passado, mas não alcançando normas infraconstitucionais que são irretroativas.

 São características deste poder constituinte originário ser: inicial, pois instaura uma nova ordem jurídica;  ilimitado, pois não é limitado pelo direito que o precedeu; incondicionado, uma vez que não se submete; autônomo, pois ele próprio estrutura a nova constituição; permanente, pois não se encerra depois de finalizada a nova constituição; e inalienável, pois a responsabilidade de compor o grupo dos agentes constituintes não pode ser transferível para outro, senão aquele eleito pelo legítimo titular do poder constituinte. Já o poder constituinte derivado, relativo ou de 2º grau é o poder responsável pela reforma da constituição, para que com isso a Constituição esteja sempre atualizada, poder de reforma; ou poder decorrente, aquele que atribui aos estados membros poder de elaborar suas próprias constituições, mas sempre conforme a Constituição federal. É um poder limitado, condicionado, subordinado.

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Diante do exposto acima, verifica-se que, tratando-se de Leis fundamentais do Maranhão, há sim uma participação do povo ao revelar a sua vontade, não só por parte dos franceses, como também foi dada atenção à vontade dos colonos. Foi pactuada entre ambos, estando dessa forma consagrando uma sociedade organizada e que se oriente pelos princípios elencados na lei. Esta caracterização se assimila em diversos pontos à caracterização de Estado elaborada por Thomas Cooley, que define Estado como “união política ou uma sociedade de homens conjuntamente unidos sob leis comuns, para o fim de promover o bem-estar geral e mútua segurança mediante o combinado esforço de todos”[2]. Diante do exposto, é possível afirmar que as Leis Fundamentais guardam consigo um nítido caráter constituinte, não somente pelo seu objetivo, como também pelo seu conteúdo.


4.O constitucionalismo primário das Leis Fundamentais

Define-se Constituição, nas palavras de Rodrigo César Rabello Pinho, como a lei fundamental de organização do Estado ao estruturar e delimitar seus poderes políticos, dispondo sobre os principais aspectos de sua estrutura, limites ao exercício do poder e princípios postulados de ordem econômica e social[3]. Quando se faz uma análise das leis fundamentais do Maranhão, constata-se a presença de alguns desses elementos em sua formulação.

Em suas páginas, as leis fundamentais elencam temas de grande relevância para a caracterização de Constituição, tal como a instituição e limitação do poder. Por outro lado, é bem verdade que as Leis Fundamentais acabaram por não estabelecer normas acerca da instituição de um Estado, mas não é devido a essa ausência que se afirma que lhes faltam conteúdo constitucional. As Leis Fundamentais trazem consigo esclarecimento sobre a soberania do reino, organização da colônia, proteção à integridade física e da propriedade, constituindo deste modo a sua natureza orgânica para a construção do Estado Constitucional, caracterizando, assim, uma espécie de constitucionalismo primário.

É possível encontrar pontos semelhantes entre os textos constitucionais atuais e o texto das Leis Fundamentais do Maranhão, tal como a proteção à vida e à honra, direito à propriedade, instituindo, desse modo, os fundamentos para um Estado, revelando, assim, a sua densidade jurídica.


5.Conclusão

Estudando a doutrina clássica, constata-se uma escassa abordagem das Leis Fundamentais do Maranhão no processo de formação do Constitucionalismo moderno, principalmente no continente americano. Essa carência de estudo sobre a área é de grande perda, pois esta norma é de grande importância para o estudo sobre as normas que compõem as cartas constitucionais nos dias atuais.

As Leis Fundamentais possuem em seu texto uma densidade jurídica tal que se pode falar em normas constituintes formadoras de uma espécie de constitucionalismo primário. Mesmo trazendo normas de caráter civil, penal, tributário, também trazem em seu rol normas garantidoras de direitos que se encontram em nossa Carta Constitucional. Não há como negar a densidade constitucional das leis fundamentais, visto que sua instituição era o objetivo dos franceses, ao constituírem a França equinocial em solo brasileiro.


Bibliografia

COOLEI, Thomas M. Princípios gerais do direito constitucional nos Estados Unidos da América. Campinas: Russell, 2002.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 3º ed. rev. e atualizada. São Paulo: Método, 2008.

PINHO, Rodrigo César Rabello. Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 11º Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

SANTANA, José Cláudio Pavão. O pré-constitucionalismo na América. São Paulo: Método, 2010.


Notas

[1] RE 242.740/GO rel. Min. Moreira Alves, 20.03.2001.

[2] Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos. 1º ed. Campinas: Russell, 2002, p. 31

[3] Teoria geral da constituição e direitos fundamentais. 11º Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.28

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Sobre o autor
Vinicius Maranhão Coelho Borges

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Vinicius Maranhão Coelho. Formação do constitucionalismo sob a perspectiva das leis fundamentais do Maranhão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4686, 30 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48586. Acesso em: 29 mar. 2024.

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