A EQUIPARAÇÃO DO USUCAPIÃO A UMA FORMA DE PRENOTAÇÃO ANTERIOR

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O objetivo do trabalho é analisar qual dos institutos deve prevaler quando da decretação da falência da empresa: a massa falida ou o usucapião, bem como averiguar a possibilidade deste ser equiparado a uma forma de prenotação anterior.

A EQUIPARAÇÃO DO USUCAPIÃO A UMA FORMA DE PRENOTAÇÃO ANTERIOR

            Clécio Araújo de Lucena[1]

            Francisco Edmar da Silva[2]

Frendeson Bento de Oliveira[3]

RESUMO: O art. 129 da Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências) trata dos atos de ineficácia objetiva perante a massa falida. Por atos ineficazes objetivamente, entende-se que são aqueles que independem da comprovação do conluio fraudulento, esteja ou não o terceiro de boa-fé. A partir daí, uma das hipóteses, qual seja, o inciso VII do referido artigo, chamou-nos a atenção. Refere-se ao caso em que a empresa transfere a outrem propriedade referente a imóveis, seja onerosa ou gratuitamente, após a decretação de falência, possuindo como única ressalva a prenotação anterior. Diante desse quadro, questionou-se acerca da possibilidade do usucapião prevalecer diante da massa falida. Aprofundamo-nos na pesquisa, fazendo uso de revisões bibliográficas, muito embora nenhuma discussão tenha sido encontrada a esse respeito. Concluiu-se que o imóvel não pertencerá a massa falida se preenchidos todos os requisitos do usucapião antes da decretação de falência. E, na hipótese da prescrição aquisitiva ocorrer após a decretação da falência, defendeu-se a equiparação do usucapião a uma forma de prenotação anterior.

Palavras-chave: Atos ineficazes. Lei de Falências. Massa falida. Usucapião. Prenotação anterior.

ABSTRACT: The art. 129 of Law nº 11.101/05 (Bankruptcy Law) deals with acts of objective ineffectiveness before the bankruptcy estate. By acts ineffective objectively, it is understood that those who are independent of proof of fraudulent collusion, whether or not the third party in good faith. From there, one of the hypotheses, that is, the section VII of that article, it caught our attention. Refers to the case where the company transfers to another property related to real estate, is costly or free, after the adjudication of bankruptcy, having as one caveat to previous notation. Given this situation, if questioned about the possibility of adverse possession prevail on the bankruptcy. Deeper into the research, using literature review, although no discussion has been reached in this regard. It was concluded that the property does not belong to the bankrupt estate is filled all adverse possession requirements before the adjudication of bankruptcy. And, in the hypothesis of acquisitive prescription occur after the adjudication of bankruptcy, defended the equalization of adverse possession to a form of previous notation.

Keywords: Acts ineffective. Bankruptcy Law. Bankrupt estate. Adverse possession. Previous notation.

1 INTRODUÇÃO

Muitos empresários, ao perceberem que a falência de suas empresas está iminente, adotam alguma conduta, na tentativa, por vezes, de resgatá-las do fechamento. Por outro lado, alguns, procurando fugir das obrigações assumidas perante os credores, alienam os bens remanescentes, tendo por escopo lucrar sobre as ruínas do que outrora fora império.

Como forma de impor barreiras a fraudes, a Lei nº 11.101, de 09 de janeiro de 2005, popularmente conhecida como Lei de Falências, cuidou de abordar o tema, a fim de evitar prejuízo aos credores.

Dado o caráter absoluto atribuído a determinados atos tidos como ineficazes em relação à massa falida, propomo-nos a uma análise e discussão no tocante, precipuamente, à hipótese do art. 129, VII, da Lei de Falências.

Possuindo ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira em que se encontra a empresa devedora, é certo que serão ineficazes os atos enumerados, taxativamente, pelo art. 129 da Lei de Falências. Do mesmo modo, verificar-se-á tal consequência caso a empresa em falência possua ou não o intento fraudulento contra credores, isto é, independentemente da boa-fé.

De acordo com o inciso VII do referido artigo, serão ineficazes “os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior”.

Ocorre que, ao se examinar mais detidamente tal disposição, eis que surge questionamento pertinente. No caso de se ver configurada a prescrição aquisitiva, o imóvel em comento poderá ser adquirido por usucapião ou mesmo nesses casos deverá compor a massa falida? Qual deverá prevalecer?

Por um lado, sabe-se que os atos praticados antes da falência – denominado período suspeito – são considerados ineficazes, justamente, a fim de evitar que a empresa devedora se desfaça de seus bens sem adimplir com os débitos junto aos seus credores. Por outro, o usucapião é modo de aquisição originária da propriedade, perdendo assim qualquer vínculo com o proprietário anterior.

Dar-se-á a investigação do objeto aqui proposto de maneira qualitativa, sendo o procedimento de coleta da pesquisa baseado em revisões bibliográficas, assim como a fonte de informação será, maiormente, teórica.

Diante da problemática que abrolha, bem como da carência de informações que elucidem este teor, o presente trabalho visa, portanto, vislumbrar as possíveis perspectivas, analisando qual dos institutos jurídicos deve sobressair: o usucapião ou a massa falida.

2 FALÊNCIA E ATOS INEFICAZES

A falência de uma empresa não acontece de uma hora para outra. Diversos acontecimentos se desenrolam ao longo de sua trajetória que, pelos efeitos que eles causam, culminam no fim da atividade empresarial. A crise de mercado que acarreta diminuição nas vendas de produtos ou serviços e, consequentemente, a iliquidez e escassez de capital de giro, são exemplos objetivos que obrigam a decretação de falência.

Ante a situação iminente de falência, alguns empresários usam de diversos artifícios para obter crédito com o intuito de recuperar o capital que lhes falta e, com isso, reverter o estado de iliquidez. Assim, não é difícil vislumbrar ocultações e desvios de ativo com o intuito de fraudar credores, bem como utilizar-se de expedientes a beneficiar determinados credores outros, o que evidencia a má-fé desses empresários.[4]

É como bem descreve o professor Fábio Ulhoa Coelho:

Os sócios, o acionista controlador e os administradores de uma sociedade empresária, ao pressentirem que a empresa se encontra em situação econômica pré-falimentar [...], podem ser tentados a evitar a decretação de quebra ou a contornar suas consequências por meios ilícitos, fraudando os credores ou as finalidades da execução concursal [...].[5]

A Lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005 trouxe um dispositivo capaz de combater esses atos que tenham por finalidade fraudar credores ante a iminência de falência, o que permite o efeito retroativo ao início do processo de falência, possibilitando, assim, o combate aos atos fraudulentos, tornando-os ineficazes em relação à massa falida.

A ineficácia pressupõe somente a ausência de produção de efeitos, ou seja, o ato praticado no período suspeito continua válido. No entanto, seus efeitos são ineficazes a certos destinatários.[6]

Em um primeiro momento, vale saber quais são os atos considerados objetivamente ineficazes perante a massa falida. Nesse diapasão, a lição de Bezerra Filho é bastante límpida ao dizer que “[...] o art. 129 contempla os casos de ineficácia objetiva (que independe de fraude), enquanto o art. 130 refere-se aos casos de ineficácia subjetiva (há necessidade de prova de fraude dos contratantes)”[7].

Muito embora o art. 130[8] da Lei de Falências traga hipóteses de ineficácia – e, como visto, possui caráter subjetivo, uma vez que é necessário provar o conluio fraudulento –, tal dispositivo não será alvo deste trabalho.

De igual modo, não nos deteremos a cada situação trazida pelo art. 129, haja vista que apenas um dos incisos será confrontado, a fim de expormos nossa tese. De qualquer maneira, é importante ao menos conhecê-lo:

Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;

II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;

III – a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal, tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada;

IV – a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da decretação da falência;

V – a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da decretação da falência;

VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;

VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.

Parágrafo único. A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesa ou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo. (grifo nosso).

        

O objeto do nosso trabalho, entretanto, restringe-se à análise do inciso VII do artigo supracitado, sobretudo, no que diz respeito à (in)eficácia dos atos registrais, de transferência ou averbação relativa a imóveis, quando da aquisição, pelo preenchimento dos requisitos necessários, do direito de usucapir imóvel alienado.

De modo sucinto e genérico, o que importa saber sobre os atos presentes nos incisos acima é que “qualquer um deles praticado pela sociedade falida não produz efeitos perante a massa, mesmo que inexistente a fraude. Basta a ocorrência do ato no tempo ou nas condições referidas pelo legislador.”[9]

3 USUCAPIÃO E A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

O usucapião[10] é um modo de aquisição da propriedade do imóvel que se dá pela posse prolongada e ininterruptada coisa, de acordo com os requisitos legais.

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Luiz Guilherme Marinoni conceitua da seguinte maneira:

A usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, que se dá em razão da posse, mansa e pacífica, sobre o bem, por determinado lapso temporal.

Trata-se de forma originária de aquisição, o que vale dizer que eventuais vícios existentes sobre a cadeia dominial do bem, anteriores à aquisição, não se transmitem para o novo proprietário.[11]

Nos dizeres de Paulo Lúcio Nogueira, o “usucapião é, portanto, a aquisição da propriedade pelo decurso do tempo e daí dizer-se também de aquisição prescritiva”[12].

Nosso ordenamento prevê, em suma, três espécies de usucapião: I) o ordinário (art. 1.242/CC); II) o extraordinário (art. 1.238/CC); e, III) o especial – este subdivide-se em rural e urbano (arts. 191/CF c/c 1.239/CC e arts. 183/CF c/c 1.240/CC, respectivamente).

Como, para chegarmos a nosso objetivo, faz-se imprescindível apresentar breves apontamentos acerca do usucapião, aproveitamo-nos da lição do jurista Alexandre Freitas Câmara, o qual nos ensina o seguinte:

Uma vez transitada em julgado a sentença de procedência, expede-se mandado, para que a mesma seja registrada junto à matrícula do imóvel no Registro de Imóveis. Tal registro tem finalidade meramente declaratória da aquisição do domínio, já que o demandante era, mesmo antes de sua efetivação, titular da propriedade (ou outro direito real) sobre a coisa. Ademais, é de se afirmar que, sendo o usucapião forma originária de aquisição da propriedade, não há qualquer ligação entre o registro da sentença que reconhece o domínio adquirido por tal meio e os registros de títulos anteriores, sendo, pois, dispensável qualquer referência à cadeia dominial anterior.[13]

Nesses termos, basta o possuidor provar a denominada prescrição aquisitiva, que consiste na aquisição do direito real pelo decurso de tempo, respeitando os demais requisitos necessários a cada espécie de usucapião (extraordinário, ordinário e especial) e abstendo-se das causas impeditivas[14].

4 USUCAPIÃO COMO FORMA DE PRENOTAÇÃO DE IMÓVEL NO PROCESSO FALIMENTAR

Bem, superada a breve análise dos tópicos acima, eis o momento de nos debruçarmos sobre a hipótese do inciso VII do art. 129 da Lei de Falências. Trata-se do caso em que o empresário transfere a outrem, seja de modo oneroso ou gratuito, propriedade pertencente, a priori, a empresa, após a decretação de falência. Logo, será tal ato avaliado como ineficaz pelo juiz. E, como ressaltado alhures, por ser ato imbuído de ineficácia objetiva, não se faz imperativo sequer analisar a fraude ou a boa-fé. “Não é necessário que o contratante conheça a situação patrimonial do devedor. Igualmente, não há necessidade de prova da intenção de fraudar os credores”[15]. A única exceção diz respeito à existência de prenotação anterior, trazida pela parte final do inciso supracitado.

Manoel Justino Bezerra Filho, interpretando a letra da Lei de Falências no que tange a este inciso, afirma que, mesmo que exista escritura pública regular antes de ser decretada a falência da empresa, ela de nada valerá caso não venha a ser registrada ou averbada na matrícula do imóvel[16].

Antes, portanto, do ato registrário, não ocorrem a oneração ou a transferência do bem, mesmo que já lavrada a escritura ou instrumento particular. Sobrevindo a falência – ou a medida preliminar de sequestro – sem que o credor ou o adquirente tenham providenciado o registro, o ato registrário tardio será ineficaz perante a massa falida. Caberá, nesse caso, ao credor titular da garantia habilitar-se como quirografário e ao adquirente o direito ao preço pago ou, sendo este superior ao apurado com a liquidação do imóvel, ao da venda judicial.[17]

De forma precisa e brilhante, é a colocação do mestre André Luiz Santa Cruz Ramos:

Sabe-se que a oneração ou a alienação de bem imóvel só se aperfeiçoa, produzindo efeitos perante terceiros, depois de devidamente registrada no órgão competente, isto é, o cartório de imóveis. Ora, se até a decretação da falência não tinha sido levado a efeito o registro, ele será completamente ineficaz perante a massa se feito após a sentença de quebra. A única exceção aberta pela norma em questão é a de existir prenotação anterior. Isso nos leva a concluir, pois, a contrario sensu, que a simples operação de venda de bens imóveis do devedor ou a mera constituição de garantia sobre eles, antes da decretação de sua falência – ainda que dentro do período suspeito –, é plenamente válida e eficaz, salvo, obviamente, se for comprovada a fraude.[18] (grifos do autor)

Em consonância com os posicionamentos doutrinários susoditos, está o art. 215 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos): “são nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente”.

Superado este exame preliminar acerca do dispositivo em explanação (art. 129, VII, da Lei nº 11.101/05), aprofundemo-nos ainda mais na problemática deste trabalho.

Pois bem. Como é sabido, a sentença que julga procedente a ação de usucapião apenas declara o direito material, uma vez presentes os requisitos mínimos para usucapir o imóvel. Não possui tal decisão judicial o condão de constituir ou desconstituir o domínio.

Corroborando com o ora exposto, tem-se os ensinamentos de Marcato:

Como já salientado, a sentença de procedência da ação de usucapião é meramente declaratória, valendo como título de domínio. É dotada de eficácia ex tunc, pois seus efeitos operam retroativamente, fixando como termo inicial dessa eficácia a data em que o usucapiente preencheu todos os requisitos do usucapião. Por outras palavras, a sentença de procedência não é atributiva do domínio do bem ao usucapiente, mas, sim, declaratória do domínio sobre ele; consequentemente, o usucapiente vitorioso é proprietário, para todos os fins, desde a época em que atendidos todos os requisitos legais para a aquisiçãodo bem.[19]

Inclusive, a Lei de Registros Públicos possui previsão expressa a esse respeito:

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.

I - o registro:

[...]

28) das sentenças declaratórias de usucapião;

Assim sendo, imaginemos, hipoteticamente, a situação a seguir. Um empresário, visando constituir uma empresa própria, compra um imóvel para servir de estabelecimento para seus negócios, transferindo a propriedade desse imóvel para o nome da empresa, devidamente regularizada. Anos depois, suponhamos que este empresário, indo muito bem na sua atividade empresarial, decida alienar, por motivo qualquer, este bem a terceiro (adquirente de boa-fé) através de uma escritura particular de compra e venda. O tempo transcorre e o adquirente não teve o cuidado de resolver a questão do domínio no Cartório de Imóveis. Não obstante a isso, o comprador de boa-fé atinge todos os requisitos do usucapião (por exemplo, o ordinário). Após este fato, é decretada a falência da empresa.

No caso lançado, não houve, como é perceptível, prenotação anterior. Deve o adquirente perder o imóvel para a massa falida mesmo tendo preenchido todos os requisitos do usucapião? Entendemos que não. Se a eficácia do domínio é atingida quando atendidos completamente os requisitos do usucapião – principalmente, o temporal –, não devemos admitir que a decretação da quebra possa se sobrepor à aquisição originária da propriedade.

Por óbvio, para que o direito de usucapir o bem prevaleça ante a massa falida, é importantíssima a inexistência do conluio fraudulento, pois, caso ocorra, será possível o retorno do bem à massa muito antes da decretação da falência, isto é, durante o período suspeito.

Prosseguindo. O caso exemplificativo trazido a pouco, embora interessante, não chega a gerar maiores controvérsias. Percebe-se que os requisitos do usucapião foram preenchidos antes da decretação da falência.

E qual seria a solução se os mesmos requisitos só se completassem após a quebra, como reza o dispositivo? Por exemplo, imaginemos que já transcorreram nove anos e seis meses desde a transferência onerosa por parte da empresa ao terceiro adquirente e, nesse momento, é decretada a falência daquela. Tendo em mente que o requisito restante para usucapir o imóvel é a completude do lapso temporal de dez anos, deve este bem sair da posse do adquirente de boa-fé e integrar a massa falida, haja vista não ter havido prenotação anterior?

Continuamos a entender que não. Vejamos.

Embora a Lei de Falências tenha sido omissa no tocante ao usucapião, defendemos que este instituto deve imperar diante da massa falida. Para tanto, a contrario sensu do que determina o caput do art. 129, a fim de se moldar ao inciso VII e evitar prejuízos e injustiças ao comprador de boa-fé, afirmamos que o usucapião, restando tão somente o preenchimento da prescrição aquisitiva, deve ser equiparado a uma forma de prenotação anterior.

Portanto, tratando-se de usucapião o qual atende a seus requisitos anteriormente à quebra, não terá o art. 129 da legislação falimentar a força necessária para tornar ineficaz o ato outrora realizado. Também, se o mesmo ocorre posteriormente à decretação de falência, deve-se igualar o usucapião – mais especificadamente a prescrição aquisitiva – à prenotação referida no final do inciso VII.

Em qualquer caso, atendidos os requisitos do usucapião, devemos observar o disposto no § 5º do art. 214 da Lei de Registros Públicos, o qual prescreve o seguinte:

Art. 214 - As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

[...]

§ 5o A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel. (grifo nosso)

5 CONCLUSÃO

Ao pensarmos sobre a problemática em questão, decidimos nos aprofundar nos estudos. Após visualizarmos que inexistia material que trouxesse à baila uma abordagem da ineficácia dos atos perante a massa falida contextualizando com o usucapião, resolvemos então inovar no campo da pesquisa e, no decorrer deste singelo trabalho, objetivamos priorizar o direito de usucapir um bem, em face da massa.

Com isso, procuramos fixar que, uma vez configuradas todas as condições do usucapião, se antes da decretação de falência, esta não afetará aquele. Todavia, nossa discussão girava em torno, maiormente, da prescrição aquisitiva que é alcançada após a quebra.

Defendemos, enfim, que o usucapião é instituto maior e que sua equiparação a uma forma de prenotação anterior, mesmo que o tempo mínimo exigido pela lei para usucapir um bem se complete posteriormente à decretação de falência, é medida bastante razoável, a fim de se conservar o direito do adquirente de boa-fé.

Esse entendimento privilegia o princípio constitucional da função social da propriedade e o direito fundamental à moradia, em detrimento da massa falida, bem como preserva o princípio da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

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NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Direito Civil. 5. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1994.

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VENOSA, Sílvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 8.


[1] Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Caicó, RN, Brasil. 

[2] Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Caicó, RN, Brasil. 

[3] Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Caicó, RN, Brasil. 

[4] VENOZA, Sílvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 354.

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 3, p. 304.

[6] VENOZA, op. cit., loc. cit.

[7] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005, Comentada Artigo por Artigo. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 282.

[8] O art. 130 da Lei nº 11.101/05 não traz rol taxativo, a exemplo do art. 129. Aquele precisa da ação revocatória referida no art. 132 da mesma lei para, devidamente comprovada a fraude, tornar ineficaz o ato. Quanto às hipóteses do art. 129, segundo Bezerra Filho, “os bens envolvidos podem ter seu retorno à massa determinado por simples decisão interlocutória, prolatada até de ofício, conforme prevê o artigo, em seu parágrafo único”. Ibidem, p. 281.

[9] COELHO, op. cit., p. 311.

[10] Cassio Scarpinella Bueno nos alerta para a curiosidade de que a palavra usucapião é classificada como substantivo de dois gêneros (o usucapião ou a usucapião), como também que a opção do Código Civil foi utilizá-la como substantivo feminino. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais do Código de Processo Civil. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2, t. 2, p. 87. Não é à toa que, naturalmente, alguns doutrinadores se filiam a um ou outro gênero. Todos estão corretos.

[11] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Procedimentos Especiais. 3. ed. rev. Atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. v. 5, p. 120.

[12] NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Direito Civil. 5. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 297.

[13] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2013. v. 3, p. 454-455.

[14] Conforme o art. 1.244 do Código Civil: “estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião”. Trata-se, portanto, das hipóteses previstas no art. 197 e seguintes do mesmo diploma legal.

[15] DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto. Comentários à Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 514.

[16] BEZERRA FILHO, op. cit., p. 286.

[17] COELHO, op. cit., p. 309.

[18] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial: O Novo Regime Jurídico-Empresarial Brasileiro. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 694.

[19] MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais. 14. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2010. p. 172.

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Sobre os autores
Clécio Araújo de Lucena

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Caicó, RN, Brasil.

Frendeson Bento de Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Caicó, RN, Brasil.

Francisco Edmar da Silva

Bacharel em Direito pela UFRN Especializando em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário

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Os atos praticados antes da falência – denominado período suspeito – são considerados ineficazes, justamente, a fim de evitar que a empresa devedora se desfaça de seus bens sem adimplir com os débitos junto aos seus credores. Por outro, o usucapião é modo de aquisição originária da propriedade, perdendo assim qualquer vínculo com o proprietário anterior. Questionou-se acerca da possibilidade do usucapião prevalecer diante da massa falida.

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