Capa da publicação Taxistas x Uber: do abuso à autotutela
Capa: Divulgação
Artigo Destaque dos editores

Taxistas x Uber: do abuso à autotutela

Leia nesta página:

O manifesto abuso cometido pelos taxistas por meio da repudiada "justiça pelas próprias mãos" tem acarretado a prática de crimes graves contra motoristas e usuários do Uber, inclusive, contra o próprio Estado.

Em razão do que se vê estampado nos noticiários, creio que o resultado mais nefasto da atual crise enfrentada pelos brasileiros vai muito além das dificuldades econômicas, com destaque para o vertiginoso desemprego, que já ultrapassa os 10 milhões de trabalhadores, segundo dados divulgados pelo IBGE [1].

 O brasileiro parece viver hoje um momento de confusão moral, tentando desesperadamente se posicionar diante dos escandalosos flagrantes de corrupção e impunidade, e não me refiro aqui ao posicionamento político-partidário (que não necessariamente ideológico), entre os que defendem a “bandeira” vermelha e os que defendem a “bandeira” verde a amarela (isso, deixo à cargo das ruas, das urnas, etc).

Sinceramente, tenho a impressão de que a população a noção daquilo que é certo ou errado, do bem e do mal, e por ai vai.

 Se a impunidade parece servir de estímulo à prática criminosa nos mais variados setores da sociedade, a ausência de um Estado forte e a descrença do brasileiro com os legisladores e muitos dos aplicadores do direito tem fomentado a adoção da repudiada “justiça pelas próprias mãos”, ou autotutela (autodefesa), cuja essência repousa na regra do mais forte.

Alguns até poderão dizer que a legislação atual (cível ou penal) abarca e aceita situações específicas de “autotutela”, o que em tese é a mais absoluta verdade, conforme leitura exemplificativa dos artigos 1.219[2] , e 1.470[3] , da legislação substantiva civil, 23[4] do código penal e 301[5] da legislação adjetiva penal.

Entretanto, como se leis não existissem e em evidente e manifesto retrocesso (colocando em risco até o próprio Estado), a sociedade brasileira tem utilizado a tal “autotutela” com maior frequência, de linchamentos comumente noticiados e muitas vezes até enaltecidos pela mídia sensacionalista, invasões e destruição de propriedades particulares por movimentos como os “sem terra” até repreensíveis ações de “defesa” de interesses que extrapolam por demais os limites do homem médio, com destaque neste artigo a postura adotada por uma grande parcela dos taxistas contra os motoristas e usuários do UBER[6].

 Não entrarei na seara da legalidade ou não do referido aplicativo, por sinal, já aprovado e regulamentado em mais de “300 cidades em 58 países”[7], mas exclusivamente nos crimes mais graves que estão sendo cometidos pelo taxistas em total desproporção ao tal “mal” que dizem experimentar com o tal aplicativo.

 Pois bem, como se o serviço prestado pelos taxistas das principais cidades brasileiras fosse impecável e irretocável (o que passa longe de ser verdade[8]), contra o UBER, reclamam principalmente que, importaria em concorrência desleal (motorista do UBER não pagaria impostos) e que mais carros oferecendo alternativa para o transporte da população “tiraria o pão” de milhares de taxistas.

Aqui, um parêntese se faz necessário. Só título de curiosidade, já tentaram tomar um táxi na cidade do Rio de Janeiro (por volta das 17:00 horas) para realizar uma corrida entre o Tribunal de Justiça (Avenida Erasmo Braga) e o aeroporto Santos Dumont? E o que dizer da quase inexistência de táxi no centro da cidade de São Paulo, após as 21:00 horas? Por experiência, não foi uma nem duas vezes que passei por essa situação vexatória.

 Pois bem, voltando ao cerne do artigo, “defendendo” tais reinvindicações e como se não existissem legislativo, executivo e judiciário, taxistas de praticamente todo o país resolveram por bem “fazer justiça” com as próprias mãos, cometendo nessa empreitada as mais diversas atrocidades, que vão desde a perseguição e destruição de carros pura e simplesmente por serem pretos (sim, alguns taxistas chegaram ao cúmulo de cercar, destruir carros e até mesmo agredir motoristas particulares que nada tinham a ver com o UBER [9]) , agressão a usuários do aplicativo[10]  e até sequestro de motorista do UBER[11] (na madrugada de agosto de 2015 um motorista do aplicativo foi atacado e sequestrado em uma emboscada de taxistas na capital paulista).

Chegou-se ao absurdo de um líder sindical (Sr. Antônio Raimundo Matias dos Santos, conhecido como Ceará), presidente do Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores nas Empresas de Táxi de São Paulo, dizer em alto e bom som durante a sessão realizada na câmara dos deputados do estado de São Paulo, que “vai ter morte” caso o governo não trabalhe na regulamentação do serviço online[12].

  Ou seja, só pelos casos acima mencionados, já é possível identificar alguns sérios crimes cometidos pelos taxistas: a) artigo 163[13]  - CRIME DE DANO, muitas vezes qualificado por emprego de violência ou grave ameaça; b) artigo 129[14] – LESÃO CORPORAL ; c) artigo 148[15] – SEQUESTRO ; e, d) artigo 288[16] – FORMAÇÃO DE QUADRILHA , dentre outros, todos previstos no código penal brasileiro.

Mais uma vez, não se discute aqui sobre a legalidade ou não do UBER, muito embora o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já tenha sinalizado, ainda que em sede de liminar proferida nos Autos do Recurso de Agravo de Instrumento nº 2014831-63.2016.8.26.0000, que a proibição importaria em afronta ao “exercício da liberdade constitucional do de empreendedorismo privado”, aliás, comungo do mesmo entendimento.

 Não resta a menor sombra de dúvidas que os taxistas, em manifesto espírito “monopolista”, incitados até mesmo pelos sindicatos de classe, como bem destacado pelo ilustre desembargador, Dr. Fermino Magnani Filho, temem única e exclusivamente a concorrência, convenhamos, saudável em todas as áreas.

 Com o devido respeito, há de se convir que alguém que destrói patrimônio alheio, ameaça, agride e até coloca em risco a vida de seu semelhante não está minimamente preocupado com a segurança dos usuários do serviço (já dito, alguns até agredidos foram), não querem saber se os motoristas recolhem ou não seus impostos, se estão regulares ou irregulares, etc.. Qualquer alegação nesse sentido não passará de pura hipocrisia e uma vã tentativa de justificar os atos de selvageria cometidos em razão do tal espírito “monopolista”.

 Por falar em atos de selvageria, interessante colacionar trecho do texto de Daniel Marques de Camargo[17]: “a (falsa) ideia de justiça com as próprias mãos reflete os instintos mais selvagens e primatas do homem que se pretende moderno. É o momento em que há total abdicação ao “pacto” social, em que o justiceiro faz a sua própria lei, acusador e juiz a um só tempo, algoz que vinga os males cometidos pelos transgressores da lei.”

Os taxistas parecem esquecer que prestam “serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros”, conforme redação do artigo 27 da Lei nº 12.865/13, ou seja, se os serviços prestados pelos taxistas são aqueles convenientes à comunidade, qualquer decisão a ser adotada pelos órgãos competentes (se favorável ou não ao UBER) deverá levar em conta exclusivamente os interesses da sociedade, como um todo, e não de uma categoria profissional específica.

Aproveitando-se que num recente embate o própria “Federação dos Taxistas Autônomos do Estado de São Paulo (Fetacesp)” arguiu perante o Juízo da 13ª Vara da Fazenda Pública que exercício da atividade de táxi no município de São Paulo decorre de autorização (e não de permissão), razão pela qual não haveria o que se falar em licitação (conforme pretendido pelo parquet paulista), conforme Lei Municipal nº 7.329/69, convém lembrar que essa mesma autorização também se trata de um ato administrativo unilateral, precário e discricionário, ou seja, grosso modo, pode ser revogado pela Administração Pública (no caso, Municipalidade) conforme critérios de mérito (conveniência e oportunidade), sem que os taxistas tenham direito ao recebimento de qualquer indenização.

Via de regra, tem-se por autorização o ato administrativo discricionário, unilateral e precário, "pelo qual o Poder Público torna possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração"[18].

Se permissão ou autorização, fato é que poderá ser cassado a qualquer tempo pela Municipalidade, conforme ementas abaixo:

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO COM CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS C/C TUTELA ANTECIPADA - AGRAVO RETIDO INDEFERIDO - PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO DE TÁXI. O contrato administrativo de permissão de uso é de natureza precária, não gerando direito adquirido, sempre revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir. Procedimento administrativo regular aquele no qual a Administração resolveu por rever o seu ato anterior de autorização, cassando-o, por motivação justificada, estando em consonância com os princípios norteadores da Administração Pública.APELO CONHECIDO E IMPROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.” (TJSE, Processo: AC 2007210681 SE, 2ª Câmara Cível, Relator(a): Des. Osório De Araujo Ramos Filho, 14/04/2008)

“RECURSO INOMINADO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SANTA MARIA. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. CONTRATO DE PERMISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. DANOS MORAIS E MATERIAIS NÃO CONFIGURADOS; A permissão para prestação de serviço público é de caráter precário, sendo exercida por conta e risco do permissionário, portanto, sua revogação pode ocorrer a qualquer tempo. (...)." (TJRS, Recurso Cível Nº 71004960431, Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Volnei dos Santos Coelho, Julgado em 26/05/2015).

No caso específico da cidade de São Paulo, a mesma Lei Municipal acima delineada já prescreve no artigo 42 que estarão sujeitos as sanções previstas no mesmo diploma aos taxistas que danificarem propositadamente veículos de terceiros , bem como, os que praticarem atos de agitação ou balbúrdia , sem contar o fato que de que os taxistas que foram identificados, processados e condenados por crime doloso, terão negadas as inscrições no Cadastro Municipal de Condutores de Táxis.

 Isto posto, comprovado o abuso cometido por uma parcela considerável dos taxistas das principais capitais do país nessa suposta “defesa” do “monopólio”, inclusive, praticando crimes graves, autorizada estará a revogação das permissões (ou autorizações, como entende o sindicato da categoria).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS

[1] http://g1.globo.com/hora1/noticia/2016/04/desemprego-no-brasil-ultrapassa-marca-historica-e-chega-aos-10.html.

[2] Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

[3] Art. 1.470. Os credores, compreendidos no art. 1.467, podem fazer efetivo o penhor, antes de recorrerem à autoridade judiciária, sempre que haja perigo na demora, dando aos devedores comprovante dos bens de que se apossarem.

[4] Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
                   I - em estado de necessidade; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
                  II - em legítima defesa;(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
                 III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito

[5] Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

[6] aplicativo de celular criado em 2009 no Vale do Silício, nos Estados Unidos, pela Uber Technologies, Inc., utilizado por quem quer se deslocar com conforto, sem usar o próprio carro. Na prática, seria um táxi de luxo e mais uma alternativa para os caóticos serviços de transporte de pessoas das cidades brasileiras.

[7] http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/08/uber-conheca-polemicas-globais-e-onde-ja-foi-regulamentado.html 

[8] “O Departamento de Transportes Públicos registrou uma média de quatro reclamações por dia contra taxistas ao longo do ano de 2015 na cidade de São Paulo. Ao todo, o órgão que fiscaliza o serviço de táxi na capital paulista recebeu 1.490 queixas.” (http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2016/01/21/prefeitura-de-sp-recebeu-4-reclamacoes-por-dia-contra-taxistas-em-2015.htm)

[9] http://epoca.globo.com/vida/experiencias-digitais/noticia/2015/08/taxistas-confundiram-carro-de-banqueiro-com-um-uber-e-se-deram-mal.html e http://oglobo.globo.com/brasil/saida-de-festa-vip-tem-confusao-entre-taxistas-motoristas-do-uber-em-sp-18567165.

[10] http://tribunadonorte.com.br/noticia/motorista-e-usua-rios-do-uber-sa-o-alvo-de-agressa-es/321430.

[11] http://noticias.terra.com.br/brasil/sindicato-identifica-taxistas-que-sequestraram-motorista-do-uber-em-sao-paulo,3012cdec12d76ce57ece1b3b6f628324j1e1RCRD.html

[12] http://canaltech.com.br/noticia/mercado/sindicato-dos-taxistas-fala-em-morte-caso-uber-nao-seja-regulamentado-43681/

[13] Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia.

[14] Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.

[15] Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado.

[16] Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes.

[17] Justiça com as próprias mãos: a sociedade e o direito (http://danieldecamargo.jusbrasil.com.br/artigos/139694809/justica-com-as-proprias-maos-a- sociedade-e-o-direito)

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luis Eduardo Pantolfi de Souza

Advogado, especialista em Direito Contratual pela EPD/SP. Atuação nas áreas do Direito Empresarial Cível (com ênfase em recuperação de crédito judicial e extrajudicial), Família e Trabalhista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Luis Eduardo Pantolfi. Taxistas x Uber: do abuso à autotutela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4689, 3 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48627. Acesso em: 21 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos