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Direito do nascituro

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19/10/2016 às 12:42
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REPRODUÇÃO ASSISTIDA E SEUS PRINCIPAIS ASPECTOS

Reprodução assistida é o método pelo qual o casal recebe orientação para programar a maneira de suas relações, com o objetivo de facilitar o encontro do espermatozoide com o óvulo, mesmo que esse encontro seja feito através de relação sexual.

A assistência à reprodução pode ser apenas por aconselhamentos e acompanhamento da vida sexual do casal a fim de aumentar as chances de fertilização, ou pode ser feita pelo uso de técnicas médico-científicas. Essa segunda hipótese gera consequências que interessam ao ordenamento jurídico.

Devido a diversos problemas, muitos casais não conseguem ser pais ou mesmo os casais homoafetivos que não conseguem conceber um filho e por isso buscam auxílio da reprodução assistida. E as técnicas médicas passaram a ser cada vez mais usadas, por isso criaram-se diversos questionamentos jurídicos sobre as consequências da formação de uma vida humana em um laboratório.

Então, em 2005, surgiu a regulamentação do uso de embriões oriundos da fertilização “in vitro” com a promulgação da Lei da Biossegurança (Lei n. 11.105/2005), porém ainda há necessidade de criação de leis específicas .

No novo Código Civil foram inseridos apenas três dispositivos no artigo 1.597, que tratam da presunção de filhos concebidos na constância do casamento. Assim, além dos incisos I e II, que cuidam das presunções ordinárias de concepção, dispõe esse artigo que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos: III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 

Esses dispositivos cuidam dos filhos nascidos do que se convencionou denominar fertilização ou reprodução assistida. Através deles, existe a possibilidade de nascimento de filho após a morte de um dos genitores, através de fecundação artificial e embriões excedentários. 

Princípio da liberdade de planejamento familiar

Primeiramente, nas palavras de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior:

“O casal pode decidir livremente sobre o planejamento familiar. Deve para tal decisão obedecer aos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Inexistindo tais pressupostos na decisão do casal (que é livre), como encarar a questão? Poderia o Estado, sem que houvesse paternidade responsável, ingerir-se no planejamento familiar? Inegável que a expressão 'paternidade responsável' é  ampla, mas, em casos-limites, não se poderia falar em ingerência do Estado?.”

No Brasil, a questão do controle de natalidade é bastante delicada e gera discussões diversas. Portanto, o planejamento familiar além de viabilizar a escolha das formas de reprodução que o casal queira, também deve englobar ações preventivas e educativas.

Jussara Meirelles conclui que “artificializado ou não, é de se recordar que o desejo de gerar um filho e a consequente busca aos recursos da reprodução assistida estão contidos no princípio constitucional referente ao planejamento familiar (art. 226, §7°)”.

Através do entendimento acima exposto, vislumbra-se que a reprodução assistida é método facilitador para o cumprimento de um importante princípio constitucional que é o do planejamento familiar. Porém, no Brasil esse tipo de tratamento ainda é muito custoso e se torna de difícil acesso às famílias que não sejam avantajadas economicamente, e a liberdade efetiva do planejamento familiar somente se dará quando o acesso aos novos métodos e técnicas for garantido a todos que necessitem e desejem. 

Inseminação Artificial (In Vivo)

Este método é considerado o mais simples de fecundação, e pode ser subdividido em dois tipos: a inseminação homóloga, quando o sêmen ou óvulo, ou ambos do casal são utilizados na reprodução; e inseminação heteróloga, quando há participação de um terceiro através do banco de sêmen em uma clínica.

Silvio Rodrigues as distingue da seguinte maneira: 

“(...) homóloga é a inseminação promovida com material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges e heteróloga é a fecundação realizada com material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando ou não os gametas (sêmen ou óvulos) de um ou de outro cônjuge.”  

A Inseminação Artificial (In Vitro) é o método pelo qual os gametas são fecundados no laboratório e formam embriões, que posteriormente são transferidos para o útero da mulher.

Transferência de Gametas para as Trompas. (GIFT)

É uma técnica considerada mais humanizada por não produzir embriões excedentes, pois apenas selecionam-se os gametas que são transferidos imediatamente para as trompas da mulher e fecundação ocorre naturalmente dentro do útero. Mas para isso, a mulher tem que ter ao menos uma trompa saudável.

Nelson da Cruz Santos explica o método da seguinte forma: “durante o GIFT, os espermatozoides e oócitos são aproximados e transferidos para a tuba. Assim, o processo de fertilização poderá ocorrer naturalmente à luz desse órgão.”

Transferência de Zigoto para as Trompas (ZIFT)

Na técnica de transferência de zigoto para as trompas, a célula fusionada deve possuir dois núcleos. Posteriormente, o pré-embrião ou zigoto é transferido para a trompa da mulher.  Por este método, ocorre a fecundação “in vitro” e posteriormente o zigoto é transferido para a trompa, tendendo a percorrer o caminho até o útero, encontrando um ambiente propício para sua implantação e para transformar-se em um feto. 

Fertilização Assistida “In Vitro”

A técnica surgiu com objetivo de ajudar casais com dificuldade de reprodução. Tendo sua primeira incidência ocorrida em 1978, na Inglaterra, a pequena Louise Brown ficou conhecida como o “bebê de proveta”.

Essa técnica pode ser indicada para mulheres com problemas nas trompas, anovulação crônica, endometriose ou com ovários policísticos e consiste em retirar um ou vários óvulos de uma mulher, cuja produção geralmente é provocada por estimulo hormonal, e colocando-os em um meio nutritivo. A fertilização do óvulo pelo espermatozoide ocorre em laboratório com a posterior transferência dos embriões. 

Porém, atualmente existem muitas controvérsias em relação a esse método, pois muitos embriões produzidos não são implantados no útero e muitas vezes são “descartados”.

O que fazer com os embriões excedentários não utilizados? O presente estudo passa a tentar dirimir este conflito.


EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS – ALTERNATIVAS PARA A UTILIZAÇÃO

Surgem questões a respeito de embriões que se encontram fora do útero, em vida extrauterina - os chamados embriões excedentários ou extranumerários, tendo em vista que existe a possibilidade de produção de embriões de forma excessiva. 

Doação 

A Resolução n. 1957/10 do Conselho Federal de Medicina, na Seção IV disciplina a questão da doação de gametas ou embriões. Dessa forma, estabelece que a gratuidade da doação de gametas ou embriões, que nunca terá caráter lucrativo ou comercial. 

É estabelecido também que o anonimato dos doadores, que não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 

Impõe-se também que as clinicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores. 

Pesquisa

O Decreto n. 5991/05 que regulamenta dispositivos da Lei de Biossegurança e estabelece em seu artigo 63, “é permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionarias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I - sejam embriões inviáveis; II - sejam embriões congelados disponíveis”.

Ressalta -se que o decreto supracitado veda a comercialização do material biológico, e sua pratica implica crime. 

Descarte

O descarte é uma questão muito delicada, tratada de diversas formas em diferentes países. No Reino Unido, recomenda-se dez anos de crioconservação. Na França, esse prazo é de cinco anos. Na Espanha adota-se o mesmo prazo da França, e ainda é previsto em seu teor, quando excedido esse prazo, obrigação de sua destruição. 

Enquanto no Brasil, a Lei de Biossegurança, no artigo 5º, estabelece o prazo de três anos para congelamento e proíbe no artigo 6º, a destruição ou descarte. 


TUTELA JURÍDICA PRESTADA AO EMBRIÃO, AO NASCITURO E AO EMBRIÃO EXCEDENTÁRIO  

A ADI 3510/600, proposta pelo Procurador-Geral da República, Carlos Fonteles junto ao STF, discutiu-se a inconstitucionalidade do artigo 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança (11.105/2005) que prevê a utilização de células-tronco embrionárias originárias de embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida, que, havendo consenso dos genitores, servirão de base para tratamento de moléstias graves e recuperação de tecidos danificados. 

Discutia-se que os referidos dispositivos da Lei 11.105/2005, afrontariam os preceitos constitucionais do direito à vida e da dignidade humana, pois o embrião seria uma vida e, consequentemente, desfrutaria da proteção constitucional. 

A Suprema Corte julgou, após longas discussões, pela constitucionalidade da referida lei.

Da Tutela Jurídica Prestada ao Embrião e ao Nascituro  

O primeiro ponto a ser ponderado, conforme já esclarecido, é o momento que se dá o início da vida humana. O Código Civil de 2002, reproduzindo normas do Código de 1916, assim dispôs:

"Art. 1º. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.

Art. 2º. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Deste modo, o Código Civil demonstra que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres”, sendo pessoa aquele que nasce com vida, assegurando, todavia o direito do nascituro, que para muitos civilistas é aquele que tem o nascimento como fato certo e deve estar em desenvolvimento no útero da mãe, como já demonstrado.  

Como consequência das premissas expostas, conclui-se que um embrião congelado, fora do corpo humano não é pessoa, haja vista não ter nascido; e não é tampouco nascituro, em razão de não ter sido transferido para o útero materno.  

Segundo o doutrinador Oscar Vilhena Vieira:  

“Vale lembrar que aqui não se fala de embriões com expectativa de vida, mas de embriões inviáveis que serão descartados pelas clínicas de fertilização, nem tão pouco, que embriões não devam ser protegidos pelo Estado, o que se defende é que esta proteção não deve ser a mesma dada ao ser humano.”  

Vários doutrinadores ainda discutem sobre a potencialidade deste embrião congelado gerar uma vida, mesmo que não comparado a uma pessoa. Assim, estes defendem um tratamento/proteção diferenciado aos embriões, evitando a sua “coisificação”, como por exemplo, a proibição da produção de embriões exclusivamente para pesquisa. Estes acreditam que devem ser utilizados para retirada das células-tronco apenas aqueles oriundos do processo de reprodução in vitro, e que por algum fator, alheio à pesquisa, tornaram-se inviáveis à reprodução.  Nesse sentido, dispõe Maria Helena Diniz:

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“Consequentemente, não se poderia permitir qualquer procedimento dirigido à seleção da raça ou à escolha ou mudança de sexo ou de caracteres somáticos (Código de Ética Médica, arts. 15, §2º, III, e 99; Resolução CFM n. 2.013/2013, Seção I, n. 4) e muito menos à criação de seres humanos geneticamente modificados (Código de Ética Médica, art. 15, §2º, I) ou idênticos, por meio de partenogênese, clonação (Lei n. 11.105/2005, art. 6º, IV) ou fissão gemelar. Proibida está a transferência ao útero de embrião geneticamente manipulado, salvo se a manipulação se deu para implementação de uma terapia destinada a solucionar, corrigir ou diminuir os efeitos de uma enfermidade congênita ou hereditária, como, por exemplo, a distrofia muscular de Duchenne ou a hemofilia, que só é sofrida por pessoa do sexo masculino. Nem se poderia admitir, ante o art. 1º, III, da Constituição Federal, o uso “terapêutico” de células embrionárias humanas a partir da destruição de embriões, reduzindo-os ao status de coisa, como pretende o art. 5º da Lei n. 11. 105/2005. Só se pode aceitar a terapia celular por autotransplante em células-tronco adultas para tratamento do próprio paciente ou por transplante de células-tronco do cordão umbilical no tratamento de doença degenerativa, sem destruir embriões humanos.”

Entendeu o Supremo Tribunal Federal que o art. 5º da Lei  11.105/2005 é constitucional, pois além de não estar em conflito com nenhum dispositivo da Magna Carta, traz muitos benefícios à sociedade, uma vez que contribui para a evolução da ciência, da medicina e é a esperança de milhões de brasileiros que sofrem de diversas síndromes ou doenças degenerativas.

No que tange ao nascituro, independentemente de se reconhecer sua personalidade jurídica, o fato é que é preciso resguardar direitos desde o surgimento da vida intrauterina, protegendo assim, o direito à vida do indivíduo.  

Em que pese existir controvérsias acerca do tema, o fato é que, atualmente, dispõe o Código Civil, em seu art. 2º, que: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". Apesar de não considerar o nascituro como detentor de personalidade jurídica, remete à lei a salvaguarda de seus direitos desde a concepção, seja de maneira plena, como entende a Teoria Concepcionista, sob a forma de condição suspensiva, como defende a Teoria da Personalidade Condicional, ou, mediante uma expectativa de direito, segundo a Teoria Natalista.

Ademais são diversas as previsões legais acerca do nascituro. O Código Civil faz menção em seu artigo 1.621, juntamente com o artigo 2º do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), a possibilidade de se adotar um nascituro.  Assim, uma vez feita a adoção, é preciso sempre garantir um desenvolvimento gestacional sadio, assegurado pela concessão de alimentos até o nascimento com vida.  

Os artigos 7º e 8º, do ECA estabelecem a obrigação do Estado de garantir o desenvolvimento digno e sadio do nascituro e, sua genitora possui o direito de realizar pré e perinatal de forma gratuita.

Muitos outros direitos ao nascituro são previstos em nosso ordenamento jurídico, como por exemplo, a capacidade de receber doações, bem beneficiado por legado e herança, possibilidade de nomeação de curador para proteção de seus direitos, etc.  

Conclui-se então, se que diferentemente do embrião, o nascituro possui proteção jurídica, uma vez que o nosso ordenamento jurídico proíbe de forma expressa qualquer ato atentatório à vida do nascituro, criminalizando o aborto, independente do estágio gestacional em que se encontre, resguardando sua integridade física e moral, conforme prevê os artigos 124 e seguintes do Código Penal.  

Da Tutela Jurídica Prestada ao Embrião Excedentário  

O emprego das técnicas de reprodução humana assistida exerce grande influência no direito à vida do embrião, pois possibilita a produção de embriões em quantidade excessiva que, quando não utilizados, permanecem crioconservados. 

Em praticamente todos os processos de fertilização in vitro existem embriões que não são inseminados e estes embriões excedentários ficam em estado de criogenia em alguma clínica médica por tempo indeterminado. Somado a isso, temos a pequena probabilidade de que um embrião congelado possa se fixar no útero e se desenvolva de forma sadia.  

Conforme Maria Auxiliadora Minahim, todavia, “assustam (...) a frieza e o descompromisso de certas intervenções médicas, as fazendas de embriões, as ‘adoções’ de embriões excedentários e o destino dos que não conseguiram um útero disponível e são descartados.” 

Discute-se, deste modo, se deve se permitir a utilização das células-tronco destes embriões para fins de experimentação científica, tema que o presente trabalho tentou abordar. O principal argumento contrário à utilização de células-tronco funda-se no pressuposto de que a vida teria início na fecundação e, assim, a destruição desses embriões, mesmo que para a realização de pesquisas e para o tratamento de outras pessoas, representaria uma violação da vida. Em contrapartida, muitos autores analisam que este embrião in vitro, inclusive, não é nem pessoa nem nascituro. Partem do argumento que nunca o direito brasileiro (antes do advento da nova Lei de Biossegurança) sequer havia previsto a possibilidade de um embrião, antes da gravidez, restar ex utero, e que não seria compatível comparar esse embrião à um sujeito merecedor da dignidade humana (não havendo pessoa, não há dignidade humana). 

Não obstante, a ADI 3510/600 foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, o que possibilita o uso de embriões excedentários em pesquisas com célula-tronco.

Ora, não seria melhor que esses embriões excedentários fossem utilizados em pesquisas? Diante da atual circunstância, onde existem embriões congelados sem destinação alguma, seria preferível, inclusive do ponto de vista ético, que fossem realizadas pesquisas ao invés de serem descartados pura e simplesmente. Com esse procedimento, estaríamos dando uma destinação mais nobre a esses embriões do que se os mesmos fossem descartados.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Guilherme Menezes. Direito do nascituro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4858, 19 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48678. Acesso em: 26 abr. 2024.

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