CONSIDERAÇÕES FINAIS
São louváveis os preceitos dispostos ao longo da Lei de Execução Penal brasileira, porém, eles estão distanciados e separados por um grande abismo da atualidade nacional, o que tem transformado a LEP, em muitos aspectos, em letra morta pela falta de estrutura e conjuntura do ali disposto. No atual contexto prisional brasileiro uma nova política prisional tem sido pensada. É sabido que muitos condenados saem da prisão de uma forma muito pior do que entraram, que as condições carcerárias do Brasil estão longe das ideais. Pode e deve ser pensada, dentro dessa nova política, a questão do trabalho prisional, justamente com o fim de reabilitação do condenado para a futura vida em sociedade.
Se o trabalho dentro do sistema capitalista em que se vive atualmente possui tanta relevância, este, portanto, deverá ser tratado com adequada importância, inclusive, e ainda com maior vulto para as pessoas que mais precisam desse incentivo. Para isso, o trabalho, apontado, unanimemente, pela doutrina como fator de ressocialização do preso, deverá trilhar ações concretas ou ações bem encaminhadas e projetadas, e sair do discurso ideológico doutrinário. Para que isso ocorra, primeiramente é necessário o reconhecimento do tratamento diferenciado a respeito do trabalho diante de cada regime e de cada beneficiário do trabalho. Feito isso, regulamentações específicas visando ao tratamento do preso deverão ser realizadas, contemplando as finalidades almejadas por cada situação. Não é admissível que uma relação de trabalho realizada entre particulares seja tratada perante o Estado como uma relação de índole administrativa, unicamente pelo fato do apenado encontrar-se sob a custódia do Estado. Pensamentos como esse viciam todo o sistema do trabalho prisional, equipando relações realizadas entre particulares (que deveriam ser tratadas em consonância com o direito privado) como situações de direito público.
Não se tentou adentrar na questão de se as penas cabíveis no Brasil são justas ou não, se a prisão efetivamente é a melhor alternativa para os desviados da sociedade. Estas, sim, são questões que são exclusivas para o direito penal. O que se tentou abordar é o ponto de choque entre o direito penal e o direito do trabalho. Abordou-se a consequência do desvio da vida em sociedade, quando a pena já estiver na sua execução e a incidência do labor nessa punição restritiva à liberdade.
Apesar de todos serem considerados iguais perante a lei, o apenado possui sérios cerceamentos que não permitem uma equiparação, uma equivalência de condições com os cidadãos. No entanto, não é porque inexiste a citada igualdade que deverá ser menosprezada a dignidade, afinal, a falta de um princípio não anula o outro, e mesmo o trabalhador estando adstrito da sua liberdade de ir e vir os demais direitos que não guardam relação direta com a liberdade de locomoção poderão se manter conservados.
Todavia, merece atenção o fato de que não se defende aqui a aplicação na integralidade dos direitos trabalhistas ao apenado, mas parte deles, que poderão ser flexibilizados, como é o caso do descanso anual remunerado, que é necessário não apenas para o lazer, mas principalmente para evitar a lesão e fadiga do ser humano. Assim, sustenta-se que ao preso poderá ser criada uma legislação especial, justamente em função do seu caráter situacional peculiar. Porém, como na atualidade brasileira não existe nenhuma relação especial que guarde relação com o trabalho prisional, cabe a utilização comum aplicável a (quase) todos os empregados, a CLT.
O direito do trabalho possui uma razão em existir, e a sua finalidade é, principalmente, a proteção dos trabalhadores. O preso também é um trabalhador e, consequentemente, merece atenção legislativa com os cuidados atinentes à pessoa humana na execução laboral. Políticas, planos, projetos devem ser muito bem aplicados, pois no momento em que o trabalho surge como uma alternativa de reinserção social, os cuidados devem ser redobrados. Atualmente, o trabalho, diversas vezes, acaba por ter um fim de uma sanção ainda maior, como se a pena privativa de liberdade já não fosse suficiente por si só e, por fim, não caracteriza a almejada ressocialização.
É possível a configuração do liame empregatício no momento em que um particular se utiliza da força de trabalho de outrem com o objetivo de lucro. E mesmo não sendo possível a configuração da relação empregatícia em razão da falta de algum elemento essencial, alguns direitos deverão ser conferidos, pois fazem parte da dignidade da pessoa humana.
A doutrina penalista desconhece os preceitos fundamentais do direito trabalhista e acaba se equivocando na abordagem dos temas. Por sua vez, a doutrina laboral acaba por não adentrar no mérito da questão, visto que a LEP marginaliza o trabalho do apenado da CLT e, assim, os trabalhistas enganam-se, deixando a problemática para o direito penal. Se a Lei e os operadores do direito continuarem a prever a marginalização celetista aos apenados, isso poderá ocasionar o caminho contrário ao desejado. O preso não verá o trabalho com o intuito de crescimento pessoal, como uma relação recíproca de direitos e deveres, encarando-se cada vez mais abusado e inferiorizado pelo Estado e pela sociedade, apenas sendo utilizada sua mão de obra com o objetivo de produtividade e lucro. O seu labor não possui o mesmo valor que o realizado fora da prisão, simplesmente pelo fato de encontrar-se preso, porém a sua condição de preso, em regra, não deveria intervir na sua condição de trabalhador.
Não se pode continuar penalizando a pessoa que cometeu um crime, por mais grave que esse delito seja, privando-o de direitos que podem ser estendidos a ele mesmo durante o cumprimento de sua pena. O Estado, ao proibir a pena de morte e a pena em caráter perpétuo, deverá preparar o futuro egresso para que tenha condições de viver com os demais.
Cai-se na premissa de como ressocializar o preso, sendo que essa pessoa talvez nunca possa ter sido socializada. Muitas vezes é afirmado que os presos saem da prisão de uma forma pior do que entraram, esta é chamada de "a escola do crime". O trabalho devidamente regulado poderá mudar, e muito, a situação. O apenado deverá ser reeducado, ou em casos mais graves, educado, visto que a educação pode nunca ter sido passada a ele, recebendo pela primeira vez os ditames de uma vida regrada, com uma política social, com direitos e deveres. Isso deverá ser ensinado, passado e repassado ao apenado, e, com o advento da sua liberdade, este poderá ser um cidadão efetivamente apto para colaborar com a sociedade da qual foi retirado.
À parte dessa discussão, insta frisar que uma questão que dificulta a abordagem do tema no Brasil é o fato de o direito penitenciário ser tratado como um ramo dentro do direito penal, pois a sua contribuição acadêmica ainda é pequena. O direito penitenciário deverá ser considerado isoladamente, visto que possui princípios, estrutura, pensamentos peculiares à execução da pena. Com certeza, o ramo em comento possui certo crescimento doutrinário, mas precisa muito mais, é necessário um status com autonomia para a devida discussão e importância que o segmento merece, e nessa pauta entraria a questão do trabalho carcerário.
É uma utopia imaginar que o trabalho do preso desmarginalizado dos preceitos trabalhistas será pacífico e unânime na sociedade, longe das críticas. Sempre haverá vozes contra os cuidados a tal parcela da população que está segregada da vida civil em razão de ter cometido um crime. Não se procura aqui pacificar o tema, longe disso, procura-se exatamente criar direitos que visem à proteção, calcando o embasamento para tanto no princípio da dignidade da pessoa humana, visto que o preso, apesar de recluso, continua sendo uma pessoa humana, apesar de, atualmente, ser tratado como se não fosse uma. Consequentemente, as polêmicas nascerão junto a tais direitos.
Por fim, a contínua desvalorização do trabalho carcerário continua a fomentar a descrença no sistema prisional brasileiro, que deveria servir de reabilitação, mas está por realizar o inverso, com a falta de observância aos preceitos trabalhistas. Punir o condenado não basta. São necessárias providências além da punição para que esse indivíduo tenha uma verdadeira reintegração pós-cárcere.
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