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Análise acerca da prescrição ou decadência para a anulação de atos emandados pela Administração Pública

26/05/2016 às 10:13
Leia nesta página:

Analisa-se o cabimento da prescrição ou decadência para anulação dos atos que possibilitam a dispensa de licitação pela Administração Pública.

I. INTRODUÇÃO

Este artigo jurídico tem como escopo analisar o cabimento ou não da prescrição ou decadência para anulação dos atos da administração que possibilitaram a dispensa de licitação pela Administração Pública.


II. DA FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, calha asseverar que a adaptabilidade ou não da teoria das nulidades no direito administrativo divide-se em duas correntes. Para a corrente monista, é inaplicável a dicotomia das nulidades no direito administrativo, sendo o ato ou nulo ou válido. De outro lado está a teoria dualista, prestigiada por aqueles que entendem que os atos administrativos podem ser nulos ou anuláveis, de acordo com a maior ou menor gravidade do vício. É a teoria adotada pela legislação e pela maior parte da doutrina.

A invalidade é a forma de desfazimento do ato administrativo em virtude da existência de vício de legalidade. O pressuposto é exatamente a presença do vício de legalidade.

A regra geral é que a administração tem o dever de anular o ato administrativo. Entretanto, há que se reconhecer que, em certas circunstâncias especiais, poderão surgir situações que acabem por conduzir a administração a manter o ato inválido, e podem ocorrer nas seguintes situações: decurso do tempo e consolidação dos efeitos produzidos.

Haverá limitação, ainda, quando as consequências jurídicas do ato gerarem tal consolidação fática que a manutenção do ato atenderá mais ao interesse público do que a invalidação. Essas situações que constituem a teoria do fato consumado dentro do direito administrativo. Se forem afetados interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseja a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada, requisito este já cumprido por este Ministério no caso ora em análise.

A invalidação opera efeitos ex tunc, e as partes atingidas deverão retornar ao status quo ante. Para evitar violação a terceiros, que de nenhuma forma contribuíram para a invalidação do ato, resguardam-se tais direitos da esfera de incidência do desfazimento, desde que, é claro, tenham se conduzido com boa-fé. O direito da administração de anular atos que tenham produzido efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data da prática do ato, ressalvada, entretanto, a ocorrência de comprovada má-fé. Nesse sentido, a disposição contida no art. 54 da Lei nº 9.784/99 estabelece, in litteris:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Quanto ao tema, um maior esclarecimento é preciso. É certo que a Administração atua sob a direção do princípio da legalidade (art. 37 da CF), que impõe a anulação de ato que, embora emanado da manifestação de vontade de um de seus agentes, contenha vício insuperável, para o fim de restaurar a legalidade malferida.

Não é menos certo, porém, que o poder-dever da Administração de invalidar seus próprios atos encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, também de hierarquia constitucional, pela evidente razão de que os administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada do poder de autotutela do Estado.

Neste contexto, o art. 54 da Lei 9.784/99 funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, estipulando o prazo decadencial de 05 anos para a revisão dos atos administrativos, permitindo a manutenção da sua eficácia mediante o instituto da estabilização dos efeitos do ato administrativo. Esse instituto, voltado primariamente para a atribuição de validade a atos meramente anuláveis, pode ter aplicação excepcional a situações extremas, assim consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito subjetivo, sendo o seu titular isento de responsabilidade pelo ato eivado de vício, tal como ocorre na seara dos atos administrativos nulos.

A própria lei ressalva, no entanto, hipóteses nas quais esteja comprovada a má-fé do destinatário do ato administrativo, ocasião na qual não incidirá o prazo decadencial quinquenal, não sendo o ato passível de convalidação, nem mesmo pelo decurso do tempo.

A infringência à legalidade por um ato administrativo, sob o ponto de vista abstrato, sempre será prejudicial ao interesse público; por outro lado, quando analisada em face das circunstâncias do caso concreto, nem sempre a anulação do ato será a melhor solução. Realmente, em face da dinâmica das relações jurídicas e sociais, haverá casos em que o próprio interesse da coletividade será melhor atendido com a subsistência do ato nascido de forma irregular, ainda que tal irregularidade se eleve ao nível de nulidade.

O poder da Administração, deste modo, não é absoluto nessa seara, de forma que a recomposição da ordem jurídica violada está condicionada primordialmente ao interesse público. O decurso do tempo, em certos casos, é capaz de tornar a anulação de um ato ilegal ou nulo claramente prejudicial ao interesse público, finalidade precípua da atividade exercida pela Administração.

É importante frisar, mais uma vez, que a Administração Pública não pode quedar-se inerte por muito tempo, quanto à alegada ilegalidade nas consolidações dominiais, pelo que pode formar-se em relação a eles (os beneficiários pelos títulos de propriedade) o direito subjetivo de não serem acionados em razão daqueles títulos de propriedade e, em relação à Administração, pode consolidar a perda do direito de desfazer aqueles mesmos atos.

Constata-se que o vício que contamina os títulos de domínio é o da ilegalidade e, à primeira vista, poder-se-ia afirmar que esse vício seria absolutamente inconvalidável; ora, o vício de ser ilegal é apenas uma forma qualificada de ser hostil à ordem jurídica e a convalidação não vai decorrer da repetição do ato por meio da expedição de outro Contrato Preliminar de Compra e Venda ou expedição do Título de Propriedade com cláusulas resolutivas, mas, sim, do reconhecimento dos efeitos consolidadores que o tempo acumulou em favor dos beneficiários, caso estejam de boa-fé.

Portanto, cumprir a lei ainda que o mundo pereça é uma atitude que não tem mais o abono da Ciência Jurídica, neste tempo em que o espírito da justiça se apoia nos direitos fundamentais da pessoa humana, apontando que a razoabilidade é a medida sempre preferível para se mensurar o acerto ou o desacerto de uma solução jurídica; nestes casos, se não houver notícia nos autos de que os beneficiários tenham se valido de ardis ou logros para obterem o ato administrativo que lhes é favorável e, embora essa circunstância não justifique o comportamento administrativo ilegal, não pode ser ignorada no equacionamento da solução das causas.

Entretanto, caso o ato que se queira expurgar do mundo jurídico já tenha sido emitido há mais de cinco anos, deve-se perquirir se o terceiro estava ou não de boa-fé. Se ele encontrava-se de boa-fé, o ato consolida-se, não podendo mais a Administração anulá-lo; caso o terceiro tenha agido de má-fé, o prazo decadencial não se escoou, podendo a Administração Pública expurga-lo do ordenamento jurídico, a qualquer tempo.

Isso ocorre, conforme já dito alhures, porque, muitas vezes, a retirada de determinado ato causa mais prejuízos que a sua manutenção. Nestes casos, faz-se um exercício de ponderação dos princípios, mitigando a legalidade em nome da segurança e estabilidade jurídica.

Assim, a estabilização de efeitos enseja a manutenção do ato administrativo, mesmo que este seja ilegal, desde que a sua anulação gere prejuízos maiores. Nestes casos, outros valores/direitos esbarram no dever de anulação.

Sistematizando o assunto, observa-se que:

  1. A Administração tem o poder-dever de invalidar seus próprios atos, por aplicação do princípio da autotutela, consectário da supremacia e indisponibilidade do interesse público, verdadeiras “pedras de toque” do regime jurídico administrativo.
  2. Esse poder-dever, contudo, não é absoluto, encontrando limite temporal no princípio da segurança jurídica, de índole constitucional, conforme previsão expressa na Lei de Processo Administrativo (Lei 9.784/99), que prevê o prazo decadencial de 05 (cinco) anos para anulação de atos administrativos que resultem em efeitos favoráveis para os destinatários (art. 54).
  3. Segundo entendimento do STJ que corrobora o presente embasamento jurídico, há situações excepcionais em que a subsistência do ato nascido irregular atende melhor ao interesse da coletividade, afastando-se, momentaneamente, o princípio da legalidade. Cuida-se da chamada estabilização de efeitos, que não se confunde com a convalidação do ato.

Concluindo, nesses casos, à luz da eficácia dos direitos fundamentais (que possuem natureza principiológica, nas lições de Robert Alexy), impõe-se a prevalência do princípio da segurança jurídica na ponderação dos valores em questão (confronto entre o princípio da legalidade e da segurança jurídica), não se podendo fechar os olhos à realidade e aplicar a norma jurídica como se incidisse em ambiente de absoluta abstratividade.

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Colaciona-se, corroborando a explanação jurídica alhures, ementa do Superior Tribunal de Justiça proferido no Recurso em Mandado de Segurança nº 25652, publicado no DJe de 13/10/2008, proferido no mesmo sentido:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS QUE ASSUMIRAM CARGOS EFETIVOS SEM PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO, APÓS A CF DE 1988. ATOS NULOS. TRANSCURSO DE QUASE 20 ANOS. PRAZO DECADENCIAL DE CINCO ANOS CUMPRIDO, MESMO CONTADO APÓS A LEI 9.784/99, ART. 55. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.

1. O poder-dever da Administração de invalidar seus próprios atos encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, de índole constitucional, pela evidente razão de que os administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da autotutela do Poder Público.

2. O art. 55 da Lei 9.784/99 funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, estipulando o prazo decadencial de 5 anos para a revisão dos atos administrativos viciosos e permitindo, a contrario sensu, a manutenção da eficácia dos mesmos, após o transcurso do interregno qüinqüenal, mediante a convalidação ex ope temporis, que tem aplicação excepcional a situações típicas e extremas, assim consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito subjetivo, sendo o seu titular isento de responsabilidade pelo ato eivado de vício.

3. A infringência à legalidade por um ato administrativo, sob o ponto de vista abstrato, sempre será prejudicial ao interesse público; por outro lado, quando analisada em face das circunstâncias do caso concreto, nem sempre sua anulação será a melhor solução. Em face da dinâmica das relações jurídicas sociais, haverá casos em que o próprio interesse da coletividade será melhor atendido com a subsistência do ato nascido de forma irregular.

4. O poder da Administração, dest'arte, não é absoluto, de forma que a recomposição da ordem jurídica violada está condicionada primordialmente ao interesse público. O decurso do tempo, em certos casos, é capaz de tornar a anulação de um ato ilegal claramente prejudicial ao interesse público, finalidade precípua da atividade exercida pela Administração.

5. Cumprir a lei nem que o mundo pereça é uma atitude que não tem mais o abono da Ciência Jurídica, neste tempo em que o espírito da justiça se apóia nos direitos fundamentais da pessoa humana, apontando que a razoabilidade é a medida sempre preferível para se mensurar o acerto ou desacerto de uma solução jurídica.

6. Os atos que efetivaram os ora recorrentes no serviço público da Assembléia Legislativa da Paraíba, sem a prévia aprovação em concurso público e após a vigência da norma prevista no art. 37, II da Constituição Federal, é induvidosamente ilegal, no entanto, o transcurso de quase vinte anos tornou a situação irreversível, convalidando os seus efeitos, em apreço ao postulado da segurança jurídica, máxime se considerando, como neste caso, que alguns dos nomeados até já se aposentaram (4), tendo sido os atos respectivos aprovados pela Corte de Contas Paraibana.

7. A singularidade deste caso o extrema de quaisquer outros e impõe a prevalência do princípio da segurança jurídica na ponderação dos valores em questão (legalidade vs segurança), não se podendo fechar os olhos à realidade e aplicar a norma jurídica como se incidisse em ambiente de absoluta abstratividade.

8. Recurso Ordinário provido, para assegurar o direito dos impetrantes de permanecerem nos seus respectivos cargos nos quadros da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba e de preservarem as suas aposentadorias. (grifou-se)

Nos termos já expostos acima, e à guisa de sistematização do tema, a má-fé mencionada no caput do art. 54 da Lei do Processo Administrativo diz respeito ao beneficiário, e não ao servidor que praticou o ato. Isso ocorre por duas razões: a uma, porque a ilegalidade independe do elemento anímico do agente público, situação que exclui a importância de proceder-se ao exame do seu elemento subjetivo; a duas, porque o princípio da segurança jurídica busca resguardar exatamente os interesses do beneficiário do ato, que possui a proteção legal independentemente da boa-fé ou má-fé do agente público que praticou o ato eivado de vício de legalidade.


III. DA CONCLUSÃO

Com relação aos processos análogos ao presente caso, deve a área técnica proceder da seguinte forma:

  1. Analisar, de acordo com os dados objetivos constantes dos processos administrativos, a existência ou não de vício de ilegalidade;
  2. O segundo passo deve ser o estudo do elemento subjetivo do beneficiário do ato administrativo;
  3. Caso o beneficiário tenha agido de boa-fé, a Administração Pública não poderá anular os atos administrativos eivados de vícios de legalidade, caso já praticados há mais de cinco anos, em razão da decadência prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99 e em razão do princípio da segurança jurídica;
  4. Na hipótese do ter agido de má-fé, a Administração Pública poderá anular os atos com vícios de legalidade, independentemente do lapso temporal transcorrido, não se falando em escoamento do prazo decadencial previsto na legislação de regência, podendo, inclusive, reaver os prejuízos porventura sofridos tanto do servidor quanto do beneficiário.
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Sobre o autor
Marcelo Santos Correa

Procurador da República na Procuradoria da República em Caxias/MA.<br><br>Ex Juiz Federal do TRF5; Ex Juiz Federal do TRF4; Ex Advogado da União em Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREA, Marcelo Santos. Análise acerca da prescrição ou decadência para a anulação de atos emandados pela Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4712, 26 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48874. Acesso em: 22 dez. 2024.

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