1 INTROITO
A evolução da sociedade é acompanhada pelas Cartas Políticas que, originariamente ou por processo de atualização, recebem novas e importantes dimensões para fortalecer a importância na preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.
O meio ambiente, direito fundamental de terceira dimensão (ou geração), também intitulado de fraternidade ou solidariedade (NOVELINO, 2016), mantém características de indisponibilidade, inegociabilidade, intransferência e irrenunciabilidade e, por não consistir em patrimônio disponível, é amparado pela imprescritibilidade.
Fiorillo (2009) destaca em sua obra que a Constituição de 1988 estabeleceu em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) como ferramenta destinada a interpretar todo o sistema constitucional.
A doutrina constitucionalista reconhece o mínimo existencial como elemento do referido princípio, cuja finalidade é garantir a subsistência e tornar real sua aplicação.
Sob o manto do Direito Internacional, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, buscou a adoção de critérios e princípios comuns com o propósito de preservar e melhorar o meio ambiente humano, proclamando que a proteção “é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro”, além de suplicar “aos governos e aos povos que unam esforços para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade”.
Demonstrando a força e o interesse global na preservação ambiental, elegeram-se princípios que reforçam a ideia de proteção e melhoramento ambiental para as gerações presentes e futuras, atribuindo ao homem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu habitat.
Outrossim, faz-se alusão à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como Rio 92, ou “Cúpula da Terra”, promovida pela Organização das Nações Unidas – ONU, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, onde o Brasil ratificou a intenção preservacionista ambiental, elegendo e firmando propostas para harmonização do progresso com a natureza, em prol do desenvolvimento sustentável.
2 IMPRESCRITIBILIDADE DO DEVER DE REPARAÇÃO AMBIENTAL
O art. 225 da Constituição vigente qualifica o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que deve ser preservado para as presentes e futuras gerações.
O dever de solidariedade com as gerações vindouras é incompatível com o instituto da prescrição, logicamente porque o preceito fundamental não pode permanecer ao alvedrio do degradador ou do agente legitimado da geração presente, sob pena de tornar frustrada a futura qualidade de vida e a garantia do mínimo existencial.
Quando se trata de prescrição, há duas teses geralmente aplicadas pelos demandados nos Tribunais, a primeira relacionada à prescrição quinquenal para ajuizamento da ação popular e a segunda baseada no Decreto nº 20.910/1932, que também prevê prazo quinquenal para as dívidas passivas das Fazendas Públicas.
Inegável que a Lei da Ação Popular alia-se à Lei da Ação Civil Pública e ao Código de Defesa do Consumidor – além de outros instrumentos normativos – para formar o microssistema do processo coletivo, denominado pela doutrina como diálogo das fontes, mas não é possível afirmar que a prescrição do art. 21 da Lei nº 4.717/1965 é aplicável às ações civis públicas de reparação ambiental.
A ação popular tem por objetivo alcançar a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, conquanto aceitável nos Tribunais a postulação de tutela mandamental ou executória lato sensu.
Já a Lei nº 7.347/1985, que regulamenta, entre outros, a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, não traz em seu texto o instituto da prescrição, assegurando sua independência e a desvinculação de prazos limitadores de exercício.
Cuida-se de falsa omissão legislativa, já que com sapiência houve a valorização, ainda que silenciosamente, da grandeza do direito material almejado, afastando-se os institutos da prescrição ou decadência da ação civil pública de reparação ambiental.
Considerando tratar-se de um direito fundamental, Milaré (2004), apud Antônio Cabanillas Sanches, adverte que o direito ao meio ambiente equilibrado se conecta com o direito à saúde, à vida e à integridade física, todos inseridos entre os bens e direitos da personalidade, o que reforça a imprescritibilidade.
Destacando a natureza jurídica do meio ambiente, Fiorilo (2009) lembra o caráter de essencialidade, o que faz das ações coletivas destinadas à sua tutela ferramentas imprescritíveis.
Thomé (2014) acrescenta que a imprescritibilidade da ação civil pública é consequência do direito fundamental ao meio ambiente saudável, em razão da sua indisponibilidade.
Na mesma linha leciona Mazzilli (2003), in verbis:
Em matéria ambiental, a consciência jurídica indica a inexistência de direito adquirido de degradar a natureza; tem-se ainda admitido que, como se trata de questão de ordem pública, pode o legislador dar novo tratamento jurídico a efeito que ainda não se produziram. Da mesma forma, tem-se afirmado a imprescritibilidade da pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras. Como poderia a geração atual assegurar o direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram?! Pelo mesmo motivo, não se pode dar a reparação da natureza o regime de prescrição do direito privado. A luta por um meio ambiente hígido é um metadireito, suposto que antecede à própria ordem constitucional. O direito ao meio ambiente hígido é indisponível e imprescritível, embora seja patrimonialmente aferível para fim de indenização.
A despeito de ser passível de indenização, a doutrina é uníssona ao diferenciar a valoração do bem ambiental para fins de reparação, com a sua natureza jurídica.
Importante destacar que o caráter transindividual não inviabiliza a reparação pecuniária difusa, ainda que não haja vítimas individualmente consideradas ou identificadas, tampouco o torna disponível, de sorte que o valor apurado deverá ser recolhido para o Fundo destinado à reparação de bens lesados, com o propósito de reaplicá-lo em prol da coletividade, seja na área degradada ou não.
O Superior Tribunal de Justiça, no Informativo nº 0320, entendeu ser imprescritível o direito de ação coletiva quando a pretensão visa à recuperação de ambiente degradado, pois o dano apontado tem a característica de violação continuada.
A permanência da degradação ambiental elide a prescrição, já que a contagem do prazo tem início a partir do último ato praticado e, considerando a continuidade da violação à norma ambiental, concluiu o Tribunal da Cidadania pela inocorrência da prescrição.
Na mesma linha seguiu a Min. Eliana Calmon, no julgamento do Resp 1.120.117/AC, publicado no Informativo nº 0415, ao decidir que, “em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação”.
E concluiu afirmando que “o dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental”.
A respeito do Decreto nº 20.910/32, sustenta-se que a tese de prescrição quinquenal das ações propostas em face das Fazendas Públicas não reflete nas ações reparatórias ambientais, em razão da natureza jurídica de direito fundamental, o que tem levado os Tribunais a afastar sua aplicação, especialmente quando há continuidade e permanência da degradação, o que, por si só, inviabiliza o início do decurso do limite temporal de cinco anos.
Demonstrando o alcance e a importância do instituto, ao tratar de recurso especial proposto em ação civil pública proposta para anular ato lesivo ao meio ambiente, o Min. Herman Benjamin, no Agravo de Instrumento nº 1.426.532 – PA, proferiu decisão monocrática e relembrou que a Corte Superior tem o entendimento de que, tratando-se de direito difuso - proteção ao meio ambiente -, a ação de reparação é imprescritível. Precedentes”.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise conjunta dos institutos fundamentais conduz ao fortalecimento do dever de solidariedade intergeracional, fazendo o preceito destoar da regra geral de preclusão temporal, tornando perpétuo e transmissível o dever de reparar os danos causados ao meio ambiente.
Conquanto pertença ao microssistema do processo coletivo, a doutrina majoritária sustenta a imprescritibilidade da ação coletiva ambiental, afastado o limitador temporal da Lei da Ação Popular em decorrência da autonomia e largo alcance da Lei da Ação Civil Pública.
O Superior Tribunal de Justiça tem reforçado a ideia de preservação e recuperação ambiental, enfatizando o disposto nos arts. 1º, inciso III, e 225 da Constituição Federal para afastar a aplicação do Decreto 20.910/1932, e, consequentemente, o instituto da prescrição em sede de ações coletivas.
O meio ambiente é um direito fundamental de terceira dimensão (ou geração), possuindo características de indisponibilidade, inegociabilidade, intransferência e irrenunciabilidade e, por não consistir em patrimônio disponível, a conclusão é pela imprescritibilidade do dever reparatório.
4 REFERÊNCIAS
FIORILO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 472.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 494-495.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 880-881.
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
DA SILVA, Romeu Faria Thomé. Manual de Direito Ambiental. 4 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2014. p. 615.