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A perpetuidade do dever reparatório ambiental

30/05/2016 às 14:08
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De maneira antagônica à vedação da responsabilidade civil perpétua, sintetizam-se as teses e o entendimento firmado nos Tribunais a respeito da imprescritibilidade do dever reparatório ambiental.

1 INTROITO

A evolução da sociedade é acompanhada pelas Cartas Políticas que, originariamente ou por processo de atualização, recebem novas e importantes dimensões para fortalecer a importância na preservação ambiental para as presentes e futuras gerações.

O meio ambiente, direito fundamental de terceira dimensão (ou geração), também intitulado de fraternidade ou solidariedade (NOVELINO, 2016), mantém características de indisponibilidade, inegociabilidade, intransferência e irrenunciabilidade e, por não consistir em patrimônio disponível, é amparado pela imprescritibilidade.

Fiorillo (2009) destaca em sua obra que a Constituição de 1988 estabeleceu em seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) como ferramenta destinada a interpretar todo o sistema constitucional.

A doutrina constitucionalista reconhece o mínimo existencial como elemento do referido princípio, cuja finalidade é garantir a subsistência e tornar real sua aplicação.

Sob o manto do Direito Internacional, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, buscou a adoção de critérios e princípios comuns com o propósito de preservar e melhorar o meio ambiente humano, proclamando que a proteção “é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro”, além de suplicar “aos governos e aos povos que unam esforços para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade”.

Demonstrando a força e o interesse global na preservação ambiental, elegeram-se princípios que reforçam a ideia de proteção e melhoramento ambiental para as gerações presentes e futuras, atribuindo ao homem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio da flora e da fauna silvestres e seu hab​itat.

Outrossim, faz-se alusão à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como Rio 92, ou “Cúpula da Terra”, promovida pela Organização das Nações Unidas – ONU, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, onde o Brasil ratificou a intenção preservacionista ambiental, elegendo e firmando propostas para harmonização do progresso com a natureza, em prol do desenvolvimento sustentável.


2 IMPRESCRITIBILIDADE DO DEVER DE REPARAÇÃO AMBIENTAL

O art. 225 da Constituição vigente qualifica o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que deve ser preservado para as presentes e futuras gerações.

O dever de solidariedade com as gerações vindouras é incompatível com o instituto da prescrição, logicamente porque o preceito fundamental não pode permanecer ao alvedrio do degradador ou do agente legitimado da geração presente, sob pena de tornar frustrada a futura qualidade de vida e a garantia do mínimo existencial.

Quando se trata de prescrição, há duas teses geralmente aplicadas pelos demandados nos Tribunais, a primeira relacionada à prescrição quinquenal para ajuizamento da ação popular e a segunda baseada no Decreto nº 20.910/1932, que também prevê prazo quinquenal para as dívidas passivas das Fazendas Públicas.

Inegável que a Lei da Ação Popular alia-se à Lei da Ação Civil Pública e ao Código de Defesa do Consumidor – além de outros instrumentos normativos – para formar o microssistema do processo coletivo, denominado pela doutrina como diálogo das fontes, mas não é possível afirmar que a prescrição do art. 21 da Lei nº 4.717/1965 é aplicável às ações civis públicas de reparação ambiental.

A ação popular tem por objetivo alcançar a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, conquanto aceitável nos Tribunais a postulação de tutela mandamental ou executória lato sensu.

Já a Lei nº 7.347/1985, que regulamenta, entre outros, a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, não traz em seu texto o instituto da prescrição, assegurando sua independência e a desvinculação de prazos limitadores de exercício.

Cuida-se de falsa omissão legislativa, já que com sapiência houve a valorização, ainda que silenciosamente, da grandeza do direito material almejado, afastando-se os institutos da prescrição ou decadência da ação civil pública de reparação ambiental.

Considerando tratar-se de um direito fundamental, Milaré (2004), apud Antônio Cabanillas Sanches, adverte que o direito ao meio ambiente equilibrado se conecta com o direito à saúde, à vida e à integridade física, todos inseridos entre os bens e direitos da personalidade, o que reforça a imprescritibilidade.

Destacando a natureza jurídica do meio ambiente, Fiorilo (2009) lembra o caráter de essencialidade, o que faz das ações coletivas destinadas à sua tutela ferramentas imprescritíveis.

Thomé (2014) acrescenta que a imprescritibilidade da ação civil pública é consequência do direito fundamental ao meio ambiente saudável, em razão da sua indisponibilidade.

Na mesma linha leciona Mazzilli (2003), in verbis:

Em matéria ambiental, a consciência jurídica indica a inexistência de direito adquirido de degradar a natureza; tem-se ainda admitido que, como se trata de questão de ordem pública, pode o legislador dar novo tratamento jurídico a efeito que ainda não se produziram. Da mesma forma, tem-se afirmado a imprescritibilidade da pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras. Como poderia a geração atual assegurar o direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram?! Pelo mesmo motivo, não se pode dar a reparação da natureza o regime de prescrição do direito privado. A luta por um meio ambiente hígido é um metadireito, suposto que antecede à própria ordem constitucional. O direito ao meio ambiente hígido é indisponível e imprescritível, embora seja patrimonialmente aferível para fim de indenização.

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A despeito de ser passível de indenização, a doutrina é uníssona ao diferenciar a valoração do bem ambiental para fins de reparação, com a sua natureza jurídica.

Importante destacar que o caráter transindividual não inviabiliza a reparação pecuniária difusa, ainda que não haja vítimas individualmente consideradas ou identificadas, tampouco o torna disponível, de sorte que o valor apurado deverá ser recolhido para o Fundo destinado à reparação de bens lesados, com o propósito de reaplicá-lo em prol da coletividade, seja na área degradada ou não.

O Superior Tribunal de Justiça, no Informativo nº 0320, entendeu ser imprescritível o direito de ação coletiva quando a pretensão visa à recuperação de ambiente degradado, pois o dano apontado tem a característica de violação continuada.

A permanência da degradação ambiental elide a prescrição, já que a contagem do prazo tem início a partir do último ato praticado e, considerando a continuidade da violação à norma ambiental, concluiu o Tribunal da Cidadania pela inocorrência da prescrição.

Na mesma linha seguiu a Min. Eliana Calmon, no julgamento do Resp 1.120.117/AC, publicado no Informativo nº 0415, ao decidir que, “em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação”.

E concluiu afirmando que “o dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental”.

A respeito do Decreto nº 20.910/32, sustenta-se que a tese de prescrição quinquenal das ações propostas em face das Fazendas Públicas não reflete nas ações reparatórias ambientais, em razão da natureza jurídica de direito fundamental, o que tem levado os Tribunais a afastar sua aplicação, especialmente quando há continuidade e permanência da degradação, o que, por si só, inviabiliza o início do decurso do limite temporal de cinco anos.

Demonstrando o alcance e a importância do instituto, ao tratar de recurso especial proposto em ação civil pública proposta para anular ato lesivo ao meio ambiente, o Min. Herman Benjamin, no Agravo de Instrumento nº 1.426.532 – PA, proferiu decisão monocrática e relembrou que a Corte Superior tem o entendimento de que, tratando-se de direito difuso - proteção ao meio ambiente -, a ação de reparação é imprescritível. Precedentes”.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise conjunta dos institutos fundamentais conduz ao fortalecimento do dever de solidariedade intergeracional, fazendo o preceito destoar da regra geral de preclusão temporal, tornando perpétuo e transmissível o dever de reparar os danos causados ao meio ambiente.

Conquanto pertença ao microssistema do processo coletivo, a doutrina majoritária sustenta a imprescritibilidade da ação coletiva ambiental, afastado o limitador temporal da Lei da Ação Popular em decorrência da autonomia e largo alcance da Lei da Ação Civil Pública.

O Superior Tribunal de Justiça tem reforçado a ideia de preservação e recuperação ambiental, enfatizando o disposto nos arts. 1º, inciso III, e 225 da Constituição Federal para afastar a aplicação do Decreto 20.910/1932, e, consequentemente, o instituto da prescrição em sede de ações coletivas.

O meio ambiente é um direito fundamental de terceira dimensão (ou geração), possuindo características de indisponibilidade, inegociabilidade, intransferência e irrenunciabilidade e, por não consistir em patrimônio disponível, a conclusão é pela imprescritibilidade do dever reparatório.


4 REFERÊNCIAS

FIORILO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 472.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 494-495.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 880-881.

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.

DA SILVA, Romeu Faria Thomé. Manual de Direito Ambiental. 4 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2014. p. 615.

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Sobre o autor
Cidamar M. Almeida

Especialista em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau. Graduado pela Universidade do Vale do Itajaí. Assistente de Promotoria de Justiça no Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Cidamar M.. A perpetuidade do dever reparatório ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4716, 30 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48875. Acesso em: 21 nov. 2024.

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