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A superlotação nos presídios pode levar o apenado à prisão domiciliar

16/05/2016 às 09:13
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O artigo discute recente decisão do STF que dispõe sobre os regimes de execução penal e o sistema penitenciário brasileiro, que, como se sabe, apresenta um cenário caótico.

O cumprimento da pena pode se dar em regime aberto, no regime semiaberto e no regime fechado.

O regime aberto será cumprido em prisão albergue, em casa do albergado ou em estabelecimento adequado (artigo 93 da LEP). Tal regime baseia-se na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado, conforme o artigo 36, caput, do Código Penal. Sendo assim, deve ser cumprida em casa do albergado, cujo estabelecimento necessita se localizar em um centro urbano, separado de outros prédios e, principalmente, não pode conter obstáculos físicos à fuga (artigo 94 da Lei de Execuções Penais).

Frisa-se que, fora do estabelecimento penal e sem vigilância, o condenado deverá trabalhar, frequentar curso ou exercer qualquer outra atividade autorizada, com a obrigatoriedade de se recolher à casa do albergado no período noturno e nos dias de folga (artigo 36, parágrafo primeiro, Código Penal).

No mais, o ingresso do condenado no regime aberto pressupõe a aceitação de seu programa e das condições impostas pelo magistrado, sendo que somente pode ingressar nessa modalidade de regime o condenado que estiver trabalhando (ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente) e apresentar, em razão de seus antecedentes ou do resultado dos exames a que foi submetido, fundados indícios de que irá se ajustar ao novo regime, de acordo com os dois paradigmas do regime aberto: autodisciplina e senso de responsabilidade.

Por fim, o regime aberto depende da obediência de condições, que se dividem em duas: legais (ou gerais) e judiciais (especiais). A primeira é um rol apontado pelo artigo 115 da Lei de Execuções Penais. A segunda pode ser estabelecida discricionariamente pelo juiz, atendendo-se, evidentemente, às condições legais (artigo 116 da Lei de Execuções Penais).

São requisitos para a prisão-albergue: ausência de periculosidade do apenado; compatibilidade do condenado com o regime aberto, condenação não superior a quatro anos ou cumprimento de parte da pena que ultrapasse esse limite, obtenção de trabalho pelo apenado, aceitação do sistema de disciplina e das condições impostas pelo regime do albergado, de modo que o princípio fundamental da prisão-albergue é o trabalho fora de casa.

Diante da inexistência de tal estabelecimento, as penas, em regime aberto, são cumpridas na própria residência do sentenciado, que deve obedecer às determinações judiciais, que incluem, entre outras: recolher-se às suas residências diariamente, a partir das 21 horas e apresentar-se, bimestralmente, ao cartório competente. Deve permanecer em sua residência, nos domingos e feriados período integral, salvo prévia autorização do juízo da execução alterando o horário de recolhimento. A par disso, há várias decisões, como a da Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por unanimidade, garantindo a condenado em regime aberto, o direito a prisão domiciliar tendo em vista a precária condição do sistema carcerário.

Em verdade, não se pode banalizar a prisão domiciliar imposta pelo artigo 117 da Lei de Execuções Penais.

Mas o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o condenado a regime aberto deve cumprir a pena na casa do albergado e, a sua falta, em prisão domiciliar (Recurso Especial 1.187.343/RS).

Somente no Distrito Federal, no Cartório da VEPEMA, onde há o acompanhamento de penas de prisão domiciliar, correm perto de quinze mil processos. São essas as regras para tal regime:

– Residir no endereço declarado, relacionando-se bem com seus familiares e vizinhos, devendo comunicar com antecedência à VEPEMA eventual mudança de endereço;

– Recolher-se à sua residência das 21h00 às 5h00, salvo prévia autorização deste Juízo prorrogando o horário de recolhimento;

– Durante o período determinado no termo de audiência, permanecer em casa nos domingos e feriados por período integral, salvo prévia autorização deste Juízo alterando o horário de recolhimento;

– Comparecer bimestralmente à VEPEMA/DF, em um dos dias designados no calendário de apresentação, para informar e justificar suas atividades;

– Não se ausentar do Distrito Federal, sem prévia autorização deste Juízo, salvo para as cidades do entorno, conforme relação descrita no cartão/calendário, devendo estar em casa até às 21h00. Caso seja residente no entorno, fica autorizado a permanecer naquela cidade, recolhendo-se às 21h00;

– Nunca andar em companhia de pessoas que se encontrem cumprindo pena, seja em regime aberto, semiaberto, fechado, ou livramento condicional, mesmo estando autorizadas a sair do presídio. Não andar acompanhado de menor de idade que esteja cumprindo medida socioeducativa;

– Nunca portar armas de qualquer espécie;

– Comprovar que exerce trabalho honesto no prazo de 3 meses, ou justificar suas atividades;

– Submeter-se à fiscalização das autoridades encarregadas de supervisionar as presentes condições;

– Não usar ou portar entorpecentes e bebidas alcoólicas. Não frequentar locais de prostituição, jogos, bares e similares;

– Sempre portar documentos pessoais e, quando for o caso, autorização de viagem e autorização de prorrogação de horário;

– Efetuar o pagamento da pena de multa e das custas processuais (se houver);

– Trazer comprovante de endereço (conta de água, luz, telefone ou declaração de duas pessoas idôneas) por ocasião da primeira apresentação no cartório da VEPEMA.

É por demais conhecida a situação de falência do sistema penitenciário brasileiro. Os casos se avolumam com reportagens a cada semana. Está aí a população brasileira debruçada, com um problema visto a olho nu, num sistema penitenciário que agoniza, diante de sérios problemas crônicos, dentre os quais, a inexistência da chamada prisão albergue, de sorte que se dê, fora dos parâmetros legais, uma interpretação para hipótese de prisão domiciliar, que não se coaduna literalmente com os cuidados que inspiraram a Lei de Execuções Penais.

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Para terminar, é mister que se lembre que o tema foi pouco abordado durante os debates nas recentes eleições presidenciais, mas, permanece aceso, como um vulcão em erupção.

Como deve ser cumprida a pena em regime semiaberto?

Diz o artigo 91 da Lei 7.210/84 que Colônia Agrícola, Industrial ou similar (entre esta a agroindustrial) destina-se ao cumprimento da pena em regime semiaberto, que é uma transição para o regime aberto, em processo de reinserção social do condenado.

 Funda-se o regime semiaberto na capacidade de senso de responsabilidade do condenado, estimulado a cumprir suas obrigações de preso em regime de disciplina dentro de um mínimo de segurança e vigilância, pois o preso deve movimentar-se com relativa liberdade uma vez que é sujeito à vigilância discreta.

Não se pode confundir o regime de cumprimento no regime semiaberto com o do regime aberto, em que o condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga (artigo 36, § 1º, do Código Penal).

No regime aberto, diverso do regime semiaberto, o apenado trabalha, estuda ou dedica-se a outras atividades lícitas fora do estabelecimento, durante o dia, sem escolta ou vigilância, e se recolhe à noite a um local, ao qual a lei destinou a expressão de Casa de Albergado, à noite e nos dias em que não deva exercer tais misteres.

Será admissível o trabalho externo no regime semiaberto? Ora, o artigo 35, § 2º, do Código Penal determina ser admissível o trabalho externo, embora nos mesmos termos do previsto para o regime fechado, pois deve ser feito sob condições de vigilância.Por sua vez, as saídas temporárias, sem fiscalização direta, somente poderão ser feitas para frequência no curso supletivo profissionalizante ou de instrução de segundo grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução (artigo 122, II, Lei 7.210).

Vem a pergunta: E se, no local de cumprimento da pena, houver deficiência de vagas para o cumprimento do regime semiaberto, o que será feito?

Vários são os entendimentos de que o trabalho externo é a fórmula encontrada para reinserir o preso, a par de que a deficiência de vagas ou sua carência é a permanente certidão da falência do sistema penitenciário. Afinal, se o sistema penal não se adequa à lei, deve-se, pelo menos, respeitar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

O STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu em sessão no dia 11 de maio do corrente ano que a falta de vagas no sistema penitenciário pode levar o condenado para a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico.

Por 9 votos a 1, os ministros entenderam que o sentenciado deve cumprir a pena em regime mais benéfico sempre que não houver vaga; isso porque a superlotação não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais rigoroso.

Os ministros seguiram o voto do ministro Gilmar Mendes, relator do caso. Segundo o ministro, a falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto não deve, necessariamente, conduzir à concessão de prisão domiciliar e os casos precisam ser analisados individualmente pelos juízes, seguindo critério como comportamento ou grau de periculosidade do condenado.

O ministro propõe a adoção de medidas alternativas para se enfrentar a situação, mas admitiu a possibilidade de concessão da prisão domiciliar até que elas sejam estruturadas.

As medidas propostas são: a abertura de vagas no regime semiaberto mediante a saída antecipada de detentos que estejam mais próximos da progressão do regime (e que serão colocados em liberdade monitorada eletronicamente) e a conversão em penas restritivas de direitos e/ou estudo para os apenados em regime aberto.

Esse é mais um capítulo da história da falência do sistema penitenciário no Brasil.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A superlotação nos presídios pode levar o apenado à prisão domiciliar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4702, 16 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48925. Acesso em: 28 mar. 2024.

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