Sumário: Introdução. 1. Planejamento Tributário. 2. Distinções entre elisão e evasão fiscal. 3. Limites ao planejamento tributário. 3.1. Da fraude à lei. 3.2. Da simulação. 3.3. Do abuso de direito. 3.3.1. Da ausência de propósito negocial. 4. Considerações finais.
Palavras-chave: planejamento tributário; elisão; evasão fiscal.
INTRODUÇÃO
O Brasil é o país com a maior carga tributária da América Latina, segundo informa o relatório de “Estatísticas Tributárias na América Latina e Caribe”[1], elaborado em conjunto pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e pelo Centro Interamericano das Administrações Tributárias (CIAT), no qual se verifica que a carga tributária pátria corresponde a 35,7% (trinta e cinco vírgula sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB), conforme apurado no ano de 2013.
Com efeito, é evidente o desejo e a necessidade dos brasileiros no sentido de reduzir a pesada carga tributária que lhes tolhe, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)[2], cerca de 150 (cento e cinquenta) dias de trabalho, por ano, destinados tão somente para o adimplemento dos impostos devidos.
Diante de tal quadro fático, evidencia-se a relevância do presente estudo, que pretende, ao final, trazer um conhecimento útil, ainda que singelo, acerca das possibilidades disponíveis aos contribuintes que desejam ver licitamente minimizada a carga tributária que suportam, mediante a realização de um planejamento tributário.
Com efeito, explanar-se-á acerca do que se trata, efetivamente, um planejamento tributário, bem como acerca das implicações de sua utilização, quais sejam, a elisão ou a evasão fiscal, apontando seus critérios diferenciadores.
Ainda, buscar-se-á estabelecer os limites impostos ao planejamento tributário, destacando as condutas ilícitas que, quando têm sua prática constatada nos procedimentos de um planejamento tributário, tornam-no ilegítimo.
Ao final, almeja-se demonstrar, ainda que de modo objetivo e relativamente superficial, que a realização de um planejamento fiscal legítimo é uma alternativa disponível ao contribuinte que deseja reduzir sua carga tributária sem violar quaisquer ditames legais, a qual pode lhe conferir inúmeros benefícios no que tange aos tributos por ele devidos, mediante a simples adoção de medidas previamente articuladas especificamente para tanto.
1 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Partindo-se da ideia do objetivo almejado pelo contribuinte, pode-se definir o planejamento tributário como sendo uma técnica de organização preventiva de negócios, a qual visa a economia de tributos, independentemente de quaisquer consequências geradas em decorrência da prática de tais atos de organização, conforme leciona Livia De Carli Germano (2013).
De outro norte, pode-se definir o planejamento tributário considerando-se os efeitos obtidos. Neste sentido, para Marco Aurélio Greco,
[...] toda operação que tenha por efeito minimizar a carga tributária mediante atos ilícitos está fora da nossa análise. Vale dizer, se alguém disser: aqui houve um planejamento com uso de falsidade, a rigor não está se referindo a um planejamento porque falsidade é ato ilícito (GRECO, 2011, pág. 78).
Nesta senda, constata-se que parte da doutrina sobre o tema restringe a definição de planejamento tributário para abranger tão somente a prática de atos lícitos, ao passo que, para tais doutrinadores, os atos ilícitos realizados para a economia de tributos não caracterizariam de qualquer modo um planejamento tributário.
Com efeito, neste ponto importa ressaltar o alerta da ilustre Lívia De Carli Germano, confira-se:
Embora as definições tenham em comum o destaque para a licitude do planejamento tributário, vale a ressalva de que não se pode confundir o planejamento tomado como procedimento com seu conteúdo, ou seja, os atos e negócios praticados e o resultado daí advindo (GERMANO, 2013, pág. 28).
Assim, tem-se que a definição de planejamento tributário não se refere, de fato, à prática de atos lícitos ou ilícitos, mas, sim, à prática da programação de negócios jurídicos para o fim de reduzir a carga tributária suportada por determinado contribuinte.
Destarte, tem-se que, em linhas gerais, o planejamento tributário trata-se de um conjunto de práticas de organização ou reorganização que envolvem procedimentos jurídicos, administrativos, financeiros e contábeis do contribuinte, aplicados às suas obrigações tributárias, com o fito de economizar impostos, eliminando, retardando ou reduzindo o pagamento de tributos devidos.
Muito embora soe redundante, posto que presume-se que um “planejamento” é sempre antecipado, vale dizer que o planejamento tributário revela-se num estudo – a ser feito por uma assessoria fiscal capacitada - que antecipa os efeitos dos atos e negócios jurídicos que provavelmente serão praticados pelo contribuinte, proporcionando-lhe a opção de escolha do que lhe seja menos oneroso na seara fiscal; de modo que a execução do referido planejamento implicará na elisão ou na evasão fiscal.
2 DISTINÇÕES ENTRE ELISÃO E EVASÃO FISCAL
Ultrapassada a definição do que vem a ser o planejamento tributário, passa-se a esmiuçar os conceitos de elisão e evasão fiscal, posto que intimamente ligados ao planejamento tributário e, em que pese possuam a caraterística comum de tratarem-se de técnicas de redução da carga tributária, apenas a primeira é lícita, conforme se explanará a seguir.
Com efeito, para Livia De Carli Germano, a elisão fiscal consiste em:
Atos ou omissões destinados a evitar, reduzir ou retardar o envolvimento do indivíduo na relação tributária, mediante a utilização de meios legalmente permitidos e sem que haja ‘divergências abusivas entre a forma jurídica adotada e a realidade econômica visada pelas partes’, ou, ‘quando a intentio facti e a intentio iuris mostrarem-se coincidentes’ (GERMANO, 2013, págs. 54/55).
Não é outro o entendimento de Regina Helena Costa, vejamos:
A expressão elisão fiscal é preferencialmente utilizada para denominar procedimentos legítimos, permitidos ao contribuinte, no intuito de fazer reduzir o ônus tributário, ou, ainda, significando a possibilidade de diferimento de obrigações fiscais. Visa, assim, à economia fiscal, mediante a utilização de alternativas lícitas, menos onerosas ao contribuinte [...] (COSTA, 2014, pág. 179).
Destarte, tem-se que a elisão fiscal identifica-se com a economia lícita de tributos, revelando-se no planejamento tributário legítimo, no qual não há qualquer ofensa ao ordenamento jurídico.
Já a evasão fiscal trata-se justamente do oposto da elisão, sendo que, muito embora as duas práticas tenham por objetivo principal a economia de tributos mediante planejamento tributário, aquela ignora os meios legais, utilizando-se de meios que afrontam, direta ou indiretamente, o ordenamento jurídico.
Neste sentido é o posicionamento de Ricardo Alexandre:
A evasão fiscal é uma conduta ilícita em que o contribuinte, normalmente após a ocorrência do fato gerador, pratica atos que visam a evitar o conhecimento do nascimento da obrigação tributária pela autoridade fiscal. Aqui o fato gerador ocorre, mas o contribuinte o esconde do Fisco, na ânsia de fugir à tributação (ALEXANDRE, 2014, pág. 261).
Corrobora tal entendimento Livia De Carli Germano, vejamos:
A evasão fiscal, como gênero que abrange os ilícitos típicos envolvendo tributos, gera a aplicação da sanção prevista em lei para a respectiva conduta. Assim, a prática de atos considerados como evasão fiscal, além de dar ensejo à desconsideração do negócio jurídico ou à sua requalificação para fins tributários, acarreta a aplicação da penalidade prevista na legislação (GERAMANO, 2013, págs. 58/59).
Ainda, importa mencionar o apontamento de Luciano Amaro sobre o tema, vejamos:
Se a atuação do indivíduo percorre trilhas lícitas (no pressuposto de que, por outras sendas, seria tributado), diz-se que ele procedeu à evasão lícita, ou elisão, ou economia de imposto. Ao contrário, se, na tentativa de encontrar um percurso livre de ônus fiscais, o indivíduo adotou um roteiro ilegal, diz-se que ele praticou evasão ilegal (ou evasão, tout court) (AMARO, 2014, pág. 242/243).
Em suma, sinaliza-se desde já, pelas próprias definições trazidas ao norte, que a licitude e o momento da prática do ato consistem tanto em critérios diferenciadores da elisão e da evasão fiscal, como em critérios de aferição dos limites do planejamento tributário lícito, conforme explanar-se-á no item seguinte.
Não obstante, pode-se vislumbrar com clareza as definições de tais institutos atentando-se para as conclusões obtidas no XIII Simpósio Nacional de Direito Tributário[3], realizado pela CEU-IICS Escola de Direito, no ano de 1.989, no qual firmou-se o seguinte:
Elidir é evitar, reduzir o montante ou retardar o pagamento de tributo, por atos ou omissões lícitos do sujeito passivo, anteriores à ocorrência do fato gerador.
Evadir é evitar o pagamento do tributo devido, reduzir-lhe o montante ou postergar o momento em que se torne exigível, por atos ou omissões do sujeito passivo, posteriores à ocorrência do fato gerador.
Sobre o tema, ensina Luciano Amaro:
O divisor de águas entre a evasão (ilegal) e a elisão parte realmente da consideração de que, na primeira, o indivíduo se utiliza de meios ilícitos para fugir ao pagamento de tributo, e, no segundo caso, trilharia caminhos lícitos. A diferença reside, portanto, na licitude ou ilicitude dos procedimentos ou dos instrumentos adotados pelo indivíduo; por isso é que se fala em evasão legal e evasão ilegal de tributo (AMARO, 2014, pág. 245).
A conclusão do ilustre doutor Douglas Yamashita não é outra:
Elisão Fiscal consiste nas condutas lícitas destinadas a reduzir ou eliminar o ônus fiscal e evasão fiscal consiste nas condutas ilícitas destinadas a reduzir ou eliminar o ônus fiscal, aí incluídos além da fraude comum e da simulação, o abuso do direito e a fraude à lei (YAMASHITA, 2005, pág. 66).
Assim, temos como fatores distintivos entre elisão e evasão fiscal, em princípio, a aferição da sua (i)licitude: consistindo o planejamento tributário lícito em elisão fiscal, e o realizado através de atos ilícitos, em evasão fiscal; bem como o tempo de sua prática: se antes da ocorrência do fato gerador, trata-se de elisão; se depois, de evasão.
Obviamente tais critérios de diferenciação jamais devem ser observados de forma isolada, pois, como bem adverte Douglas Yamashita,
Nem toda conduta (praticada) antes do fato gerador é uma elisão fiscal. Pelo menos três condutas praticadas antes da ocorrência do fato gerador seguramente não constituem elisão fiscal:
a) substituições materiais do fato gerador;
b) abstinência de qualquer fato gerador;
c) simulação relativa, em que o negócio aparente precede o negócio real [...].
[...] mesmo agindo antes da ocorrência do fato gerador, a conduta do contribuinte pode ser tanto irrelevante (hipótese “a”) como evasiva (hipótese “c”) [...] (YAMASHITA, 2005, pág. 30).
E prossegue o mesmo Autor:
[...] nem toda conduta que reduz o ônus fiscal sem evitar a ocorrência do fato gerador é uma evasão fiscal. Há certas condutas não evasivas que se organizam para subsumirem-se a normas tributárias que reduzem ou dispensam o pagamento de tributos, mas não evitam a ocorrência do fato gerador (YAMASHITA, 2005, pág. 31).
Com efeito, evidencia-se o fato de que o critério temporal não é suficiente para distinguir a evasão fiscal da elisão fiscal, quando aplicado de forma isolada, havendo que se atentar simultaneamente para o critério da licitude em tal análise.
3 LIMITES AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Devidamente diferenciados os conceitos de elisão e evasão fiscal, faz-se mister verificar quais os limites que envolvem a primeira técnica de economia de tributos – a elisão fiscal -, os quais, se ultrapassados, a transformariam na segunda, qual seja, a ilícita evasão fiscal.
Para traçarmos a linha que separa o lícito do ilícito em termos de planejamento tributário, indispensável citarmos a norma insculpida no artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, vejamos:
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
[...]
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001).
Trata-se, pois, da chamada Norma Geral Antielisão, assim denominada pela doutrina, a qual – conforme se depreende de sua simples leitura – confere às autoridades administrativas a competência para desconsiderar os efeitos tributários de atos e negócios jurídicos que constatarem terem sido praticados no intuito de fraudar o Fisco.
Com efeito, ante à menção feita ao norte acerca do planejamento tributário realizado por meios ilícitos, conclui-se que a norma supracitada combate, de fato, a evasão fiscal, e não a elisão em si, como se deduz ante à nomenclatura consolidada pela doutrina.
Ainda, vale dizer que parte da doutrina considera que a referida norma não é autoaplicável, tendo em vista que em sua parte final há menção à necessidade de observância, pelo Fisco, de procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária ainda não editada.
Neste sentido é a opinião de Ricardo Alexandre, vejamos:
[...] o dispositivo carece de regulamentação legal, pois é encerrado com a expressão “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”, de forma que, enquanto não editada a lei reclamada pelo CTN, não é possível a aplicação da denominada “norma geral antielisão fiscal” (ALEXANDRE, 2014, pág. 264).
Contudo, ainda que se admita a necessidade da edição da referida lei ordinária para a aplicação da dita Norma Geral Antielisão, para boa parte da doutrina pátria, a referida norma somente se prestou a confirmar autorização já existente na lei.
Este é o posicionamento de Paulo de Barros Carvalho, confira-se:
O ordenamento brasileiro, a meu ver, já autorizava a desconsideração de negócios jurídicos dissimulados, a exemplo do disposto no art. 149, VII, do Código Tributário Nacional. O dispositivo comentado veio apenas ratificar regra existente no sistema em vigor.
[...]
Há que se cuidar, todavia, para não estender demasiadamente a aplicação do novo preceito, chegando a ponto de julgar dissimulado o negócio jurídico realizado em decorrência de planejamento fiscal. Neste último caso, as partes celebram um negócio que, não obstante importe redução ou eliminação da carga tributária, é legal e, portanto, válido, diferentemente dos atos dissimulados, consistentes na ilegal ocultação da ocorrência do fato jurídico tributário. O parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional não veio para impedir o planejamento fiscal; nem poderia fazê-lo, já que o contribuinte é livre para escolher o ato que pretende praticar, acarretando, conforme sua escolha, o nascimento ou não de determinada obrigação tributária (CARVALHO, 2012, págs. 267/268).
Tal entendimento é também corroborado por Regina Helena Costa:
Em nossa opinião, o direito positivo já autorizava a desconsideração de negócios jurídicos dissimulados, à vista do disposto no art. 149, VII, CTN, que estabelece que o lançamento deva ser procedido de ofício na hipótese de o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, ter agido com dolo, fraude ou simulação.
Com efeito, o Código, ao tratar das hipóteses em que cabe o lançamento de ofício, refere-se, exatamente, a práticas que envolvem falsidade, fraude, omissão de dados, de informações, enfim, de figuras que, normalmente, estão aqui implicitamente colocadas no campo de eficácia da “norma geral antielisiva”. A norma autoriza o Fisco a estabelecer ou considerar certas situações como tentativas ilícitas de evitar-se que alguém se torne sujeito de obrigação tributária (COSTA, 2014, pág. 179).
Com efeito, não se dá a razão completamente a nenhum dos dois posicionamentos, tendo em vista que, muito embora haja concordância com o fato de ter o parágrafo único, do art. 116, do CTN, basicamente ratificado a regra já contida no art. 149, inciso VII, do mesmo Codex, verifica-se que a Norma Geral Antielisão não deixou de inovar.
Neste sentido, é o entendimento de Livia De Carli Germano:
[...] o parágrafo único do art. 116 do CTN trata de todas aquelas situações de ocultação do fato gerador por ausência de causa que já autorizavam a autoridade administrativa a efetuar o lançamento ou a revê-lo de ofício, dentre as quais estão a simulação e a fraude (art. 149, VII, CTN).
Esta conclusão não conflita com a máxima de que a lei não contém palavras inúteis. Isso porque, embora o CTN já contemplasse as hipóteses autorizadoras do lançamento e de sua revisão de (art. 149, VII), nada era dito sobre o procedimento especial para a apuração de tais condutas (GERMANO, 2013, pág. 231).
De um modo ou de outro, o fato é que o ordenamento jurídico brasileiro tem por atos ou negócios jurídicos caracterizados como evasão fiscal aqueles praticados mediante simulação, fraude à lei, abuso de direito ou quando despidos de propósito negocial, de modo que se passará a explanar acerca de cada um, sendo a compreensão de tais condutas determinante para a definição de um planejamento tributário legítimo ou ilegítimo.
Nesta senda, alguns dos conceitos de ilicitudes aplicáveis à referida análise da legitimidade do planejamento tributário são extraídos do Direito Privado, sendo, pois, aplicáveis ao Direito Tributário na medida em que a autonomia deste em relação àquele é relativa.
Douglas Yamashita explica com brilhantismo:
[...] como a tributação se assenta sobre atos ou negócios jurídicos primeiramente disciplinados pelo Direito Privado - razão pela qual se diz que o Direito Tributário é um direito de sobreposição ao Direito Privado – é lógico que, por princípio, o Direito Privado determine a licitude ou ilicitude dos atos ou negócios jurídicos sobre os quais se assenta a tributação. Justamente nesse contexto, destacam-se profundas modificações do conceito de ilicitude no Código Civil de 2002, o qual reconheceu a ilicitude civil não apenas a simulação (art. 167 do CC/2002), mas também a fraude à lei (art.166, VI, do CC/2002), o abuso de direito (artigo 187 do CC/2002) e o abuso de personalidade jurídica (artigo 50 do CC 2002). Tais ilicitudes civis têm reflexos tributários, pois nos termos dos artigos 109 e 110 do CTN, a autonomia do Direito Tributário em relação ao Direito Privado é relativa, no sentido de que, salvo expressa disposição de lei tributária em contrário, toda conduta ilícita para o Direito Privado será igualmente ilícita para o Direito Tributário (YAMASHITA, 2007, pág. 38).
Destarte, passamos à explanação de tais ilícitos civis que constituem atos de evasão fiscal, ultrapassando os limites da elisão fiscal legítima.
3.1 DA FRAUDE À LEI
A fraude à lei está prevista no artigo 166, inciso VI, do Código Civil, vejamos:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
[...]
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; [...].
Neste diapasão, verifica-se que a fraude à lei ocorre quando o agente se utiliza de meios lícitos para alcançar resultado ilegal; o que, em matéria de planejamento tributário, exige especial atenção por ocasião da análise da ocorrência de elisão ou evasão fiscal, em sendo que o planejamento fiscal legítimo é comumente confundido com a busca de “brechas” na legislação.
Sobre o tema, ensina Onofre Alves Batista Júnior:
A fraude à lei tributária, assim, pressupõe a presença de duas normas: uma norma instrumento ou de cobertura, e uma norma fraudada. Supõe que um determinado resultado econômico, cuja consecução pelos meios jurídicos normais acarretaria a incidência tributária, consegue-se por outros meios jurídicos, que natural e primariamente têm por objetivo fins diversos, e não estão gravados ou o estão de forma mais atenuada (BATISTA JÚNIOR, 2002, pág. 221).
Em suma, constata-se a fraude à lei no âmbito do planejamento tributário, quando o ato praticado no intuito de economizar tributos é lícito, mas o contribuinte utiliza uma norma inadequada para lhe conferir validade, em flagrante desencontro entre a intentio facti (vontade empírica) e a intentio juris (vontade jurídica).
3.2 DA SIMULAÇÃO
O ilícito civil consistente na simulação encontra-se previsto no artigo 167, do Código Civil, in verbis:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
Com efeito, tem-se que na hipótese de simulação, ou o negócio jurídico não existiu (simulação absoluta), ou era apenas parcialmente verdadeiro (simulação relativa).
Neste sentido, leciona Misabel Abreu Machado Derzi:
A simulação absoluta exprime ato jurídico inexistente, ilusório, fictício, ou que não corresponde à realidade, total ou parcialmente, mas a uma declaração de vontade falsa. É o caso de um contribuinte que abate despesas inexistentes, relativas a dívidas fictícias. Ela se diz relativa, se atrás do negócio simulado existe outro dissimulado. [...] Para a doutrina tradicional, ocorrem dois negócios: um real, encoberto, dissimulado, destinado a valer entre as partes; e um outro, ostensivo, aparente, simulado, destinado a operar perante terceiros (DERZI, 2001, pág. 214).
Destarte, são considerados simulados os negócios jurídicos que tão somente aparentem conferir ou transmitir direitos a determinados contribuintes; ou, ainda, que contiverem cláusula ou declaração que não traduza a realidade.
Com efeito, pode se utilizar a título de exemplo de simulação relativa/dissimulação a situação em que o contribuinte celebra um contrato de sociedade a fim de camuflar um negócio de compra e venda de um imóvel, com o fito de lesar o Fisco abstendo-se de recolher o ITBI – Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis mediante a mera dissolução societária, conforme imunidade conferida pelo artigo 156, § 2º, inciso I, da Constituição da República.
Assim, conforme a hipótese supramencionada, tem-se que a simulação configurará forma de evasão fiscal quando houver sido convencionada pelos contribuintes para obter a redução da carga tributária.
3.3 DO ABUSO DE DIREITO
Em que pese o contribuinte possa, com fulcro nos Princípios da Autonomia da Vontade e da Liberdade de Contratar, organizar seus negócios do modo que melhor lhe aprouver, inclusive para economizar impostos, tem-se que não lhe é permitido o abuso de tal direito.
O abuso de direito encontra-se previsto no artigo 187, do Código Civil, sendo que
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Trata-se, pois, do limite aplicável à conduta do contribuinte que manipula o próprio ordenamento jurídico para fins de reduzir a carga tributária por ele suportada.
Para Livia De Carli Germano, o abuso de direito refere-se
[...] ao direito subjetivo e a um desvio de seu “fim econômico-social”. Assim, haveria, de um lado, o exercício “normal” do direito subjetivo, sem provocar danos a terceiros que estes não tenham a obrigação jurídica de suportar, e que seria o exercício de acordo com o seu fim econômico-social; fora de tais limites estaria o exercício anormal que ocasiona dano ou lesão (GERMANO, 2013, pág. 95).
Destarte, tem-se que, de certo modo, o uso “normal” do direito subjetivo amolda-se a uma conduta ética e imbuída de boa-fé.
Com efeito, tem-se que o exercício de um direito, por parte do contribuinte, que não obedeça a uma mínima condição ética, não se dê para atender a uma finalidade real, e tenha intuito exclusivo de reduzir a sua carga tributária, consiste em conduta configurada como evasão fiscal, ultrapassando os limites que se impõe a práticas de um planejamento tributário legítimo.
3.3.1 Da Ausência de Propósito Negocial
Contido no âmbito do abuso de direito, constata-se a presença de outro fator considerado ilícito e apto a levar à desconsideração de negócio jurídico por tratar-se de ato de evasão fiscal, qual seja, a ausência de propósito negocial.
Com efeito, a jurisprudência pátria tem sustentado a ideia de que, ausente um propósito negocial no negócio jurídico realizado pelo contribuinte, estaria configurada hipótese de abuso de direito, não admitindo-se como válida eventual relação jurídica estabelecida com o intuito exclusivo de economizar tributos.
Nesta senda, a ausência do propósito negocial está ligada ao abuso de direito na medida em que se considera que o agente se utiliza de meios formalmente permitidos para atingir objetivo diverso do pretendido pela referida disposição legal.
Neste sentido foi o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 946.70/RS, confira-se:
INCORPORAÇÃO. AUTUAÇÃO. ELISÃO E EVASÃO FISCAL. LIMITES. SIMULAÇÃO. EXIGIBILIDADE DO DÉBITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
1. Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura.
2. Tal liberdade é possível apenas anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária.
3. A elisão tributária, todavia, não se confunde com a evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a carga tributária após a ocorrência do fato gerador.
4. Admite-se a elisão fiscal quando não houver simulação do contribuinte. Contudo, quando o contribuinte lança mão de meios indiretos para tanto, há simulação.
5. Economicamente inviável a operação de incorporação procedida (da superavitária pela deficitária), é legal a autuação.
6. Tanto em razão social, como em estabelecimento, em funcionários e em conselho de administração, a situação final - após a incorporação - manteve as condições e a organização anterior da incorporada, restando demonstrado claramente que, de fato, esta "absorveu" a deficitária, e não o contrário, tendo-se formalizado o inverso apenas a fim de serem aproveitados os prejuízos fiscais da empresa deficitária, que não poderiam ter sido considerados caso tivesse sido ela a incorporada, e não a incorporadora, restando evidenciada, portanto, a simulação.
7. Não há fraude no caso: a incorporação não se deu mediante fraude ao fisco, já que na operação não se pretendeu enganar, ocultar, iludir, dificultando - ou mesmo tornando impossível - a atuação fiscal, já que houve ampla publicidade dos atos, inclusive com registro nos órgãos competentes.
8. Inviável economicamente a operação de incorporação procedida, tendo em vista que a aludida incorporadora existia apenas juridicamente, mas não mais economicamente, tendo servido apenas de "fachada" para a operação, a fim de serem aproveitados seus prejuízos fiscais - cujo aproveitamento a lei expressamente vedava.
9. Uma vez reconhecida a simulação deve o juiz fazer prevalecer as consequências do ato simulado - no caso, a incorporação da superavitária pela deficitária, consequentemente incidindo o tributo na forma do regulamento - não havendo falar em inexigibilidade do crédito fiscal. [....] Os Embargos de Declaração foram rejeitados. (grifo nosso)
Assim sendo, conclui-se que, para que o planejamento tributário seja legítimo, não basta que os atos praticados sejam lícitos, tendo, no aspecto supracitado, que se mostrarem coerentes com as formas jurídicas adotadas.