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Exceção de pré-executividade

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11/03/2004 às 00:00
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06. POLÊMICA ACERCA DA CORRETA TERMINOLOGIA

Na maior parte da doutrina, e mesmo na jurisprudência, a terminologia consagrada para o instituto em estudo sempre foi a de "exceção de pré-executividade". Terminologia esta que remonta ao famoso parecer do mestre Pontes de Miranda. De fato, doutrinava o mestre [15]:

"Para que haja executividade, é preciso que se repute título executivo e instrumento da dívida ou que haja sentença com carga suficiente de executividade.

Quando se pede ao juiz que execute a dívida (exercício das pretensões pré-processual e processual à execução), tem o juiz de examinar se o título é executivo, seja judicial ou extrajudicial."

O festejado mestre, tenta demonstrar que quando o título executivo não tem o atributo da "executividade", poderá se opor tal fato à pretensão executiva. Argumentando tratar-se de "exercício das pretensões pré-processual". Talvez aí resida a origem do termo "pré-executividade".

Tal denominação sempre foi duramente criticada pela doutrina. Humberto Theodoro Júnior [16], com apoio na doutrina de Barbosa Moreira, assim se pronuncia ao criticar a expressão:

"Barbosa Moreira evidencia que se o que se busca é demonstrar que o credor não tem condições jurídicas para executar seu pretenso crédito, não é de um requisito anterior (‘pré’) à executividade que se cogita. É, isto sim, da falta de um requisito da própria execução proposta, que se ocupa a argüição. Afinal, a execução já foi proposta e o intento do devedor não se relaciona com requisitos ou dados anteriores, mas com aqueles que no momento deveriam existir e, na realidade não existem. Enfim, o que falta não é a pré-executividade, é a executividade."

Nelson Nery Júnior, citado por Helder Martinez Dal Col [17], critica a expressão "exceção", para o jurista "a expressão objeção de pré-executividade é a mais adequada, já que o termo ‘exceção’ sugere que se trate de matéria de defesa, e, portanto, não passível de ser conhecida de ofício e sujeita a preclusão."Justificaria-se a utilização do termo "objeção", tendo em vista que o mesmo se refere a matérias que o juiz está autorizado a conhecer de ofício, ou seja, de ordem pública. Expressão esta também criticada por parte da Doutrina.

A polêmica é tamanha, que alguns autores simplesmente se negam até a atribuir qualquer nome ao instituto. Simplesmente afirmando que se trata de mero incidente, em que a parte peticiona ao Juiz, alegando matéria de ordem pública,a qual o mesmo deveria ter se pronunciado de ofício, mas não o fez. Marcos Valls Feu Rosa, citado por Humberto Theodoro Júnior [18], chega a ponto de afirmar que "não se pode condescender com a expressão ‘exceção de pré-executividade’ porque o que assim se rotula não é nem ‘exceção’, nem ‘pré’, nem ‘executividade’." Dizendo tratar-se o instituto de simples argüição de falta de requisitos da execução. Sendo que alguns autores negam inclusive a condição de "instituto" ou remédio processual à "exceção de pré-executividade".

Polêmicas a parte, primeiramente é de se, com a devida vênia, contradizer aos que negam a condição de "remédio processual" ao instituto em questão. Embora não expressamente prevista no CPC, certo é que a jurisprudência e a doutrina já consagraram a "exceção de pré-executividade" como meio legítimo do devedor, independentemente de penhora, opor-se à execução em determinados casos restritos. Daí não ser prudente a redução da importância do tema em questão a mero incidente de somenos importância no curso do processo.

Quanto a questão propriamente dita da terminologia correta a ser usada, comungamos da opinião daqueles que acham impróprio o termo "exceção de pré-executividade", embora já consagrado pelo uso constante nos Pretórios Pátrios.

Primeiramente, quanto a expressão "exceção", julgamos-la oportuna. Posto que, no curso da história do Processo, o termo "exceção", sempre designou "defesa", "contraposição" ou mesmo "oposição". Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Dinamarco [19], sobre o termo "exceção", conceituam:"Exceção, em sentido amplo, é o poder jurídico que se acha investido o réu e que lhe possibilita opor-se à ação que lhe foi movida."

Ora, analisando o instituto em questão, facilmente chegamos a conclusão de que se trata de uma "exceção" oposta pelo devedor à pretensão executiva do credor. Ao manejar a "exceção de pré-executividade", o devedor-executado, está exercendo seu direito constitucionalmente garantido de opor-se a ação executiva que lhe foi movida. Portanto, em hipótese alguma poderemos admitir como impróprio o termo "exceção", posto que, ao se opor a pretensão executiva, o devedor está exercendo de fato seu direito de defesa. Não se importando que a matéria alegada seja de ordem pública ou privada. Alegar que tal denominação fere a sistemática do Código de Processo Civil, se constitui em um excesso de zelo, a "exceção de pré-executividade" nem prevista no código está.

Por outro lado, o termo "objeção", propugnado por parte da doutrina, seria completamente inadequado. Posto que a expressão somente encerra aquelas matérias, as quais, o juiz poderia conhecer de ofício. Ou seja, matérias de ordem pública. Daí constatarmos que o termo "objeção" é insuficiente para designar o instituto, pelo fato de que, além das matérias de ordem pública, passíveis de argüição através de "exceção de pré-executividade", outras matérias atinentes a validade do título, desde que suficientemente provadas, também o poderão. Desta feita, o termo "objeção" seria insuficiente para designar o instituto, posto que não abrangente a todas as matérias passíveis de serem argüidas através do incidente.

Quanto a questão do termo "pré-executividade", aqui sim, julgamos-lo inoportuno. Para tanto, nos socorremos a preciosa doutrina de Barbosa Moreira, citado por Humberto Theodoro Júnior [20]:

"Mirando através do inoportuno biombo verbal’ – observa BARBOSA MOREIRA – ‘ percebemos o que se quer sustentar aí: é que o processo, instaurado sob vestes executivas, não preenche os requisitos indispensáveis para usar esta indumentária; ou, em outra perspectiva, que o título não constitui passaporte regular para o ingresso na via da execução. Em palavras diferentes, o que se pretende é negar à executividade, aí, direitos de cidadania... o problema não é de ‘antes’ ou ‘depois’: é de ‘sim’ ou ‘não’...." (grifo nosso)

De fato, ao analisarmos a exceção, podemos concluir que o termo "pré" designa uma defesa anterior, o que poderia significar até uma atividade pré-processual. Ora, se a "exceção" pode ser oposta em qualquer fase do processo executivo, independentemente de penhora desde que respeitadas as matérias dedutíveis, fatalmente podemos concluir que o termo "pré" é inadequado. O que se busca com a "exceção" é a declaração de que no processo não há o atributo da executividade. Daí concordarmos com a afirmação de Barbosa Moreira, a questão não se restringe ao antes (pré) ou depois (pós) mas ao sim ou ao não. Ou possui a executividade ou não possui a executividade. Daí, com a devida vênia as opiniões em contrário, sustentarmos que a correta terminologia do instituto seria de "exceção de não-executividade".

Exceção porque, mesmo que se alegue matéria de ordem pública, a simples alegação se constitui em um ato defensivo do devedor-executado, exercendo sua faculdade constitucionalmente garantida de opor-se a ação proposta pelo credor. E "não-executividade", porque na exceção se busca mostrar que a execução proposta não se reveste de executividade suficiente para ser considerada como válida. Daí reputarmos ser esta a melhor definição para o instituto em questão.

Por fim, cumpre dizer que a práxis forense já consagrou o termo "exceção de pré-executividade" sendo que a maioria dos estudos e obras sobre o tema a adotam, razão pela qual no presente estudo a utilizamos mas sempre colocada entre aspas.


07. MATÉRIAS ARGUÍVEIS

Quanto ao campo de aplicação da chamada "exceção de pré-executividade", primeiramente torna-se necessária uma advertência, constantemente repetida no curso do presente trabalho. Em hipótese alguma poderemos discutir, através do instituto em questão, matérias de fato, cuja demonstração carece de uma grande dilação probatória. Desta feita, onde então se aplicaria a "exceção de pré-executividade"?

Primeiramente, citamos aquelas matérias, as quais o Juiz pode conhecer de ofício, ou seja, as chamadas matérias de ordem pública. Daí têm-se que toda e qualquer questão atinente aos chamados pressupostos processuais e às condições da ação, serão passíveis de argüição através da "exceção de pré-executividade." Além é claro de toda matéria atinente à prescrição, decadência, coisa julgada, pagamento ou novação. Portanto, todas as matérias elencadas nos incisos IV, V e VI do art. 267 do CPC, serão passíveis de serem argüidas através da "exceção de pré-executividade".

Outrossim, merecem destaque as matérias atinentes às condições da ação executiva. Primeiramente, quanto à possibilidade jurídica do pedido, ressaltamos a necessidade de existência do crédito estampado no título executivo, devendo o título em questão ser líquido, certo e exigível, sob pena de nulidade (art. 618, I do CPC). Não se revestindo do caráter de certeza, liquidez e exigibilidade o título, tal matéria poderá, de plano ser suscitada por via da "exceção de pré-executividade", posto que ausentes os requisitos básicos para se realizar a execução.

Outra matéria pertinente é quanto a legitimidade, tanto passiva como ativa na ação executiva. Somente poderá ser executado o devedor expressamente indicado no título. Havendo qualquer questão que possa ser suficientemente demonstrada, quanto a legitimidade passiva ou ativa, tal matéria também poderá ser alegada. ( execução de pessoa diversa da que assumiu o título, assinatura falsa, ausência de endosso, etc)

Por fim, o interesse de agir no processo executivo somente surgirá com o inadimplemento da obrigação, a se verificar após o vencimento da dívida. Não vencida a obrigação, faltará o caráter de exigibilidade ao título e conseqüentemente o interesse de agir do credor. Além é claro da execução de títulos já solvidos. Portanto tais matérias também são passíveis de serem argüidas no campo de discussão do interesse de agir.

Sustentamos também a possibilidade de utilização do instituto da "exceção de pré-executividade" para se argüir todo e qualquer vício formal do título. Desde que suficientemente demonstrados e materialmente provados no ato da argüição. Portanto, os títulos celebrados com qualquer vício que os tornem nulos ou anuláveis (arts. 138 e seguintes do Código Civil) poderão serem atacados via "exceção de pré-executividade". Entretanto, mais uma vez é de se frisar, que o vício deverá estar suficientemente e materialmente provado. Havendo qualquer necessidade de uma grande dilação probatória o instrumento adequado será o dos "embargos".

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Por fim, admitimos também como Humberto Theodoro Júnior [21]a aplicação do instituto toda vez que se:

"cogitar de toda e qualquer matéria que, afetando o título, sua força, seus limites e sua exigibilidade, possa ser conhecida e tratada sem necessidade de dilação probatória (ex: vícios formais do título, extinção da obrigação, excesso de execução evidente, etc)".

Finalizando, podemos admitir a "exceção de pré-executividade" toda vez em que na situação concreta, faltar qualquer das condições da ação, ou seja, legitimidade da parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Sendo que a maioria dos casos passíveis de "exceção de pré-executividade" se amoldam à falta de alguma destas condições, as quais ausentes, invalidam o processo.


08. FUNDAMENTOS DA "EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE"

Em momento algum, o Código de Processo Civil, ou mesmo a legislação esparsa, traz qualquer previsão legal expressa acerca da possibilidade de interposição da chamada "exceção de pré-executividade". O que, entretanto, não afasta sua previsão legal no ordenamento jurídico Pátrio. Conforme já dito no presente trabalho, o ordenamento jurídico forma um todo sistemático, segundo o magistério de Paulo Nader [22]:

"do ponto de vista prático vigora o postulado da plenitude da ordem jurídica, pelo qual o Direito Positivo é pleno de respostas e soluções para todas as questões que surgem no meio social."

Quanto a "exceção de pré-executividade" propriamente dita, embora não prevista expressamente no Código de Processo Civil, sobre a aplicabilidade da mesma, encontramos na Constituição Federal previsão e fundamento expresso quanto a utilização do instituto.

O inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, de forma expressa assegura amplamente a todos que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Repetindo o que já vinha consagrado desde a Constituição de 1946, o legislador constitucional, de forma ampla e irrestrita assegurou a todos os cidadãos o direito incondicionado de ação. Bullos [23], com acuidade doutrina que:

"Através desse princípio, todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça de lesão a um direito individual, coletivo, difuso ou até individual homogêneo. Constitui, portanto, um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação jurisdicional, relativamente ao conflito de interesse qualificado por uma pretensão irresistível".

Analisando então o dispositivo constitucional em questão, fatalmente chegamos à conclusão de que o direito de ação, ou seja, o de se socorrer ao Poder Judiciário toda vez que se sofre uma lesão ou ameaça a direito, é incondicionado, irrestrito e amplo.

Confrontando o princípio em questão com a chamada "exceção de pré-executividade", pode-se afirmar que aquele fundamenta esta. Vejamos: ao se buscar através da "exceção de pré-executividade" a nulidade do processo executivo nos casos cabíveis, está se submetendo ao poder judiciário uma ameaça ou mesmo lesão a direito. O simples fato de se sofrer uma execução sem fundamentos, nula ou imotivada caracteriza lesão e mesmo ameaça a direito do "suposto" devedor. Razão pela qual o mesmo pode submeter, incondicionalmente, ao Poder Judiciário tal fato, independentemente de sofrer constrição patrimonial, através de penhora ou depósito de seus bens.

Exigir-se prévia garantia do juízo para apreciação de lesão ou ameaça de direito, é negar o próprio direito de ação constitucionalmente garantido. Entretanto, é de se fazer uma ressalva, não se está aqui a negar o instituto dos embargos ou mesmo se instaurando um contraditório absurdo no processo de execução. Mais uma vez, é de se ressaltar que a aplicação da "exceção de pré-executividade" é restrita. Nos casos de sentença transitada em julgado, isenta de qualquer nulidade, o "direito de ação" do suposto devedor já foi anteriormente exercido, e mesmo nos títulos executivos extrajudiciais formais e legalmente válidos, inexiste a lesão ou ameaça a Direito, posto que a sua própria formação é prevista no Direito. Portanto, o princípio em questão se invoca nos casos em que houver, in concreto, lesão ou ameaça ao Direito, o que ocorre nos casos de execução lastreada em títulos nulos, levadas a cabo por parte ilegítima, enfim em títulos que não possuam o atributo da executividade, tal com preceituado por Pontes de Miranda. [24]

Outrossim, no inciso LV do mesmo artigo 5º em questão, a Constituição Federal assegura "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".Também aqui, encontramos fundamento legal suficiente para a "exceção de pré-executividade". Mais uma vez, recorremos a Bulos [25], que quanto ao contraditório, doutrina:

"O conteúdo do princípio constitucional do contraditório é sobejamente claro: garantir aos litigantes o direito de ação e o direito de defesa, respeitando-se a igualdade das partes. Por isso, todos aqueles que tiverem uma pretensão a ser deduzida em juízo podem invocar o contraditório a seu favor, seja pessoa física ou jurídica."

Confrontando as possibilidades de defesa do executado em juízo, fatalmente concluímos que a exigência de prévia garantia do juízo em determinados e restritos casos, fere o princípio do contraditório. Posto que, caso baseada em título desprovido de executividade, ou seja, eivado de vício suficiente para causar sua invalidade, exigir-se do suposto devedor que grave seu patrimônio para exercer seu direito de defesa, seria o mesmo que negar vigência ao dispositivo constitucional. Ainda mais nos casos em que o suposto devedor nem patrimônio possui. Estaria vinculado a um processo sem sequer possuir a chance de se defender.

Mais uma vez é de se ressalvar que a aplicação do instituto em questão é restrita, sob pena de se invalidar completamente o processo de execução. Somente se aplica nos casos determinados de invalidade da execução ou do próprio título. Se o título é judicial, o contraditório já foi exercido, se extrajudicial, ainda assim para sua formação concorreu o devedor, anuindo com as cláusulas do mesmo e exercendo sua liberdade de contratar (a qual sofre as limitações dos arts. 421, 422, 423 e 424 do Código Civil). Se não há elementos que invalidem o título, não há que se falar na possibilidade de "exceção de pré-executividade".

Por fim, há que se acrescentar que o próprio CPC, no art. 733, quanto trata da execução de alimentos, prevê a possibilidade de contraditório no processo executivo. Quando permite ao devedor, no prazo de três dias a contar da citação, provar que fez o pagamento ou a impossibilidade de faze-lo.

Em conclusão podemos afirmar que a "exceção de pré-executividade", mesmo que não expressamente prevista no CPC, encontra amparo legal no ordenamento constitucional, que assegura a todos, incondicionalmente, o direito de submeter a apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito bem como o contraditório e ampla defesa no processo. Direito este, que no caso próprio da "exceção de pré-executividade" não é ilimitado, abrangente de todo e qualquer processo executivo, somente nos casos restritos já apontados.

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Sobre o autor
Rômulo Resende Reis

Advogado, Pós-graduado em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Rômulo Resende. Exceção de pré-executividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 247, 11 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4936. Acesso em: 23 abr. 2024.

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