Inscrição nos orgãos de proteção ao crédito por dívida alimentícia

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Trata-se de uma análise a respeito da possibilidade jurídica da inscrição nos orgãos de proteção ao crédito, como mais uma forma de forçar o cumprimento da prestação de alimentos.

O Artigo 227 da Constituição, bem como os artigos 1º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), preveem a garantia da proteção integral às crianças e adolescentes, isso inclui a prioridade absoluta destes indivíduos que estão em situação peculiar de desenvolvimento e formação moral, física e psicológica, necessitando, por conta disso, de tratamento especial, haja vista que não possuem capacidade de proporcionarem para si mesmos a efetividade de seus direitos básicos.

Esta prioridade se dá pelo reconhecimento de que a criança e o adolescente são o futuro da sociedade e, por conta disso, devem ser tratados com certos cuidados e assim, tenham condições de se tornarem adultos responsáveis.

Segundo Orlando Gomes[1] os alimentos servem para satisfazer as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si, servem, portanto, para fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o quantum necessário à sua subsistência digna, que lhe garanta o indispensável ao sustento, vestuário, alimentação, habitação, educação, lazer, assistência médica.

Nesse sentido dispõe o Artigo 1695:

Art. 1695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

Para que haja obrigação de prestação alimentícia, há a necessidade da presença de três elementos:

I – Um vinculo entre alimentante e alimentado, isto é, grau de parentesco, se estavam casados ou conviviam em união estável, se há indícios de paternidade em caso de alimentos gravídicos;

II – A necessidade de recebimento de alimentos;

III – A possibilidade do Alimentante de prestar alimentos sem desfalque injustificado ao seu padrão de vida.

É nesse sentido que completa Fabio Ulhoa Coelho[2]:

“Para serem devidos alimentos compatíveis com a condição social do alimentado, assim, é necessário, em primeiro lugar, que o alimentante não tenha que se sacrificar injustamente para pagá-los. A inexistência de culpa é outro requisito para se constituir o direito aos alimentos compatíveis com a condição social do alimentado. Se o próprio alimentado arruinou culposamente seu patrimônio ou, podendo trabalhar, não se anima a fazê-lo por preguiça, o valor dos alimentos será fixado em patamar mínimo, isto é, pelo montante indispensável à subsistência dele.”

Dispõe o § 1º do art. 1.694 do Código Civil:

“Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

A respeito dos alimentos entre pais e filhos menores leciona Carlos Roberto Rios Gonçalves[3]:

Entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros, não existe propriamente obrigação alimentar, mas dever familiar, respectivamente de sustento e de mútua assistência (CC, arts. 1.566, III e IV, e 1.724). A obrigação alimentar também decorre da lei, mas é fundada no parentesco (art. 1.694), ficando circunscrita aos ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, com reciprocidade. É transmissível e divisível.” (g.n.)

Assim, resta claro que quanto os filhos necessitam da prestação de alimentos, possuem o direito de pleitear o recebimento junto aos pais que em contrapartida possuem o dever de prestar de acordo a possibilidade financeira que este possui.

Isto, pois a prestação de alimentos permite que o alimentado tenha condições de que seus direitos básicos que lhe garantam sua dignidade humana sejam efetivamente cumpridos e, por esse motivo, o Estado possui mecanismos com o objetivo de forçar o cumprimento dos alimentos.

Com o objetivo de assegurar o cumprimento da obrigação da prestação de alimentos, pode o alimentado requerer o desconto do valor dos alimentos na folha de pagamento do alimentante, conforme dispõe o artigo 529 do Código Civil:

“Art. 529. Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia.“

Pode ainda, caso não seja satisfeita a dívida de alimentos, o alimentado propor ação executória por quantia certa em face do devedor, inclusive das prestações vencidas, que nesse caso, o devedor será intimado pessoalmente para em três dias, ou quitar o débito, ou provar que já o fez ou ainda justificar a imporssibilidade de efetua-lo, a luz do artigo 528 do Código Civil:

“Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.”

Caso o executado, no prazo de três dias, efetuar o pagamento, ou não provar que já havia efetuado, ou ainda não apresentar a justificativa aceitável da impossibilidade absoluta de efetua-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, conforme parágrafo § 1º do artigo 528 do Código de Processo Civil.

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Além do protesto da dívida, o magistrado poderá decretar a prisão do devedor pelo prazo de um a três meses, conforme § 3º também do artigo 528 do Código de Processo Civil:

“§ 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.”

Todavia, em conflito com o disposto no § 3º mencionado acima, do qual prevê a decretação da prisão do devedor de alimentos pelo prazo de um a três meses, o artigo 19 da Lei 5478/68 dispõe que o magistrado poderá decretar a prisão do devedor de alimentos em até 60 dias, senão vejamos:

Art. 19. O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.

Assim, resta claro que há um conflito entre o prazo máximo que o magistrado poderá estabelecer no caso de prisão civil do devedor de alimentos, se até sessenta dias ou se até três meses.

Vale destacar que com a vigência do Novo Código de Processo Civil, as formas de obrigar a prestação de alimentos do devedor, previstas nos artigos 16 a 18 da Lei 5478/68 que dispõe sobre a ação de alimentos, foram revogadas, contudo o artigo 19 continua vigente.

Destarte, entendemos que como a Lei mais nova é o Código de Processo Civil, que inclusive revogou os artigos 16 a 18 da Lei 5478/68 o que deve ser respeitado é o disposto no § 3º do Artigo 528 do Código de Processo Civil, no que se refere a pena máxima do devedor, isto é, o juiz poderá arbitrar a pena de prisão de um a três meses.

Insta salientar que o inadimplemento com a prestação de alimentos é a única forma prevista, Constitucionalmente, inclusive, de prisão civil, onde o devedor ficará separado dos presos comuns, no caso de atraso de até três prestações de alimentos vencidas, tendo em vista que o entendimento que o adimplemento da obrigação de alimentos não é somente um interesse individual, mas também de interesse público.

Outra forma possível para forçar o cumprimento da prestação de alimentos é a penhora dos bens do devedor, conforme prevê o artigo 530 do Código de Processo Civil:

“Art. 530. Não cumprida a obrigação, observar-se-á o disposto nos arts. 831 e seguintes.”

Assim dispõe o artigo 831 do qual menciona o artigo 530:

“Art. 831. A penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios.”

Apesar de acharmos que a parte in fine da letra do Artigo 19 da Lei de Alimentos deveria ser modificada para ficar de acordo com o Código de Processo Civil, o restante do artigo no que diz respeito a incumbência do juiz da causa em adotar as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo e forçar a quitação da prestação dos alimentos, deveria permanecer.

E, com esse mesmo entendimento, a possibilidade do magistrado forçar o cumprimento da prestação de alimentos deve ser ampla, respeitando, é claro, os limites legais, além dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Assim, não havendo nenhum dispositivo impeditivo, tendo em vista a real necessidade do alimentado, em respeito a dignidade da pessoa humana, a permissão da inclusão do nome daquele devedor de alimentos nos órgãos de proteção ao crédito é outra maneira que os nossos Tribunais começaram a utilizar para forçar ainda mais o cumprimento da obrigação da prestação de alimentos, uma vez que a sua inobservância faz com que o número de pessoas vulneráveis aumente.

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[1] GOMES, Orlando Direito de família, p. 427. Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. V.6. Saraiva. 2012. P. 432 

[2] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 5ª ED. Saraiva. 2012 p. 437 

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família – Sinopses Jurídicas 2 – Saraiva. 2012. p.402  

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Sobre o autor
Gustavo Henrique Cavalcante Marques

www.ghcmarques.com [email protected] ---------------------- Advogado atuante em: Direito à saúde/ Direito médico: Ações contra o SUS, Erro médico, Ações contra hospitais e operadoras de planos de saúde... Direito Empresarial: Assessoria e consultoria de consultórios, clinicas e hospitais. Direito do Consumidor Direito Securitário: Ações contra seguradoras. Advogado; pós graduado em Direito Constitucional e Administrativo; MBA em Gestão de Projetos pela Universidade de São Paulo - USP; realizou curso de Negotiation Skills certificado pela Universidade de Michigan; realizou o Curso International Human Rights certificado pela Université Catholique de Louvain; membro fundador da Academia de Direito do ABC a qual foi Presidente (mandatos 2015/2017 e 2017/2019); professor, escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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