Atos normativos da ANEEL acerca dos sistemas de distribuição e compensação de energia elétrica: uma análise crítica

01/06/2016 às 22:44
Leia nesta página:

Trata-se de um artigo que almeja analisar, de forma crítica, as resoluções normativas da ANEEL que tratam dos Sistemas de Distribuição de Compensação de Energia Elétrica.

No dia 01 de março de 2016, entrou em vigor a Resolução Normativa nº 687, de 24 de novembro de 2015, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Tal ato normativo vem aprimorar e alterar algumas regras previstas na Resolução Normativa nº 482/2012, também da ANEEL. O presente artigo vem justamente trazer algumas considerações acerca desses atos normativos da agência reguladora, apontando críticas e esclarecimentos pontuais.

          Inicialmente, é preciso trazer à tona que a ideia da confecção do presente artigo ocorreu após o Ciclo de Debates sobre “Geração Distribuída a Partir de Fontes Renováveis de Energia: Análise de Cenário e Proposta para Expansão no Estado da Paraíba”, promovido pela Comissão de Direito de Minas e Energia da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional da Paraíba.

          Como se pode observar no próprio artigo que abre a REN nº 482/2012, este ato normativo busca “estabelecer as condições gerais para o acesso de microgeração e minigeração distribuídas aos sistemas de distribuição de energia elétrica e o sistema de compensação de energia elétrica” (Art. 1º). Isso quer dizer que o consumidor possui autorização legal para instalar pequenos geradores em suas residências, como, por exemplo, painéis solares fotovoltaicos.

          Mas a energia gerada a partir desses geradores não poderá ser comercializada pelos consumidores. A intenção da REN nº 482/2012 é trazer a oportunidade de o consumidor obter reduções no valor de sua fatura de energia elétrica, o que se dará através do sistema de compensação, prevista na própria Resolução Normativa. Melhor explicando: quando a unidade consumidora gerar uma quantidade de energia superior à energia consumida, ela terá direito a um crédito que poderá ser utilizado justamente para diminuir o valor de sua fatura nos meses posteriores.

          A REN nº 687/2015 definiu esse sistema de compensação como um “empréstimo gratuito”, resultando em um verdadeiro contrato atípico após uma análise à luz do nosso Código Civil. Isso porque o Código Civil, em seu Capítulo VI, traz duas espécies de contrato gratuito: o comodato e o mútuo. A compensação prevista na REN nº 687/2015 não pode ser considerada, de forma alguma, como um comodato, afinal, a energia elétrica é um bem fungível. Não se trata, também, de contrato de mútuo, uma vez que, segundo o art. 586 do Código Civil, “o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. Ora, a concessionária que receber a energia do consumidor não restituirá em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade, mas sim em “descontos” na fatura de energia. Logo, o que ocorre não é restituição, mas tão somente um tipo de benefício em favor do consumidor, benefício este que deverá ser utilizado no prazo máximo de 60 (sessenta) meses. Portanto, trata-se, in casu, de um verdadeiro contrato legal atípico, nos moldes do art. 425 do Código Civil.

          Ademais, analisando esse “contrato de empréstimo gratuito” sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, pode-se perceber que os consumidores que não despendam, de forma intensiva, o consumo de energia elétrica poderão não se utilizar do sistema de compensação na sua totalidade, razão pela qual a REN 687/2015 da ANEEL elasteceu ainda mais o prazo para a utilização dos créditos (60 meses). Caso o consumidor não utilize estes créditos no referido prazo, eles serão simplesmente expirados (Art. 7º, inciso XII), resultando no enriquecimento ilícito por parte da concessionária. Isso porque, segundo o próprio Código de Defesa do Consumidor, é direito básico do consumidor a proteção contra métodos comerciais coercitivos, bem como práticas impostas no fornecimento de produto e serviços (Art. 6º, inciso IV).

          Outro ponto importante é a questão do dever de informação do valor do crédito nas faturas de energia elétrica. Em que pese haver a previsão de que a fatura deve conter o saldo anterior de créditos em kWh, algumas concessionárias não vêm obedecendo a essa determinação. Segundo a “Avaliação dos Resultados da Resolução Normativa nº 482/2012 na Visão do Regulador” levantado, em 2014, por Marco Aurélio Lenzi Castro da Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição – SRD/ANEEL, 31% dos consumidores que tinham a geração distribuída não recebia informações acerca do valor do crédito em suas faturas, algo que viola substancialmente o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso III (dever de informação). Neste caso, não só a agência reguladora, como também os órgãos de proteção ao consumidor, devem fiscalizar e aplicar penalidades às concessionárias que não cumprem o dever de informação.

          Por fim, uma questão preocupante nesse setor de distribuição é a ausência de incentivos do Poder Público na instalação do sistema.  Segundo a avaliação mencionada acima, um dos principais motivos que levou aos consumidores a instalar a geração distribuída foi o desenvolvimento sustentável. Por ser um dos principais princípios do Direito Ambiental, a doutrina e a própria legislação brasileira adotaram um outro princípio para fomentar a preservação ambiental: o princípio do protetor-recebedor. Para isso, o Poder Público deverá criar mecanismos que compensem a prestação de serviços ambientais em favor daqueles que atuam em defesa do meio ambiente. É o caso, por exemplo, dos consumidores que instalam o sistema de distribuição. Essa compensação, hoje inexistente, poderia ser através de benefícios financeiros (concessão de carta de créditos por bancos), redução de base de cálculos e alíquotas de tributos, ou mesmo a instituição de isenções por normas específicas.

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Sobre o autor
Walter Pereira Dias Netto

Sócio Fundador do Dias - Galvão - Morais - Advogados Associados. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, com Pós-Graduação em Direito Público e em Direito Processual Civil. É Procurador-Geral Adjunto de Município. Ex-Advogado municipal concursado (aprovado em 1º lugar). É advogado de cooperativas, incluindo as prestadoras de energia elétrica e do ramo agropecuário. Na graduação, foi aprovado em diversos concursos de estagiário, notadamente da Procuradoria do Município de João Pessoa, do IV Juizado Especial Civel da Comarca de João Pessoa, do Tribunal Regional do Trabalho - 13ª Região e da Caixa Econômica Federal. Já trabalhou junto com a assessoria de Desembargador do Tribunal de Justiça da Paraíba. É autor de diversos artigos científicos, tendo, inclusive, sido citado em decisões judiciais. É membro da Comissão de Direito de Minas e Energia da OAB/PB. Foi professor de curso preparatório para Exame da Ordem dos Advogados do Brasil e de curso de capacitação para servidores públicos. Foi professor de Direito Cooperativista do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego do Ministério da Educação.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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