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Visitando o “dual banking system”:

panorama sobre a regulação bancária nos Estados Unidos da América

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22/06/2016 às 13:24
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Apresentam-se as peculiaridades do modelo regulatório do setor bancário adotado nos Estados Unidos, conhecido como “dual banking system”, bem como as vantagens e desvantagens a ele normalmente atribuídas.

SUMÁRIO: Apresentação e delimitação do tema. 1. Formação do dual banking system. 1.1. Banco dos Estados Unidos. 1.2.  A Era do free banking. 1.3. O National Banking Act. 1.4. O Federal Reserve Act. 1.5. A crise bancária de 1929-1933 e a estabilização do sistema bancário. 1.6. Da década de 1980 até o Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act. 2. Estrutura da regulação bancária nos Estados Unidos da América. 2.1. O Office of the Comptroller of the Currency. 2.2. O Federal Reserve System; 2.3. O Federal Deposit Insurance Corporation. 2.4. A National Credit Union Administration. 2.5. O Financial Stability Oversight Council. 2.6. Reguladores estaduais. 3. Vantagens e desvantagens do dual banking system. 3.1. Vantagens. 3.2. Desvantagens. Conclusões.


APRESENTAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

O sistema financeiro, em geral, e o setor bancário, em particular, representam segmentos que estão em constante transformação. A todo momento, novos produtos e serviços são criados, as instituições que operam nesse setor ampliam seus domínios e os critérios tradicionalmente utilizados para diferenciá-las perdem sentido.

O setor bancário, com efeito, consubstancia domínio regulado por excelência, apresentando-se talvez como um dos ramos da atividade econômica que mais sente o peso da atividade regulatória estatal. Embora sejam ressonantes as vozes em sentido contrário, parece prevalecer a idéia de que os bancos requerem tratamento regulatório diferenciado, porque são especiais. Costuma-se dizer que a atividade bancária é especial pelo fato de que os bancos, além de serem mais suscetíveis a solavancos econômicos, funcionam como vetores de transmissão da política monetária e atuam como intermediários financeiros, captando, emprestando e fazendo os recursos circularem.

Conquanto os dois aspectos acima apontados – a dinâmica e a natureza regulada do setor bancário – sejam comuns ao Brasil e aos Estados Unidos da América, curioso notar que eles trilharam caminhos bem diferentes, no que diz respeito ao modelo de regulação bancária.

Não se pense, porém, que se trata de estudo comparativo. O presente artigo visa, nessa conformidade, visitar as peculiaridades do modelo regulatório adotado nos Estados Unidos, conhecido como “dual banking system”, apresentando, de forma panorâmica, sua formação e organização, e as vantagens e desvantagens a ele normalmente atribuídas[1].

A sequencia da exposição obedecerá essa mesma linha de intelecção, de modo que, inicialmente, alinharam-se os principais aspectos históricos, políticos, jurídicos, econômicos e técnicos que explicam e justificam a formação do dual banking system. Em seguida, traçou-se, de maneira ampla, o atual desenho da regulação bancária, nos EUA, ou, por outras palavras, pretendeu-se apontar quais os entes estatais responsáveis pela regulação do setor bancário e suas principais competências. Por fim, tratou-se dos prós e dos contras que são atribuídos ao sistema em referência, expondo-se as conclusões alcanças com o presente estudo.

1. FORMAÇÃO DO DUAL BANKING SYSTEM

O dual banking system, como anteriormente observado, é peculiar. Trata-se de sistema caracterizado pelo fato de as instituições financeiras captadoras de depósito terem a possibilidade de se constituírem na esfera estadual ou federal e de serem reguladas em ambas. Confira-se, por oportuno, a esclarecedora lição sobre o que se define como dual banking system: “Unlike their corporate counterparts, bankers always have a choice between state and federal charters. They make their initial choice when organizing the bank. If later dissatisfied, they can readily convert the bank to a different charter. National banks, state banks, and federal and state thrift institutions have largely the same powers, so the choice of charter is preeminently a choice of regulators. This choice of charters and regulators is commonly known as the ‘dual banking system’”[2].    

Debruçando-se sobre o tema, verifica-se que o sistema em referência não foi resultado de decisões políticas ou técnicas bem pensadas, antes se apresenta como fruto de fatores históricos de ordem política, jurídica, econômica e técnica. Vale dizer, muitas das peculiaridades do dual banking system somente são explicáveis sob a perspectiva histórica, em sua aludida dimensão multifacetada, cujo desconhecimento pode levar o estudioso menos atento a julgá-lo arbitrário.

Destarte, a escorreita compreensão do modelo em foco depende, em grande medida, do conhecimento dos aludidos elementos, não por acaso objeto dos próximos itens.

1.1. BANCO DOS ESTADOS UNIDOS

De acordo com Carnell, Macey e Miller[3], os EUA começaram a vida em uma desordem monetária e fiscal. Os pagamentos eram feitos de forma desordenada, por meio de papel moeda estadual e federal; moedas nacionais e estrangeiras; moedas emitidas por bancos. A falta de uma moeda confiável e uniforme atravancava o comércio.

A Constituição de 1787 trouxe várias disposições que pretendiam colocar ordem nas searas monetárias e fiscal. Nesse sentido, foi atribuído ao Congresso o poder de cunhar moeda e de regular seu valor. Os estados foram proibidos de cunhar moeda e o Governo Federal recebeu competência para disciplinar o comércio interestadual e internacional.

Em 1790, o Secretário do Tesouro propôs a criação de um banco nacional, inspirado no modelo do Bank of England, que, embora privado, exerceria importantes funções públicas. A proposta encontrou forte oposição no Congresso. Argumentava-se que a proposição seria inconstitucional na medida em que a Constituição não atribuía ao Congresso competência para criar bancos ou empresas. Temia-se, outrossim, que a criação desse banco pudesse ferir o direito dos estados de autorizar ou proibir bancos em seus territórios. A discussão refletia a disputa entre aqueles que temiam a concentração de poder no âmbito federal e aqueles que entendiam que somente um governo federal forte poderia levar a nação à prosperidade.

Em 1791, o presidente Thomas Jefferson sancionou a lei que criava o Banco dos Estados Unidos. Embora tenha tentado não interferir nos negócios dos bancos estaduais, o Banco dos Estados Unidos, na qualidade de banco comercial, tornou-se o maior emprestador de recursos do Governo Federal, detendo um quase monopólio dessa atividade. No que diz respeito as suas funções públicas, o Banco dos Estados Unidos passou a gerenciar o recolhimento de impostos, os gastos governamentais, o câmbio e criou uma moeda uniforme, para utilização em transações com o Governo.

O Banco dos Estados Unidos acabou tornando-se um banco central, conquanto não tivesse sido idealizado com esse objetivo, uma vez que se entendia que a competência do Congresso para cunhar moeda e fixar o seu valor criava um mecanismo de auto-ajuste que dispensaria controle monetário externo.

Em 1811, passados 20 anos da criação do Banco dos Estados Unidos, mudanças na cena política acabaram levando à sua extinção. O lobby dos estados e dos empresários sustentava que os bancos estaduais haviam crescido, espalhando-se por todo o país, de modo que poderiam fornecer ao Governo Federal os mesmos serviços prestados pelo Banco dos Estados Unidos. Por trás desse discurso, estava a idéia de que a atuação do Banco dos Estados Unidos como banco central afetava os bancos estaduais e interferia na autonomia dos estados.

Após o fim do Banco dos Estados Unidos, o setor bancário cresceu consideravelmente. O volume de negócios do setor aumentou vertiginosamente entre 1816 e 1836 e muitos bancos estaduais foram criados.

Ocorre que, com a invasão dos ingleses em 1814 e a consequente desordem instalada nas searas fiscal e financeira, o sistema bancário começou a ruir. Criaram-se condições ideais para a recriação de um banco nacional, o que viria a acontecer em 1816, quando o Congresso autorizou a recriação do Banco dos Estados Unidos por um novo período de 20 anos.

Com a economia aquecida, em razão da industrialização da nação, a demanda pelos serviços bancários só crescia, tornando o segundo Banco dos Estados Unidos maior e mais poderoso do que o primeiro. Todavia, menos de 2 anos após a recriação do Banco dos Estados Unidos, escândalos ligados à má administração e à gestão fraudulenta tornaram-no impopular e financeiramente apático. Solucionados tais problemas, o Banco dos Estados Unidos passou a atuar como verdadeiro banco central, estabilizando a moeda, protegendo os mercados de crédito e assistindo ao Tesouro em suas operações fiscais.

Apesar dessa atuação exitosa, banqueiros estaduais, especuladores e empresários passaram a enxergar o Banco dos Estados Unidos como uma ameaça aos lucros e ao crescimento econômico. Os políticos estaduais passaram a ver o Banco dos Estados Unidos como uma intromissão federal nos assuntos estaduais. Os opositores do Banco dos Estados Unidos ganharam um importante aliado com a eleição do Presidente Andrew Jackson, que acabou vetando a renovação da autorização para funcionamento do Banco dos Estados Unidos, aprovada pelo Congresso em 1832. Com isso, o Banco dos Estados Unidos foi padecendo lentamente, até que sua autorização para funcionamento expirasse em 1836.

1.2.  A ERA DO FREE BANKING

O fim do Banco dos Estados Unidos, em 1836, criou as condições favoráveis para que os empresários interessados nos lucros do segmento começassem a pressionar os estados, para criarem leis permitindo a criação de bancos independentemente de autorização legislativa.

As pressões surtiram efeito e a maioria dos estados aprovou leis permitindo que a criação de bancos estaduais se desse sem a necessidade de autorização legislativa, criando aquilo que veio a ser chamado de “Free Banking Era”.

A regulação bancária, nesse período, ficou a cargo dos Estados, que, em sua grande maioria, falharam no papel de assegurar solidez e segurança ao sistema bancário. A falta de uma moeda uniforme, haja vista que os bancos eram livres para emitir suas próprias moedas, atravancava o comércio, na medida em que, em cada transação, os comerciantes tinha que ajustar o preço em razão do valor da moeda emitida por cada banco. Os problemas acima referidos e o grande número de falências bancárias fizeram com que o Free Banking passasse a ser encarado como um sistema ineficiente.

1.3. O NATIONAL BANKING ACT

A eclosão da Guerra Civil, em 1861, viria a fragilizar ainda mais a manutenção do Free Banking. Passou-se a defender, então, a criação de um sistema bancário nacional, no qual bancos autorizados a funcionar pelo Governo Federal poderiam emitir notas bancárias lastreadas em títulos do Governo americano, resolvendo, assim, o problema da falta de uma moeda nacional uniforme.

Em 1863, o Congresso aprovou o National Currency Act, aperfeiçoado com o National Bank Act, em 1864.

A partir de então, inicia-se um novo período do setor bancário, que duraria até a edição do Federal Reserve Act, em 1913, e cujos traços principais podem ser assim resumidos: i) dual banking system; ii) unit banking; iii) segregação entre bancos comerciais e instituições de poupança.

Após a edição do National Banking Act, o Congresso aprovou, em 1865, a cobrança de uma taxa punitiva, incidente sobre as notas emitidas pelos bancos estaduais. Pensava-se que essa restrição inviabilizaria a atividade dos bancos estaduais, que acabariam se convertendo em bancos nacionais. Ocorre que o desenvolvimento do “cheque” como substituto das aludidas notas acabou impedindo que tais previsões se concretizassem. Destarte, depois de alcançar um nível baixíssimo, em 1868, o número de bancos estaduais chegou a superar, em 1914, o número de bancos nacionais, em razão das vantagens oferecidas pelos estados para a constituição de bancos, como, por exemplo, menores requerimentos de capital e menos restrições quanto ao tipo de investimento que as citadas instituições poderiam fazer.

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O sistema criado com o National Banking Act, com efeito, permitia que os bancos pudessem ser constituídos no âmbito estadual ou federal, provocando uma espécie de “competição” entre o Governo Federal e os estaduais por clientela regulatória. Nascia, assim, quase que por acidente, o dual banking system, traço típico da regulação bancária americana desde então.

Atribui-se ao National Banking Act a criação do unit banking. Entendeu-se que o aludido diploma proibia os bancos nacionais de abrirem agências pelo território nacional. Essa restrição, no entanto, não existia para os bancos estaduais, que, de uma maneira geral, estavam livres para abrir agências nos seus respectivos territórios. Poderiam, inclusive, manter suas agências, caso viessem a se tornar bancos nacionais. Apesar disso, no âmbito dos estados, também prevaleceu a estrutura do unit banking, responsável pela descentralização e pela multiplicação do número de bancos.  

O aludido sistema, cabe registrar, fundava-se na ideia de que os bancos menores teriam melhores condições de atender à população local do que os grandes bancos. Nas palavras de Carnell, Macey e Miller[4] “[t]he ideal of local autonomy became a fundamental tenet of banking policy and powerfully shaped banking politics”.

Foi também sob a égide do National Banking Act que nasceram as instituições de poupança, as savings and loan associations e os saving banks[5]. Como os bancos, até então, não atendiam adequadamente as necessidades das pessoas mais humildes, as instituições de poupança surgiram para atender a esse mercado.

1.4. O FEDERAL RESERVE ACT

Conquanto o National Banking Act tivesse trazido melhorias significativas para o sistema bancário americano, o país ainda sentia falta de um banco central que regulasse a oferta de moeda e que funcionasse como emprestador de última instância, suavizando os solavancos da economia e contendo o pânico do mercado.

A quebra da bolsa, em 1907, fez crescer o desejo de reforma de muitos banqueiros, políticos e empresários. Ao assumir a presidência, Woodrow Wilson passou a defender a necessidade de reforma monetária e bancária, cuja concretização viria a ocorrer em 1913, com a aprovação do Federal Reserve Act.

Criava-se assim o Federal Reserve System, formado por 12 bancos Federal Reserve regionais e pelo Board of Governors. Os Federal Reserve regionais, cuja propriedade pertencia aos bancos membros do Federal Reserve System, basicamente descontavam os cheques e faziam empréstimos de emergência aos bancos da região. O Board of Governors, por sua vez, se encarregava da supervisão dos bancos e detinha a palavra final em matéria de política monetária.

O Federal Reserve Act obrigava os bancos nacionais a fazerem parte do sistema, mas dava aos bancos estaduais a liberdade de optar por fazer ou não parte do sistema. Em razão das restrições regulatórias que o sistema possuía, a criação de bancos nacionais tornou-se pouco interessante para os banqueiros e a maioria dos bancos estaduais em funcionamento optou por não integrá-lo, apesar dos benefícios que tal associação traria, como, e.g., acesso aos empréstimos de emergência.

Nas duas décadas seguintes ao Federal Reserve Act, o sistema bancário foi objeto de relevantes transformações, cujos traços principais podem ser assim alinhados: i) enfraquecimento do sistema do unit banking no âmbito estadual, dando lugar a bancos com varias agências; ii) surgimento das cadeias de bancos (chain banking)[6]; iii) criação de holdings bancárias; e iv) consolidação da indústria bancária por meio da realização de fusões entre bancos.

1.5. A CRISE BANCÁRIA DE 1929-1933 E A ESTABILIZAÇÃO DO SISTEMA BANCÁRIO

A partir de 1925, passou-se a observar significativo aumento no número de falência de bancos e de instituições de poupança. Com a quebra da bolsa, em 1929, e a Grande Depressão, a situação ficou ainda pior, de modo que, em 1933, quando o Presidente Franklin D. Roosevelt assumiu o poder, o sistema bancário entrou em colapso.

Com a confiança no sistema bancário abalada, a constante oposição à reforma bancária teve que ceder, permitindo que o Congresso, em 1933, editasse o Banking Act, diploma que promoveu grandes transformações na indústria bancária, conforme passamos a demonstrar.

O Banking Act promoveu a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, pois muitos achavam que a atuação dos bancos nos mercados de títulos teria sido um dos fatores responsáveis pela crise bancária, e promoveu a criação da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), com a missão de garantir os depósitos feitos nos bancos estaduais e nacionais, no caso de falência destes.

Além disso, o diploma em referência proibiu que os bancos pagassem juros sobre os depósitos à vista e atribuiu competência ao Federal Reserve Board para regular as taxas de juros nas contas-poupança, medidas que ficaram conhecidas como “Regulation Q”.

O Banking Act, outrossim, pôs fim ao tratamento desigual que os bancos nacionais sofriam, no que se referia à possibilidade de abertura de agências dentro do território do estado em que tivessem sido constituídos. Criava-se, assim, o princípio da igualdade competitiva entre bancos nacionais e bancos estaduais nesse tema.

O Banking Act deu o primeiro passo rumo à regulação das holdings bancárias. De acordo com a disciplina da referida lei, uma empresa que controlasse um banco membro somente poderia exercer seu direito de voto nas deliberações sociais se fosse autorizado pelo Federal Reserve Board. Ocorre que, para obter essa autorização, a empresa e os outros bancos da holding teriam que dar ao Federal Reserve Board a possibilidade de analisar as relações que tivessem travado com o banco membro.

Há de se ressaltar, ainda, a grande quantidade de normas relativas às instituições de poupança que foram editadas após a Grande Depressão. Em 1932, o Congresso criou a Federal Home Loan Bank System, mimetizando a estrutura do Federal Reserve System. Em 1934, o National Housing Act criou a Federal Savings and Loan Insurance Corporation, cuja função era garantir os depósitos feitos nas instituições de poupança.

Com o fim da crise, em 1934, o setor bancário passaria por um longo período de estabilidade, que duraria até o fim da década de 1970. De acordo com Carnell, Macey e Miller[7], três foram os fatores que permitiram esse relativo período de paz no segmento bancário. Em primeiro lugar, as acomodações políticas que se seguiram à Depressão. Em segundo lugar, a depressão teria deixado os banqueiros traumatizados, levando-os a adotar uma postura de aversão ao risco. Por fim, as falências bancárias tornaram-se extremante raras.

Trata-se de período caracterizado por uma grande expansão geográfica dos bancos, tanto por meio da abertura de novas agências pelo território dos estados e, posteriormente, pelo território nacional, quanto pelo aumento do número de bancos controlados por holdings.

O aumento do número de holdings bancárias levou o Federal Reserve Board a defender que todas as holdings bancárias, inclusive aquelas cujos bancos controlados não fizessem parte do Federal Reserve System, fossem por ele reguladas. Em resposta às pressões neste sentido, em 1956, o Congresso editou o Bank Holding Company Act, dando ao FED competência para regular todas as espécies de holdings bancárias[8].

Vale referir, por fim, ao significativo crescimento das instituições poupança e das cooperativas de crédito e à profusão de normas voltadas para a proteção do consumidor de produtos e serviços bancários ocorrida no período.

1.6. DA DÉCADA DE 1980 ATÉ O DODD-FRANK WALL STREET REFORM AND CONSUMER PROTECTION ACT

 A estabilidade da era pós-depressão começou a ruir a partir da década de oitenta. De acordo com Carnell, Macey e Miller[9], o sistema bancário americano teria passado por uma verdadeira revolução, resultante da ação dos reguladores, das leis editadas no âmbito federal e estadual, das transformações ocorridas no mercado financeiro e fora dele.

Dentre as mudanças verificadas no período em referência destacam-se a eliminação da Regulation Q e das barreiras à expansão geográfica dos bancos[10], a queda do muro que separava as atividades de banco comercial e de investimento e a significativa redução das diferenças entre os diferentes tipos de instituições financeiras. Além destas, convém referir à onda de falências que abateu as instituições de poupança e os bancos, evidenciando a fragilidade da regulação a ela aplicáveis.

Em 2008, os Estados Unidos começaram a enfrentar uma das piores crises de sua história. A economia americana, e logo as economias de outros países, foi atingida por uma crise sem precedentes, iniciada com a falta de pagamento das hipotecas “subprime”, que levou à quebra de instituições financeiras e abalou a bases do sistema financeiro americano.

Como bem demonstra a história do sistema financeiro americano, as crises sempre tiveram um papel decisivo no que diz respeito à evolução da disciplina da regulação bancária. A crise de 2008 e a resposta a essa dada por meio do Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, de 2010, são mais uma prova disso[11].

De acordo com Greene[12], a lei em questão representa a maior mudança legislativa em matéria de regulação financeira desde a Grande Depressão. Considerando os limites deste trabalho, apenas serão noticiadas as principais alterações decorrentes da citada lei, no que diz respeito ao desenho regulatório do sistema bancário.

A esse propósito, deve-se dizer que o Dodd-Frank Act extinguiu[13] o Office of Thrift Supervision (OTS) e eliminou as principais vantagens que eram atribuídas à constituição de uma instituição de poupança, dando grandes incentivos para que estas se transformem em bancos.

O OTS, criado em 1989, tinha competência para regular as savings and loans associations, alguns savings banks e loan holdings que não fossem holdings bancárias. Com a extinção do OTS, suas competências regulatórias foram repartidas e atribuídas aos demais reguladores federais.

Assim, o Office of the Comptroller of the Currency (OCC) foi investido com poderes para regular as instituições de poupança federais e para promover a regulamentação de todas as instituições de poupança. Ao Federal Reserve, por sua vez, foi atribuída a competência do OTS para regular thrift holdings e suas subsidiárias que não fossem captadoras de depósitos. As competências regulatórias relativas às instituições de poupança estaduais foram transferidas para a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).

O Dodd-Frank Act instituiu o Financial Stability Oversight Council (FSOC), cujos principais objetivos são aumentar a supervisão do sistema financeiro como um todo e servir como uma espécie de alerta precoce na identificação de riscos derivados das atividades de holdings bancárias de grande porte e com elevado grau de interconexão ou de instituições financeiras não-bancárias, e também daqueles que possam surgir fora do mercado de serviços financeiros[14].

Outro órgão criado pelo Dodd-Frank Act foi o Bureau of Consumer Financial Protection, agência executiva que assumirá grande parte das funções exercidas por outros reguladores relativas às leis federais de proteção ao consumidor de serviços e produtos financeiros. Em termos gerais, tem a missão de administrar, fazer cumprir e regulamentar as leis federais que versem sobre os direitos do consumidor de serviços ou produtos financeiros.    

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Sobre o autor
Fabrício Torres Nogueira

Fabrício Torres Nogueira. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito Administrativo da Faculdade Ruy Barbosa (Grupo DeVry). Procurador do Banco Central do Brasil. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Fabrício Torres. Visitando o “dual banking system”:: panorama sobre a regulação bancária nos Estados Unidos da América. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4739, 22 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49561. Acesso em: 19 abr. 2024.

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