3 PESQUISA E ANÁLISE DE DADOS
3.1 ALTERAÇÃO ADVINDA DA DECISÃO DO STF NA ADI Nº. 4.424
Diante das divergentes decisões judiciais e posicionamentos doutrinários, o Procurador Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade onde defendia que todos os atos de violência praticados contra a mulher no âmbito familiar não seriam aplicáveis os dispositivos da Lei nº 9.099/95, ou seja, os crimes de lesão corporal independente da gravidade deveriam ser de ação pública incondicionada a representação.
Dentre seus argumentos, alegou que:
Após dez anos da aprovação da Lei nº 9.099/95, cerca de 70% dos casos que chegavam aos Juizados Especiais envolviam situações de violência doméstica contra mulheres. A lei desestimulava a mulher a processar o marido ou companheiro agressor e consequentemente reforçava a impunidade presente na cultura e na prática patriarcal (apud PGR, 2013).
Observa-se que este julgado apresenta normativa “erga omnes” imediata e decorre diretamente do § 2º do artigo 102 da Constituição Federal que assim prescreve:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...]
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (BRASIL, 1988).
Assim, mesmo que a mulher vítima de violência doméstica que ocasionou lesão corporal leve, não queira que o agressor seja processado, a ação penal do crime em estudo a partir da decisão supracitada passa a ser de ação pública incondicionada, ou seja, o representante do Ministério Público é titular da ação penal e tem legitimidade para promovê-la independente da autorização da ofendida, não podendo o juiz recusar a denúncia sob a alegação de ausência da condição da ação.
O próprio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por outras câmaras julgadoras, tem cumprido fielmente a decisão do STF, mesmo em casos em que o Relator e demais julgadores da Turma eram contrários à tese da natureza pública incondicionada da ação penal nos crimes de lesão corporal previstos na Lei Maria da Penha.
3.2 AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA
O artigo 129, inciso I da Constituição Federal dispõe que é função institucional do Ministério Público, privativamente, promover ação penal pública, na forma da lei. Caracteriza-se assim a ação penal pública incondicionada por ser a promovida pelo Ministério Público sem que esta iniciativa dependa ou se subordine a nenhuma condição, tais como as que a lei prevê para os casos de ação penal pública condicionada, tais como representação do ofendido e requisição do ministro da Justiça (BRASIL, 1988).
Na ação penal incondicionada, desde que provado um crime, tornando verossímil a acusação, o órgão do Ministério Público deverá promover a ação penal, sendo irrelevante a oposição por parte da vítima ou de qualquer outra pessoa. É a regra geral na moderna sistemática processual penal.
Quando o artigo 24 do Código de Processo Penal (1941) estatui que a ação penal seja promovida por denúncia do Ministério Público, se depreende implícito o princípio da obrigatoriedade, por não ser do arbítrio deste mover ou não a ação penal: é função institucional deste Órgão.
3.3 ATUAÇÃO POLICIAL NOS CASOS DE LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE NO ÂMBITO FAMILIAR E A PRODUÇÃO DE PROVAS
Em seus artigos 11 e 12, a Lei n° 11.340/06 elenca uma série de providências que devem ser adotadas pela autoridade policial tão logo tome conhecimento de uma hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher:
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:
I - qualificação da ofendida e do agressor;
II - nome e idade dos dependentes;
III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.
§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.
§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde (BRASIL, 2006).
Por vezes a aplicação da lei no caso concreto não é tão simples, quem dirá quando da atividade policial em que na grande maioria das vezes o agente policial se depara com as mais variadas situações, não podendo se furtar de dar uma resposta à sociedade que recorre às instituições policiais buscando segurança e também a solução de conflitos ou ao menos uma orientação de algum agente público.
Imagine-se o agente policial que em atendimento de ocorrência de violência doméstica, ao chegar ao local dos fatos, se depara com uma situação flagrancial em que a ofendida apresenta lesões corporais de natureza leve, mas por diversos motivos sejam eles, dependência financeira, medo devido ao seu histórico de agressões e ameaças, não se dispõe a noticiar a agressão sofrida, bem como não almeja que seu agressor seja responsabilizado pelo delito praticado.
Vale ressaltar que a condução da ofendida para tomada de seu depoimento sem seu consentimento, quando da lavratura do flagrante, constitui abuso de autoridade, porém, na fase do inquérito policial, a autoridade policial, poderá determinar a condução coercitiva para seu depoimento, caso, após devidamente intimada, insista em não comparecer com finalidade de instruir o referido procedimento (RIGHETTO; ANDRADE, 2012).
Percebe-se que é perfeitamente cabível a prisão do agressor, em situação de violência doméstica em que a vítima apresente lesões corporais, mas para isso, deve estar em situação de flagrante e independerá da vontade da ofendida, por força da decisão, com efeito, erga omnes da ADI nº 4.424, devendo o policial promover a junção de provas para dar subsídios para que a autoridade policial possa determinar a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante ou, diante da ausência de alguma prova, instaurar o inquérito policial para realizar a apuração do delito.
4 CONCLUSÃO
Conforme apresentado, o advento da Lei nº. 11.340/06, muito embora a lei em tela tenha sido elaborada tendo como sujeito passivo a figura da mulher, hoje, sabe-se que, na verdade e por interpretações conforme a Constituição Federal, a legislação deve ser atribuída tomando como pressuposto sempre a situação de vulnerabilidade da vítima, independentemente do sexo.
Houve a propositura da Ação direta de Inconstitucionalidade 4424 que, por sua vez, veio para colocar um fim a eventuais controvérsias sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos artigos. 12, I, 16 e 41 da lei em testilha, bem como da confirmação da não atribuição da Lei nº. 9099/95 relativa às infrações penais cometidas no ambiente doméstico e familiar contra a mulher cientificou-se facilmente os aspectos processuais relevantes frente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.424.
Com a alteração da ação penal que, hoje, independente da natureza do crime, bastando este se de competência da Lei Maria da Penha, a ação penal passou a ser pública incondicionada.
A lei Maria da Penha tem como primordial objetivo proteger a mulher, vítima de violência doméstica. Percebendo obstáculos do dia-a-dia forense, a lei criou mecanismos para facilitar a persecução criminal de eventuais agressores. A principal medida foi impedir a aplicabilidade da lei 9.099/95 (art. 41 lei 11.340/06), cujas medidas despenalizadoras beneficiavam em demasia o agressor. Muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, inclusive com posições antagônicas dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça. Foram promulgados constitucionais os artigos 1º, 33, 41 da lei Maria da Penha e decidido que a ação penal será incondicionada nos casos de violência doméstica contra a mulher.
REFERÊNCIAS
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