A dificuldade do legislador em nos libertar da cautelar propriamente dita.

Um estudo simplificado dos artigos 305 a 310 do novo CPC

10/06/2016 às 16:15

Resumo:


  • A comissão de juristas propôs unificar tutela antecipada e cautelar no novo CPC, mas o legislador acabou reintroduzindo parte específica sobre cautelares.

  • No novo CPC, os artigos 305 a 310 tratam da tutela cautelar em caráter antecedente, enquanto o artigo 300 estabelece a regra geral.

  • O novo CPC trouxe mudanças na forma de requerer a tutela cautelar antecedente, com prazos específicos e diferenciação em relação à tutela antecipada.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O legislador perdeu uma oportunidade única de se livrar de uma briga doutrinária e de erros forenses, como acontecia com a medida para exclusão do protesto, para uns cautelar e para tantos outros seria um pedido de tutela antecipada.

Ao iniciar os estudos para elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, a comissão de notáveis juristas apresentou a proposta de simplificação dos dispositivos e conceitos, unificando os temas tutela antecipada e cautelar no mesmo artigo, definido como tutela de urgência (denominação adotada pela doutrina há algum tempo e firmada pelo novo CPC).

Acontece que, em certa altura da tramitação do projeto de lei, o legislador achou por bem trazer novamente ao diploma legal parte específica sobre o tema “cautelar”, que são hoje os artigos 305 a 310 do CPC.

Não são poucos os que criticam essa postura do legislador. Por sua vez, há quem diga que a definição da cautelar ainda é necessária em nossa sociedade. Fato é que o capricho do legislador deixou alguns equívocos, como abordaremos nesse artigo.

Vale dizer, antes de aprofundarmos a questão, que os artigos 305 a 310 do novo CPC tratam da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, sendo que há a regra geral no artigo 300.

Sem a pretensão de conceituar os temas, não podemos deixar de citar que a antecipação de tutela é compreendida como a técnica direcionada a antecipar de formar provisória mediante cognição sumária a tutela jurisdicional do direito à parte visando à distribuição isonômica do ônus do tempo no processo parte da teoria da tutela cautelar[1].

Sem perdermos muito o foco do tema principal, lembramos ao leitor que a história do processo civil no direito brasileiro é bem recente, tornando-se uma ciência evidenciada pelas mãos de Liebman[2]. O Código de Processo Civil de 1973, sob essa influência, foi escrito e pensado por Buzaid[3]. Na época, por fatores históricos e doutrinários, houve a necessidade de um capítulo inteiro falando sobre cautelares. Hoje, no novo Código, há apenas uma ligeira lembrança, por exemplo, o artigo 301, que fala que “a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto e sequestro”, contudo, ao longo do CPC não temos a definição do que são os tais “arresto” e o “sequestro”. Bom, o leitor ainda afinado com o Código de Processo Civil 1973 por certo saberá. Já para os futuros juristas, que estudarão apenas o novo CPC, restará aprender o que são arresto e sequestro por meio do direito comparado.

Já adentrado a novel legislação, percebemos que tutela provisória é o livro V, sendo definido por três títulos: disposições gerais, tutela de urgência e tutela de evidência. O nosso tema, tutela cautelar em caráter antecedente, está no terceiro capítulo do título tutela de urgência. Ressalvamos que há o pedido de tutela cautelar elaborado na forma do artigo 300 e seguintes, que ocorre junto da petição inicial do processo principal, no qual a cautelar será requerida como tutela provisória de urgência, enquanto o requerimento na forma dos artigos 305 a 310 assemelha-se ao que conhecíamos como cautelar no CPC de 1973. Vamos ao estudo especifico.

O art. 305 trouxe a forma da petição inicial, que visa a prestação de tutela cautelar em caráter antecedente, devendo o autor indicar a lide e seu fundamento (que é objeto da ação principal), a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar (o tão conhecido fumus boni iuris) e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (que é o periculum in mora).

Como já dissemos, para nós não há razão para a existência da cautelar nessa forma, já que existe a regra geral do artigo 300. O legislador perdeu uma excelente oportunidade em unificar verdadeiramente os institutos da tutela cautelar e da tutela antecipada.

O que dá ainda mais força para o nosso argumento é o §1º do artigo 308 do novo CPC, que deixa uma mensagem ao jurisdicionado que ele pode se valer do pedido cautelar juntamente com o pedido principal (regra geral do artigo 300). Parece-nos que o legislador até quis unificar os conceitos e eliminar os procedimentos distintos, mas, por necessidade doutrinaria, não conseguiu.

A questão do requerimento das tutelas de urgência de forma antecedente ou incidente parece ser o tema mais intrigante desse novo CPC, questão que merece artigo próprio. Já houve, inclusive, opiniões que a expressão incidente seria na formação de um incidente quando o pedido fosse no decorrer da ação. Ledo engano. Quer dizer tão somente que o pedido será no processo principal, e não prematuramente ou pré-processual, como é o artigo 303.

Assim como é a tutela antecipada antecedente, temos a cautelar, com a ressalva que não estabiliza (dinâmica curiosa do artigo 304); pelo menos nessa parte a doutrina é uníssona.

Questão extremamente positiva é fungibilidade das demandas, disposta no parágrafo único do artigo 305. Daniel Amorim Assumpção Neves[4] ressalta que a fungibilidade não é uma via de mão única, ao passo que se é fungível a cautelar que tem cara de antecipada o contrário também é verdadeiro.

As diferenças entre a tutela antecipada e cautelar requeridas antecipadamente estão: na a estabilização, que, como já dissemos, ocorre apenas na primeira; e na contagem de prazo na hipótese de indeferimento dos pedidos de tutela cautelar e antecipada, uma vez, indeferida a cautelar, permanece o prazo de 30 dias para o pedido principal nos mesmos autos, enquanto indeferida a tutela antecipada o prazo é apenas de cinco dias para a emenda.

O aproveitamento das demandas é questão dita há muito tempo pelos doutrinadores, em especial Humberto Theodoro Jr., no qual destaca que “a melhor solução era mesmo a flexibilização do procedimento cautelar ou antecipatório, justificada com o irrespondível argumento de que questões meramente formais não podem obstar à realização de valores constitucionalmente garantidos, como é o caso da garantia de efetividade da tutela jurisdicional”[5].

A tutela cautelar antecedente parte das premissas de outrora, do CPC de 1973, pois têm dois momentos distintos, o primeiro, que busca o direito a guarnecer o processo principal, e o segundo momento que é a discussão do direito principal, acautelado pelo primeiro momento processual. Dessa forma, o prazo de cinco dias para defesa, trazido no artigo 306, é extremamente exíguo para tornar célere, pois não se discutirá o mérito da demanda, mas o direito a cautela. Por óbvio, “não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo autor presumir-se-ão aceitos pelo réu como ocorridos”[6], caso em que o juiz decidirá dentro de 5 (cinco) dias.

Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais[7].

O prazo para o pedido principal é a partir da efetivação (e não da concessão), ainda que parcial (REsp 1.115.370/SP, Min. Benedito Gonçalves).

Não obstante o dispositivo fale que não há novo recolhimento de custas, há se ponderar que a distinção do valor da causa no processo cautelar e do principal (STJ 4ª, Turma, Min. Adir Passarinho Jr. REsp 865.446).  Necessariamente o valor do objeto cautelar não é o mesmo do processo principal. Em verdade, na prática, sob a égide do CPC de 1973, normalmente não era. Inclusive, o pedido cautelar era fixado em valores módicos, para menos incidência das custas. Contudo, com a unificação dos procedimentos, acreditamos que deverá ser adotada a regra do §4º do artigo 303 CPC, no qual o valor atribuído deverá ser mesmo para os dois momentos.

O aditamento com o pedido principal pode ser formulado independentemente da efetividade da decisão cautelar. O que necessariamente o leitor deve se atentar são nas hipóteses do artigo 309, quando a tutela cautelar antecedente perde sua eficácia.

Nesse ponto fazemos um parêntese para destacar a Súmula 482 do STJ, que “a falta de ajuizamento de ação principal no prazo do art. 806 do CPC de 1973[8] acarreta a perda da eficácia da decisão liminar e a extinção do processo cautelar”. Hoje, com a unificação do processo cautelar e principal não faz mais sentido falar em extinção do feito, pois, embora a decisão que pretendia acautelar não tenha se tornado eficaz, por si só, não elimina o direito a pretensão principal[9]. Por isso, o máximo que ocorrerá é a perda da eficácia, sem causar qualquer prejuízo à parte, que poderá aditar o feito e prosseguir com pretensão principal.

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Se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento. É o que diz o parágrafo único do artigo 309 do CPC.

Após o aditamento com o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu. Conforme § 4o, não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.

Essas são as ponderações que julgamos mais relevantes sobre o tema “tutela cautelar requerida em caráter antecedente”. Como iniciamos opinando, encerramos da mesma forma. Além da nossa crença pela desnecessidade de previsão específica, como reiteradas vezes destacamos, outra questão salutar é que uma lei está no plano ideológico, podendo ou não ser plenamente eficiente à sociedade. Acreditamos, nessa linha, que o mecanismo em questão será pouco prático e, por isso, venha a ser pouco usado.


[1] MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela, da tutela cautelar à técnica antecipatória. Revista dos Tribunais. 2ª edição. 2014. Página 19.

[2] Convido o leitor a conhecer o artigo “O magistério de Enrico Tulio Liebman no Brasil”, da Professora Ada Pellegrini Grinover.

[3] Conheça Alfredo Buzaid, disponível no link abaixo, quando consultei no dia 09.06.2016, às 19h17: http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verministro.asp?periodo=stf&id=18

[4] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2016.

[5] Citados por Humberto Theodoro Jr. Curso de direito processual civil, 2016, p. 614. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 291; ASSIS, Araken de. Fungibilidade... cit., p. 55-56.

[6] Transcrição literal do artigo 307, não obstante a estranha redação do artigo, que fala em “aceitação dos fatos alegados pelo autor”, quando na verdade trata-se da mais pura revelia, com a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.

[7] Artigo 308 do CPC.

[8] Embora não conste na Súmula o ano do Código Processual, para facilitar a intelecção do leitor, acrescentamos; sem, contudo, causar prejuízo a literalidade pretendida com a transcrição da súmula.

[9] Aliás, nem pode prejudica-lo, é o que diz o art. 310: “o indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição”.

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Sobre o autor
Adriano Ialongo

Advogado sócio do escritório ialongo advocacia. Graduado na Faculdade de Direito de Santos (UniSantos). Especializado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Formado em cursos de PNL e Coaching pelo Instituto Vencer. MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. www.ialongo.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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