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Um assassinato na OAB

23/06/2016 às 10:13
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Os atentados terroristas ocorridos na década de 80 no Rio de Janeiro mostram que, mesmo na época, a extrema direita do Brasil já estava apta à barbárie.

Estava eu, no dia 27 de agosto de 1980, a trabalhar, em prédio na Avenida Chile, no Rio de Janeiro, quando tomei conhecimento de um assassinato.

Por volta das 13 horas e quarenta minutos daquele dia, uma carta-bomba explodiu na sede do prédio da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro. Foi um dia chocante.

Era uma correspondência endereçada ao então presidente nacional da entidade, Eduardo Seabra Fagundes.

Vítima daquele atentado covarde  morreu a Senhora Lyda Monteiro da Silva que, ao abrir a correspondência, fez explodir a carta-bomba.

O objetivo era, sem dúvida, interromper o processo de abertura política.   

Funcionária da Ordem dos Advogados do Brasil, onde ingressou em 1936, aos 16 anos de idade, ocupou também o cargo de Diretora do Conselho Federal da OAB, no Rio de Janeiro e em 1980 era secretária do então presidente da OAB no Rio de Janeiro, Eduardo Seabra Fagundes, quando foi vítima de um atentado à bomba na sede da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro.

É certo que sua morte foi dada como resultante de um ato de sabotagem ou terrorismo com registro na 3ª Delegacia de Policia, sob o número 0853.

No mesmo dia 27, mais duas cartas-bomba foram entregues, no Rio de Janeiro: - Uma no Gabinete do vereador Antônio Carlos de Carvalho (PMDB) - Outra na sede do Jornal Tribuna da Imprensa.

Na época, durante o governo do General João Baptista de Oliveira Figueiredo, os inquéritos foram abertos e nada foi apurado.

Há conclusões de que foi um atentado terrorista,  promovido por setor de direita, que não queria a redemocratização do país. Queriam o retorno do período do AI – 5. Esses setores exterminaram a luta armada que surgiu  no país, que tinha à frente militantes simpatizantes com causas de esquerda. Militares ligaram o fato ao atentado ao Riocentro, ocorrido meses após. A anistia completava um ano e o país preparava-se para a primeira eleição direta a governador após o AI-5, que viria a ser realizada no ano seguinte.

Em entrevista publicada, segundo o jornal O Globo datado de 12 de setembro de 1999,  o general da reserva Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações(SNI), disse que era provável o envolvimento de oficiais do Destacamento de Operações de Operações de Informações (DOI) no ato terrorista. Disse ele: “Ao contrário do Riocentro, o SNI investigou o atentado, mas infelizmente não chegamos aos culpados”.

Necessário anotar que foi feito o retrato-falado do homem que deixou a bomba  como um homem sem face. Pela descrição de testemunha, só foi feito o desenho de um homem sem rosto e que usava bigode e tinha cabelos.

O certo é que os assassinos nunca foram punidos. O único acusado,  Ronald James Watters foi absolvido por falta de provas.

Entenda-se que, na época, a OAB estava empenhada na luta pelas liberdades democráticas.

Na apuração, o nome do Ronald Watters surgiu de uma denúncia anônima. Em sua casa, a politica encontrou um papel com o nome do delegado José Armando da Costa, fato que, segundo alguns, começou a dar consistência à pista. Além disso, a agenda de Watters tinha claros sinais de que fora montada, nos dias dos atentados, para servir de álibi. Mas o fato que levou o delegado a concluir pelo envolvimento de Watters foi a descoberta de que ele e outras duas pessoas haviam respondido a um processo por tentativa de atentado a bomba, em 19 de maio de 1962, contra uma exposição da União Soviética no Pavilhão de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Até hoje não há o devido esclarecimento de ato tão abominável de modo a insistir-se que assim como seu futuro, o passado do país  é incerto.

O país tem direito de saber quem foi o mandante e quais foram os executores desse ato covarde.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um assassinato na OAB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4740, 23 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50045. Acesso em: 28 mar. 2024.

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