Introdução:
Em matéria do dia 15/02/2016, assinada pelos jornalistas Chico Marés, Euclides Lucas Garcia, Rogerio Waldrigues Galindo, Evandro Balmant e Guilherme Storck, no sitio eletrônico do Jornal Gazeta do Povo, veiculou-se matéria com o seguinte título: “TJ e MP, pagam supersalários que superam em 20% o teto previsto em lei”.
Em razão da reportagem, juízes e promotores ajuizaram em pelo menos 15 (quinze) cidades diferentes, ações indenizatórias contra os jornalistas signatários da matéria, pedindo a condenação daqueles profissionais ao pagamento de danos morais.
A intenção do presente trabalho, contudo, não é analisar o mérito da referida causa, se houve dano a ser indenizado, se o dever de informação e a liberdade jornalística eventualmente extrapolaram seus respectivos limites, ou se há certa contraposição entre o direito de informar, e o respeito à personalidade das pessoas.
A ideia é debater o Direito de Ação no caso concreto, de forma breve, estudando até que ponto a legitimidade ativa de cada suposto ofendido, subsistiria ante a veiculação de uma reportagem que, a rigor, pelo que consta do material disponível, é direcionada à classe profissional, e não a cada magistrado ou promotor individualmente considerado.
I - Do direito de ação:
Nos termos do Art. 3o do Novo Código de Processo Civil, dado extraído do texto do inciso XXXV, do artigo 5º daConstituição Federal, não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
É o que se convencionou nominar princípio da inafastabilidade da jurisdição, que tem no direito de ação e no acesso ao processo sua efetiva materialização.
Neste sentido, a Ação está umbilicada com possibilidade do cidadão, ante uma ameaça ou lesão a direito, pleitear ao Poder Judiciário abrigo quanto ao prejuízo ou cominação eventualmente ocorridas.
Para tanto, preenchidos os requisitos para o seu exercício, nos termos do artigo 17 do Código de Processo Civil, poderá o interessado ingressar em juízo para que sejam cessados os efeitos da ameaça, ou reparada a lesão questionada.
Pois bem, o que se pretende discutir neste brevíssimo ensaio, é se justamente em demandas como a noticiada, haveria interesse e legitimidade na ação ajuizada pelo ofendido em tese, de forma individual.
a) Do interesse processual:
Tem interesse na ação, aquele que algum resultado útil com o processo alcançará. Pode-se entender como resultado útil, quem de certa forma obterá situação jurídica melhorada, ainda que, a rigor, da análise da causa de pedir, discorde posteriormente o magistrado do benefício pretendido.
Indubitavelmente, tomando como parâmetro o caso concreto, o resultado útil que se pretende, no anterior, é o reconhecimento do dano ocorrido, para que o seja reparado, no consequente, de forma monetária.
Neste sentido, ainda que individualmente considerado, teria o autor interesse de agir, dado que somente por esta forma (tutela jurisdicional) poderia ter alcance ao direito que entende legítimo, visto a existência, na hipótese, de pretensão resistida por parte do Jornal.
b) Da legitimidade para a causa:
É nesse campo, contudo, que parece não ter abrigo o ajuizamento de ação autônoma em razão de dano, a priori, produzido a nível coletivo.
No caso concreto, quando da veiculação da reportagem, o que se quis foi a divulgação de informação correspondente a certa classe profissional, e não o atingimento da personalidade individualmente considerada dos seus profissionais. Não se nega a possibilidade da existência de algum sentimento de ofensa individual, mas o objeto da reportagem, pelo que se vê, não foi a notícia de dados concernentes a pessoas individualmente consideradas.
É importante frisar que nem mesmo a notícia da remuneração dos magistrados e promotores tem alguma ofensiva moral, visto os termos das normas de transparência no setor público.
Sendo assim, se o raciocínio que defende a legitimidade para a causa dos magistrados e promotores é verdadeiro, no enunciado "da mesma forma que um ladrão não entrega outro ladrão, um advogado jamais denuncia outro advogado por atos ilícitos. O ladrão por segurança, o advogado pelo seu ‘respeito’ à ética", teria o subscritor deste artigo legitimidade para exigir indenização por danos morais, visto não se enxergar como um ladrão.
Seguem ainda outros dois exemplos: em 2009, o jornalista Boris Casoy, quando da publicação da vinheta de ano novo da TV Bandeirantes, após as imagens de dois garis terem ido ao ar, sem saber que o áudio estava sendo transmitido, comentou com colegas de estúdio: "Que 'm...': dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras. O mais baixo da escala do trabalho". Além da ação de um dos garis da imagem, o comentário deflagrou uma série de ações indenizatórias, ajuizadas por outros garis que sentiram-se ofendidos com o comentário do apresentador. De todas as demandas, somente a ajuizada por um dos garis relacionados diretamente na mensagem, foi julgada procedente.
Igualmente, a Folha de São Paulo, em razão da reportagem "Universal chega aos 30 anos com império empresarial”, foi acionada por diversos membros da referida Igreja, que sentiram-se ofendidos pelos termos da matéria veiculada, o que distribuíram uma série de demandas autônomas, pleiteando indenização por danos morais. Obviamente, por se tratar de ofensa, em tese, à instituição, e não a seus membros integrantes, os processos foram extintos.
O que se vê, portanto, é que em demandas onde veiculada, em tese, ofensa de cunho classista, coletivo, supra individual, a legitimidade para a causa não pode ser atribuída a um membro individualmente considerado. Outrossim, qual o critério a ser fixado, a fim de se parametrizar a legitimidadead causam nas referidas situações? E se alguma reportagem do Rio de Janeiro, numa notícia fantasiosa, atribuísse a todos os gordos do centro da cidade, a diminuição dos estoques de comida no inverno? Alguém em sobrepeso poderia, individualmente, ajuizar uma demanda com intuito indenizatório?
Apenas entendemos como possível, em situações como tais, o ajuizamento de ações indenizatórias autônomas, caso algum dano fosse produzido por consequência da veiculação da informação jornalística, e não pela informação jornalística em si. Neste sentido, se, por exemplo, dada a divulgação que teria um promotor sido remunerado acima do teto constitucional, passasse como cidadão por algum constrangimento no condomínio em que reside, poderia, provando-se no caso concreto a existência do dano, pleiteá-lo quanto a sua indenização.
Todavia, não teria o pretenso ofendido legitimidade para a causa, visto não ter sido objeto da ofensa, destinada, por sua vez, a um elemento não individualmente considerado, quando ofendida classe, órgão, instituição, etc. Não é de se afastar do cidadão o direito à jurisdição, mas racionalizá-lo, missão do Direito Processual que, na medida em que possibilita o Poder Judiciário às pessoas em geral, exige que detenham capacidade postulatória, legitimidade e interesse.
CONCLUSÃO:
De tudo exposto, entendemos que no caso concreto, não teriam os juízes e promotores legitimidade para a causa, o que não impede a realização de eventual desagravo, no caso, por Associação Civil ou órgão de representação de classe.
Se algum dano for produzido em virtude da notícia publicada, tem cada Promotor ou Juiz direito à demanda judicial, individualizando, quantificando, e definindo a lesão em suas respectivas extensões e limites.