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Os criticados entendimentos do STJ sobre o prazo para redirecionamento em execução fiscal

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14/07/2016 às 12:38
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A prescrição para redirecionamento da execução fiscal não deveria começar a correr do despacho de citação da pessoa jurídica, pois isso contraria a teoria da actio nata, fere a regra da unicidade da prescrição tributária e afasta a natureza declaratória da decisão de redirecionamento.

INTRODUÇÃO

A Fazenda Pública deve ajuizar execução fiscal para a recuperação de seu crédito após o inadimplemento e a respectiva inscrição em dívida ativa. [1]

Citado em execução, o contribuinte terá o prazo de cinco dias para pagar ou garantir o juízo, a fim de opor embargos à execução fiscal no prazo de 30 dias. [2]

É comum que o sujeito passivo nada faça: não pague nem garanta o juízo a fim de questionar o executivo. [3] Nesse caso, a Fazenda deverá, através de sua Procuradoria, promover diligências para a satisfação do seu crédito. [4]

Várias são as opções da Fazenda Pública: requerer que o juiz bloqueie contas do sujeito passivo, através do sistema BACEN JUD; buscar bens móveis e imóveis em seus sistemas; requerer que sejam penhorados bens por intermédio de oficial de justiça, dentre outras. [5]

Sendo execução contra pessoa física e não encontrado nenhum bem, a execução está fadada ao insucesso, e deverá ser posteriormente arquivada. [6]

Por outro lado, quando a execução é contra pessoa jurídica, caberá o redirecionamento da execução fiscal para os sócios-gerentes, respeitados alguns requisitos legais que serão adiante explorados.

Um ponto controvertido no STJ diz respeito ao prazo para redirecionamento da execução fiscal.

Há reiterados entendimentos, expostos mais à frente, no sentido de que o prazo seria de 05 anos contados do despacho de citação (responsável por interromper a prescrição).

O STJ, nesses julgados, defende que existe uma responsabilidade solidária entre a pessoa jurídica e o sócio gerente e, assim, a interrupção da prescrição favoreceria a todos (art. 125, III do CTN).

Esse entendimento sofre constantes ataques, notadamente dos Procuradores da Fazenda Nacional, vez que, dentre outras razões, violaria o princípio da actio nata, segundo a qual a prescrição só começaria a correr momento em que nasce a possibilidade de ação.


1 O REDIRECIONAMENTO EM EXECUÇÃO FISCAL

O redirecionamento em execução fiscal é possível com base nas regras de responsabilidade trazidas pelo Código Tributário Nacional, com destaque para o art. 135 do respectivo código:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

O excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos responsabilizam os sócios gerentes após o redirecionamento da execução fiscal.

No âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional, a Súmula 435 do STJ é amplamente usada para fundamentar o redirecionamento:

Súmula n. 435/STJ: "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente"

Pode acontecer de a “Empresa A” estar sendo executada pela União (Fazenda Nacional) e, após o requerimento do Procurador da Fazenda Nacional sobre a expedição de mandado de penhora livre, o Oficial de Justiça constatar que a empresa não mais exerce suas atividades nos endereços a que tem acesso a Procuradoria.

Presume-se dissolvida irregularmente, fato que autoriza o redirecionamento da execução fiscal para os diretores ou sócios gerentes da respectiva pessoa jurídica. [7]

CUNHA (2014, p. 483) esclarece ainda que se na CDA já constar o nome do diretor ou do sócio gerente da pessoa jurídica, a execução fiscal já pode ser automaticamente “redirecionada”.

Por outro lado, ausente o nome do diretor ou sócio-gerente na CDA, deverá haver comprovação de dolo para possibilitar o redirecionamento, nos termos dos artigos do CTN que tratam de responsabilidade tributária.


2 A POSIÇÃO DO STJ SOBRE O PRAZO PARA REDIRECIONEMTO

O Superior Tribunal de Justiça tem repetidos entendimentos, trazidos adiante, no sentido de autorizar o redirecionamento da execução fiscal somente durante o lapso de cinco anos contados a partir do despacho de citação que interromperia a prescrição para todos.

Nesse posicionamento, leva-se em conta que existiria uma responsabilidade solidária entre o sócio gerente e a pessoa jurídica, com base no art. 125, III, do CTN, que diz que:

Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:

(...)

III - a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.

Assim, a prescrição seria interrompida a partir do despacho de citação (após LC 118/05, vez que antes era a citação que interrompia a prescrição), e a partir daí é que correria o prazo de cinco anos para redirecionamento da execução fiscal.

A propósito, colaciona-se abaixo o recente entendimento nesse sentido que, não obstante julgar caso anterior à LC 118/05, desdobra o entendimento do STJ que considera o momento da interrupção da prescrição como marco inicial para contagem do prazo de redirecionamento:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. (...) 1. Permitir que a pretensão de redirecionamento dependa de situações casuísticas conduziria, na prática, a uma quase imprescritibilidade da dívida tributária. Essa solução repugna ao ordenamento pátrio, pois traz, a reboque, a indesejável insegurança jurídica, já que o prazo prescricional dependeria de incontáveis fatos, nem sempre claros e, no mais das vezes, da apreciação subjetiva desses acontecimentos pelo Julgador. 2. O Superior Tribunal de Justiça possui o firme entendimento de que a citação da sociedade executada interrompe a prescrição em relação aos seus sócios-gerentes para fins de redirecionamento da execução fiscal, que deverá ser promovida no prazo de cinco anos, prazo esse estipulado como medida de pacificação social e segurança jurídica, com a finalidade de evitar a imprescritibilidade das dívidas fiscais. 3. (...) (STJ - AgRg no Ag: 1297255 SP 2010/0061824-5, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 19/03/2015, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/03/2015)

Outros julgados do STJ nesse sentido, que comprovam a predominância desse entendimento no Tribunal Superior:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO: INOCORRÊNCIA – TESES NÃO PREQUESTIONADAS – SÚMULA 282/STF – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO – SÓCIO-GERENTE – REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO – SÚMULA 7/STJ – FUNDAMENTO SUFICIENTE INATACADO – SÚMULA 283/STF. (...) 4. A interrupção da prescrição em desfavor da pessoa jurídica também projeta seus efeitos em relação aos responsáveis solidários. (...) (STJ   , Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 28/08/2007, T2 - SEGUNDA TURMA)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. REDIRECIONAMENTO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. (...) 2. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por suas duas Turmas de Direito Público, consolidou o entendimento de que, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição intercorrente se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1.228.125/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe de 02.02.2010). Deste modo, considerando que entre a citação da empresa e o pedido de redirecionamento da execução contra o sócio transcorreram mais de cinco anos, correto o aresto recorrido ao reconhecer a prescrição intercorrente. (...) (STJ - REsp: 1106740  , Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Publicação: DJ 22/10/2010)

Esse último julgado inclusive menciona a possibilidade de prescrição intercorrente antes do arquivamento da execução fiscal nos termos do art. 40 da Lei 6830/80, conclusão errônea na visão de MOURA (2015, p. 397):

“O prazo só começa a fluir com a decisão do juízo em determinar o arquivamento. Ora, se os autos permanecem engavetados na secretaria do juízo, que não os movimenta nem abre vistas para a Fazenda Pública, não há início da contagem do prazo de intercorrência, mas, sim, incidência da Súmula 106 do STJ. Necessário, portanto, que haja decisão expressa no sentido de determinar o arquivamento, ainda que ela ocorra em “despacho concentrado”, em que o juiz comanda o arquivamento por um ano, findo o qual os autos permanecem arquivados até que a Fazenda Pública requeira em sentido diverso”.

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MELO FILHO (2013, p. 349) resume a tese que tem destaque no Superior Tribunal de Justiça com as seguintes palavras:

“O Superior Tribunal de Justiça não tem jurisprudência consolidada sobre o tema, destacando-se, contudo, a tese segundo a qual a interrupção da prescrição na execução fiscal contra a pessoa jurídica executada também interrompe a prescrição para fins de redirecionamento contra os sócios, iniciando-se, a partir de então, novo prazo de cinco anos para eventual redirecionamento da execução contra os sócios. Então, interrompida a prescrição na execução fiscal contra a pessoa jurídica, pelo despacho que ordena a citação (...), a partir deste momento, interrupção da prescrição contra a pessoa jurídica, começaria a ser contado o prazo prescricional para a responsabilização pessoal do sócio pelos débitos em cobrança na execução”.

Desse modo, o entendimento de destaque no STJ defende que existe uma responsabilização solidária entre a pessoa jurídica e a pessoa do sócio gerente e, nesse caso, o efeito de interrupção da prescrição a partir do despacho que ordena a citação aproveitaria a todos e, assim, a Fazenda Pública teria o prazo de cinco anos, desta data, para promover o redirecionamento.

O entendimento é criticado pelos Procuradores da Fazenda Nacional, conforme será adiante exposto.


3 A POSIÇÃO DA PGFN QUANTO AO PRAZO PARA REDIRECIONAMENTO

Os Procuradores da Fazenda Nacional sustentam, com razão, que um prazo prescricional não pode começar a fluir antes de ocorrido o motivo que autorize o redirecionamento e antes da ciência da Fazenda Nacional.

Assim, a tese do STJ seria sustentável para o caso de prática de excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos que fossem anteriores à execução fiscal e, naturalmente, ao despacho de citação que interrompe a prescrição.

Os efeitos que o STJ reconhece quanto à solidariedade entre a pessoa jurídica e o sócio gerente também são alvo de críticas: os Procuradores inadmitem essa responsabilização conjunta, vez que o art. 135, III, do CTN somente fala em responsabilização posterior, decorrentes de abuso ou infração.

ARAÚJO (2011, p. 90), discorrendo sobre o prazo para o redirecionamento, explica que esse lapso só pode ser computado a partir da constatação da hipótese legal de responsabilidade tributária:

“O mesmo prazo se aplica ao redirecionamento do feito executivo nas hipóteses de responsabilidade de um terceiro. Aqui, a ação executiva foi ajuizada apenas em face do contribuinte. Em sendo demonstrada, todavia, a ocorrência da hipótese legal de responsabilidade tributária, cabe ao fisco viabilizar a cobrança do crédito do novo sujeito passivo. Assim, a partir desse momento, inicia-se novamente a contagem do prazo prescricional que estava interrompido, pois, a partir dessa constatação, a não inclusão do terceiro no polo passivo ensejará inércia e, portanto, possibilidade de extinção do crédito por prescrição.”

Assim, poder-se-ia sustentar que o prazo prescricional foi obstado, ou seja, não correria, até que surja um motivo para seu termo inicial.

Logo, o Superior Tribunal de Justiça se equivoca em dizer que o prazo prescricional para redirecionamento da execução começa a correr do despacho de citação da pessoa jurídica que interrompeu a prescrição.

A propósito, existem julgados em sentido contrário dentro do próprio STJ, mais associados à tese da PGFN[8].

Ademais, nem em prescrição intercorrente seria possível falar antes do arquivamento do executivo com base no art. 40 e parágrafos da LEF:

Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. (...)

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. (...)

 § 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

A questão talvez tenha solução com o julgamento do REsp Nº 1.201.993 – SP, em que se propaga a teoria da actio nata.

Segundo essa teoria, “a prescrição só começa a correr a partir do momento em que nasce a possibilidade de ação” (MELO FILHO, 2013, p. 352).

Assim, não caberia falar em transcurso de prazo prescricional antes do cometimento de abuso ou infração à lei e da ciência da fazenda nacional pela pessoa jurídica.

MOURA (2015, p. 411) vai além desse entendimento, sustentando que a teoria da actio nata levaria a crer que, “ultrapassados cinco anos da dissolução irregular, o crédito poderia estar prescrito para o corresponsável e, nada obstante, não estar prescrito para o devedor principal”.

Assim, para esse autor, o melhor é enxergar a prescrição tributária de maneira unidimensional, sendo que a decisão de redirecionamento seria declaratória, e não constitutiva.

Sob esse aspecto, caberia falar em responsabilização solidária do art. 125 do CTN, quando ocorre abuso ou infração pelo sócio gerente, fato que implica em automático redirecionamento (bastando, ao juiz, declará-lo posteriormente, e não constituí-lo [9]).

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Sobre o autor
Cássio Nunes de Lira Braga

Advogado. Pós-graduação em Business Law pela FGV. Ex-bolsista do DAAD. Graduação em Direito pela UEPB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Cássio Nunes Lira. Os criticados entendimentos do STJ sobre o prazo para redirecionamento em execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4761, 14 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50414. Acesso em: 19 abr. 2024.

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