Judicialização e direitos sociais.

Uma análise histórica do fortalecimento do judiciário

Leia nesta página:

Os Direitos Sociais foram objeto de constantes reivindicações ao longo do tempo. Sendo estabelecidos abstratamente pelo Poder Executivo. Poderia o Poder Judiciário atuar em prol de sua efetivação?

 

1.      Introdução

 

Em um momento anterior ao Liberalismo tinha-se como o grande poder o Legislativo, representado pelo Parlamento. Dessa maneira, tendo tal o Poder a incumbência de legislar e sendo as leis os limites impostos a todos os cidadãos comuns, havia uma consequente e inevitável valorização do Parlamento.

 Com os movimentos liberais passa-se a ter sociedades extremamente patrimonialistas, uma vez que a ascensão da burguesia determinava um padrão não intervencionista quanto às questões patrimoniais. A partir desse novo modelo de Estado, o burguês, foi estabelecido um padrão de prevalência dos interesses tão somente capitalistas, o que deu início ao descontentamento das classes mais populares.

Posteriormente, começou-se a perceber a chamada Crise do Liberalismo e um de seus grandes críticos foi Marx, no sentido de defender que o Estado tinha o dever de também atuar através de Políticas Públicas, tarefa a ser conferido precipuamente ao Poder Executivo. Verifica-se citação de Aquino (1997:233), sob tal vertente:

Até hoje a História de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a História das lutas de classe (...) A sociedade-e burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe que ora enfrentam a burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária (...)

  No México e no Brasil, houve um avanço significativo em suas Constituições de 1917 e de 1988, promovendo os direitos sociais o status de direitos fundamentais, buscando-se a efetivação de direitos como saúde, educação, previdência, dentre outros.

  Sob tal aspecto, torna-se o Poder Executivo como uma espécie de Segundo Maior Gigante, atrás do Poder Legislativo, uma vez que caberia a este a exequibilidade do Estado Social por meio de políticas públicas, concretizando o compromisso assumido pelo Constituinte e demais legisladores ordinários.

 Foi diante da falência ou má prestação de inúmeras políticas públicas no que tange à efetivação de direitos sociais dos indivíduos que surgem fenômenos os quais convencionou-se chamar Judicialização dos Direitos Sociais.

Através da Judicialização não se busca uma sobreposição do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo, porém, diante da falência do estado brasileiro na realização dos Direitos Sociais como verdadeiros mandos constitucionais surge a necessidade de o Terceiro Poder Constituindo atuar no sentido de proteger os destinatários desses direitos.

Dessa maneira, propõe-se uma análise histórica acerca dos diferentes momentos vividos pelas diferentes sociedades e que tiveram repercussão direta no Brasil.

 

2.      O Estado Liberal

     O surgimento do modelo de Estado Liberal possui origem na crise vivenciada nos últimos tempos da Idade Média, em decorrência de uma grande angústia social. Àquele tempo, os intelectuais, classe formada pelos estudiosos da época, representados em ampla maioria por membros da burguesia, começaram a se insurgir contra o modelo feudal até então em vigor. A França foi o grande palco na Europa para o início de tais reivindicações. Nas palavras de Aquino (1997:118):

  Era a França do Século XVIII o palco mais expressivo das contradições do Antigo Regime. Era lá que os limites feudais mais se chocavam com o desenvolvimento do capitalismo emergente. Tanto que, no fim do século, a burguesia, liderando camponeses e operários, lançou-se contra a nobreza e o clero e assumiu a direção do movimento revolucionário.

 

Verificava-se ali uma burguesia detentora do poderio econômico, mas que era destituída de qualquer poder político na sociedade, uma vez que se submetia à estrutura medieval cujos líderes eram representantes da alta classe clerical e pelos senhores feudais. Dessa maneira, a Revolução Francesa teria sido inevitável à reivindicação dos interesses burgueses.

Implementado o Estado Liberal, passou-se a verificar uma estrutura capitalista e não intervencionista estatal. Um dos fundamentos basilares do novo modelo era a liberdade. Dessa maneira, a classe em ascensão – a burguesa – exigia uma postura de um Estado inerte, que não atuasse no campo privado, principalmente naquilo que dizia respeito à propriedade. Como consequência, estabeleceu-se um padrão extremamente patrimonialista de direitos.

O Parlamento era o grande poder, uma vez que cabia a ele tarefa de editar leis e, assim, impor limites e sanções àqueles que agissem em desconformidade com o Direito. Ao Poder Executivo inicialmente não cabia um papel de grande relevância, enquanto ao Poder Judiciário não havia maior espaço que não fosse o de dizer o Direito. Tal atividade consistiria tão somente no dever do magistrado em declarar a lei.

Diante de uma nova estrutura de Estado, estabeleceu-se uma divisão estanque entre os Três Poderes, onde a cada um era delimitado o seu campo de atuação. Diante do gigante Poder Legislativo àquele tempo, inevitável foi a construção de um paradigma totalmente burguês, com fins de resguardar o poder econômico da classe recém ascendida, porém disfarçado de um Estado preocupado tão somente com a liberdade dos homens. Assim revela Aquino (1997:230):

 

Ao defender os direitos ou liberdades naturais dos indivíduos, a burguesia justificava sua ascensão política, paralela à socioeconômica, daí sua associação às concepções democráticas, embora haja diferenças entre Democracia e Liberalismo.

 

Por certo, apesar de pontos em comum, a Democracia e o Liberalismo foram fenômenos diversos. Inicialmente pode-se visualizar uma ideologia liberal a defender a liberdade e a igualdade entre os homens. No caso específico da França as classes pertencentes ao Primeiro e Segundo Estado, Alto Clero e Senhores Feudais, respectivamente, eram complemente inertes e sustentados com seus luxos pela classe trabalhadora que pagava altos impostos, principalmente os grandes comerciantes.

No entanto, uma vez estabelecido o Estado Burguês, verificou-se uma igualdade tão somente formal, ou seja, ter-se-ia uma Constituição a declarar a igualdade de todos os homens, porém na prática houve nada menos que uma troca das antigas classes dominantes antigas que cederam coercitivamente espaço à alta burguesia.

 

3. A crise do Liberalismo – Welfare State

  Como já analisado, a implementação de um modelo liberal permitiu que a alta burguesia ascendesse no novo cenário político, o que motivou a configuração de um Estado individualista, em razão do perfil ideológico decorrente dos movimentos burgueses.

  Consequência imediata foi o estabelecimento de um padrão patrimonialista, o que motivou uma série de regramentos legais voltados à tutela da propriedade. Tal fenômeno não se conteve apenas à França, mas serviu de exemplo ao mundo ocidental contemporâneo, inclusive o Brasil.

  Finda a Revolução Francesa nos últimos anos do Século XIX, consagrou-se em poucos anos o Código Civil francês, de perfil individualista. Conhecido também como Código Napoleônico, sua influência ultrapassou o Oceano e foi determinante na influência do Código Civil Brasileiro de 1916.

Não foram poucas as críticas ao Estado Liberal. Karl Marx, idealizador de um socialismo científico, criticou arduamente o estado burguês, com críticas ao capitalismo e exigências de implementação de Políticas Sociais. As pressões sociais exigindo um modelo de direitos sociais surgiram pelo mundo, o que culminaria na derrocada do modelo liberal tradicional.

            Assim surge no cenário de inúmeros países, cada um a seu tempo, do chamado Welfare State, cujo marco fora a intervenção legislativa no sentido de determinar a atuação estatal no âmbito da política social, o que envolveria áreas como a saúde, a educação, a previdência, dentre outras. A partir daí o Estado passaria a assumir responsabilidades até então inexistentes, uma vez que sua atuação se daria de forma mais ativa no que diz respeito aos chamados direitos sociais.

            Nesse sentido, manifesta-se Cappelletti:

 

Constitui-se um dado da realidade que a legislação social ou de Welfare conduz inevitavelmente o estado a superar os limites das funções tradicionais de “proteção” e “repressão”. O papel do governo não pode mais se limitar a ser o de um “gendarme” ou “night watchman”; ao contrário, o estado social – o “État providence”, como o chamam, expressivamente, os franceses – deve fazer sua técnica de controle social que os cientistas políticos chamam de promocional. Tal técnica consiste em prescrever programas de desenvolvimentos futuros, promovendo-lhes a execução gradual, ao invés de simplesmente escolher, como é típico da legislação clássica, entre “certo” e “errado”, ou seja, entre o caso “justo” e o “injusto, right and wrong. (1999, p. 41)

 

            Assim sendo, ter-se-ia, a partir do modelo supracitado, um estado social, característico dos Estados Modernos do início do Século XX, principalmente, quando ocorre a constitucionalização de inúmeros desses direitos. Acerca do tema, expõe Garcia (2015, p. 116):

 

(...) foram proclamados os direitos sociais, expressando o amadurecimento das novas exigências como as de bem-estar e igualdade material (liberdade por meio do Estado). Durante a Revolução Industrial tomaram proporção os direitos de segunda dimensão, que são os direitos sociais, refletindo a busca do trabalhador por condições dignas de trabalho, remuneração adequada, educação e assistência social em casa de invalidez ou velhice, garantindo o amparo estatal à parte mais fraca da sociedade.

 

            Marco importante para toda a América Latina foi a Constituição Mexicana de 1917 que, conforme Garcia (2015, p. 145), foi a primeira Constituição efetivamente social. Àquele tempo o constituinte mexicano teria conferido, pela primeira vez, o tratamento dos Direitos Sociais o status de Direitos Fundamentais.

            Em sede internacional e com grande influência em grande parte dos países do globo foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948 e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 1966.

            No Brasil, os Direitos Sociais também receberam tratamento de Direitos Fundamentais na Constituição da República de 1988, devendo sua observância se dar de forma imediata, conforme se extrai do art. 5º, §1º.  Uma das grandes vertentes da Carta Magna Brasileira é conferir, através dos chamados Direitos Sociais, uma igualdade não apenas formal, mas sim material.

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            Acerca da necessidade dos direitos sociais em determinado Estado, explicita Celso Barroso Leite:

 

A proteção social se preocupa sobretudo com os problemas individuais de natureza social, assim entendidos aqueles que, não solucionados, têm reflexos diretos sobre os demais indivíduos e, em última análise sobre a sociedade. A sociedade então, por intermédio de seu agente natural, o Estado, se antecipa a esses problemas, adotando para resolvê-los principalmente medidas de proteção social

 

            A tarefa de resguardar direitos sociais a determinados grupos da sociedade permite que indivíduos de classes menos favorecidas tenham as mesmas oportunidades que indivíduos mais abastados da sociedade. Tal fato tem por consequência, além de oferecer maiores oportunidades de que pessoas mais pobres gozarem de saúde, educação e previdência etc., uma vida mais digna e feliz. Pensar de maneira diversa é razão para que se remonte ao estado burguês pós- revolução francesa no final do Século XVIII.

Observe-se que a função de executar os ideais programáticos de tutela dos direitos sociais passou às mãos do Poder Executivo, o que, segundo Cappelletti fez com que surgissem dois gigantes no estado: o Poder Legislativo e a Administração Pública. Foi com o surgimento de uma posterior justiça administrativa que o papel do Judiciário passa a ganhar maior relevo em decorrência de seus precedentes relacionados às atividades do Executivo. (CAPPELLETTI, 1999, p.46).

            Em decorrência dessa forma de atuação mais ampla, passa o Judiciário a ampliar sua atuação e finalmente se destacar como um Terceiro Poder. Sua atividade foi se tornando cada vez mais incisiva, em especial como Poder de atuação e de controle dos demais. Acerca dos limites do controle judicial, manifesta-se Badin (2013, p.70):

 

(...) parece haver um consenso na doutrina moderna de que deve haver um controle amplo da jurisdição, que seriam elementos integrantes da legalidade e não da discricionariedade e mérito. (...)discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, e a Administração deve agir sempre voltada a concretizar não a sua, mas a vontade da lei e o “bem comum”.

 

            Não se trata de tese defensiva a de conferir superpoderes ao Poder Judiciário, mas sim trazê-lo como Terceiro Poder basilar de um Estado de Direito, assemelhando-se ao padrão norte-americano de Freios e Contrapesos, onde se verifica uma atuação dos Poderes como agentes a exercerem controle entre si.

 

4.      O Crescimento da Influência do papel dos juízes no mundo contemporâneo

 

            Até então, seguindo um perfil montesquiano, até o final do Século XX tinha-se a atividade jurisdicional como tão somente como algo mecânico, onde os juízes teriam uma   postura estática e nada criativa. Não cabia àquele tempo aos magistrados criarem soluções, mas apenas aplicar o que a norma inserida na letra fria da lei estaria a determinar. Sob este prisma ter-se-ia julgadores mais conservadores e atuando sempre em respeito às leis.

            Foi sob tal contexto que surge o que se denominou Revolta contra o Formalismo, pois nos dias atuais não se poderia mais conceber um Poder Judiciário estático, sem qualquer criatividade em suas decisões. Por obvio, tendo cada país suas peculiaridades quanto à estrutura de seu Estado, tal fenômeno manifestar-se-ia de forma diversa.

            Nesse sentido, Cappelletti traz como exemplos os Estados Unidos, ordenamento baseado em Common Law, como tendo ocorrido a supracitada revolta de forma mais suave, enquanto na França e outros países de Civil Law insurgiu-se movimentos contrários de forma mais contundente, em razão do positivismo jurídico.

            Portanto, as diferentes consequências na quebra do formalismo estavam baseadas na estrutura de cada Estado Nacional. A título de esclarecimento, o perfil norte-americano estava pautado no conhecido sistema de Check and Balances, no qual já existe um comportamento mais ativo do Judiciário.

De forma diversa, o modelo herdado no Brasil e baseado na estrutura da Revolução Francesa defendia a divisão dos Três Poderes de forma bem rígida, tendo como um de seus defensores Jean Jaques Rousseau, iluminista que muito contribui nos ideais defendidos pela Revolta da Burguesia na França no final do Século XVIII.

            Dessa maneira, magistrados, como integrantes de um dos três poderes basilares da sociedade brasileira passariam a atuar de forma mais ativa em prol do resguardo dos direitos sociais inseridos em Políticas Públicas. O marco que teria legitimado a modificação na postura de tais juízes teria por base a surgimento de uma legislação dita social sem prejuízo da legislação tradicional.           

            Por tais razões, deixa-se de ver o juiz como um mero declarante de leis, mas como agente de valorações e ponderações diante de casos concretos a ele apresentados utilizando-se, inclusive, da interdisciplinaridade ao invocar aspectos históricos, sociológicos e, até mesmo, econômicos em suas decisões.

            Observe-se que, a partir de um estado com normas voltadas a garantir diversos direitos sociais, há o direito não apenas do cidadão, mas também o direito de análise pelo Judiciário, quando provocado, analisar a ausência ou má prestação dos deveres do Poder Executivo em implementar tais garantias, uma vez que, a partir da tutela legislativa, surge o direito dos indivíduos pleitearem a efetividade destes direitos.

            Certamente que, diante de diretrizes gerais estabelecidas pelo legislador, haverá discricionariedade no que tange ao planejamento de implementação dos chamados direitos ditos sociais. Dessa maneira, exige-se uma organização constante da Administração Pública no sentido de resguardar subsídios mínimos na realização de seus projetos sociais decorrentes de normas programáticas. 

            Indiscutível a legitimidade dos indivíduos em buscar junto ao Judiciário a tutela de direitos básicos à sua dignidade, tal como se verifica nos direitos à saúde e previdência a título de exemplo. Uma vez criados tais direitos pelo estado legislador e, em seguida, serem os mesmos realizados por meio de políticas públicas pelo estado administrador, cria-se uma inevitável expectativa daqueles não assistidos. 

            Em razão da proteção ineficiente do Administração Pública, tem-se o chamado judicialismo, como destino inevitável nos dias atuais diante do perfil que o Poder Judiciário assumira nas últimas décadas no Brasil. Sobre o surgimento de novas configurações contemporâneas explica Valle (2012:94):

 

A Teoria Constitucional tem se caracterizado por uma recepção tradicional do princípio da separação de poderes. Dois fatores projetam-se no sentido de superar um tratamento rígido e interpretativo equivocado a respeito do balizamento teórico de pensadores políticos como Locke e Montesquieu. Vitor Nunes Leal lembra que esses pensadores não definiram, adequadamente, esse princípio conformador do Poder Político. De um lado, as próprias crises do Estado e da função legislativa e os novos formatos de controle de constitucionalidade no século passado têm impulsionado uma perspectiva institucional mais flexível por parte da teoria constitucional. De outro, as novas interpretações formuladas pela Teoria políticas propiciaram leituras mais condizentes com as linhas de pensamento dos Séculos XVII e XVIII.

 

            Por certo que na atualidade não se pode mais conceber os Três Poderes como estanques nas atividades a eles ínsitas. Faz-se necessário compreender que o Estado é uno e existe em função dos indivíduos. Tem-se assim a estrutura tripartida de poder apenas como uma estrutura organizacional, em que a cada poder é conferida uma atuação preponderante.

            Sob tal aspecto, ao poder jurisdicional não se pode mais admitir tão somente o dever de ser a boca da lei, expressão montesquiana. A atuação legiferante do Judiciário é inconteste ao regulamentar sua estrutura interna, bem como seu caráter administrativo quando cuida de questões internas envolvendo seus membros, hipóteses em que os Tribunais, de fato, exercem funções consideradas atípicas.

No entanto, compreendendo-se o papel do estado como único a tutelar os interesses dos indivíduos consegue-se visualizar o caráter fiscalizador e protetivo do Judiciário no que diz respeito a direitos elementares quando violados. A função primordial de um Estado é a organizacional e de busca de paz social aos seus membros. Sob tal ótica a Divisão em Três Poderes serve como forma de balizar a atuação de cada um deles, evitando a concentração nas mãos de apenas um deles e uma consequente opressão sobre o povo.

            Certamente que a atividade dos magistrados, homens que são, não poderia desvincular-se totalmente de um caráter interpretativo quando da julgamento dos casos a eles levados. No entanto, é importante salientar que a discricionariedade concedida pelo estado a tais profissionais não pode se confundir com arbitrariedades, uma vez que o Poder Judiciário tem seu serviço voltado para os jurisdicionado e não para fazer prevalecer seus interesses pessoais.

            Salienta-se assim que a efetivação dos direitos sociais perpassa por fases distintas, mas todas voltadas ao mesmo fim. Assim sendo, após a atuação do legislador em estabelecer diretrizes gerais acerca de determinados direitos sociais caberá ao estado administrador estabelecer políticas públicas no intuito de dar forma às normas genéricas inseridas nas diferentes leis.

            Passada tal fase dos Poderes Legislativo e Executivo a atuação do Poder Judiciário será admitida apenas se houver situação de ausência ou má implementação das políticas públicas, cuja incumbência pertence ao administrador. Diante de eventual provocação de algum jurisdicionado não caberá ao Judiciário atuar despoticamente no sentido de fazer as vezes do administrador, mas sim verificar a tese a ele apresentada e, caso provada a ineficiência do Estado, determinar o seu cumprimento.

            Verificar-se-ia arbitrariedade a partir do momento em que o Judiciário interviesse na forma pela qual direitos sociais deveriam ser implementados. Tal ideia não se pode conceber como legítima, por agredir a harmonia estatal determinada constitucionalmente no art. 2º da Carta Magna de 1988. O que se busca defender consiste no poder-dever do magistrado quando da tutela das regras fundamentais elaboradas pelo constituinte ou demais legisladores.

            Contudo, há vozes na dogmática nacional no sentido de entender por inadmissível a atuação do Judiciário em situações em que se verifiquem ameaças aos Direitos Sociais, uma vez que a interpretação no sentido de tais normas terem eficácia imediata estaria equivocada. Assim defende Di Pietro (2015:834):

 

A atuação do Judiciário não pode significar invasão na esfera de atribuições dos outros poderes. Se existe lei ou ato normativo baixado pelos órgãos legitimados para esse fim, o direito pode ser garantido judicialmente. Se existe omissão de lei ou de outro tipo de norma regulamentadora, o Judiciário só pode apreciá-la diante dos instrumentos previstos na Constituição para esse fim: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção.

 

            Ousa-se aqui discordar do posicionamento supracitado, uma vez que sob este raciocínio a eficácia imediata dos direitos e garantias fundamentais não abrangeriam os direitos sociais. Para os defensores desta tese, o art. 5º,§1º que tutela a imediata aplicação dos direitos fundamentais, por questão topográfica, não se aplicaria aos direitos sociais.

Conclui-se assim não merecer prosperar tal argumento, uma vez que a Constituição Brasileira possui vertente social, tendo surgido sob um contexto de reivindicações de grupos vitimados pela estrutura do estado liberal até então vigente e tornando-se signatário de Tratados Internacionais voltados a tutela dos Direitos Sociais.

Ressalte-se que naquilo que se refere à ausência de políticas públicas, tal situação pode ser constatada quando a Administração Pública sequer formula ou estrutura um plano básico de implementação dos direitos sociais. Da mesma maneira que já exposto, o Judiciário atuaria em respeito às normas previamente estabelecidas, não atuando como legislador, mas como agente controlador de garantias fundamentais dos homens.  Sob tal contesto, manifesta-se Garcia, p. 114:

 

Os direitos de segunda dimensão possuem como marca a exigência de intervenção estatal, de forma a garantir determinados direitos mesmo aos que não possuem condições de consegui-los por si só. Se todas as pessoas possuem direito à educação, à saúde, ao lazer, entre outros, estes devem ser garantidos, mesmo que não possuam condições de pagar por eles. Neste contexto entra o Estado com o dever de equiparar as pessoas em direitos o máximo possível.

 

            Pelo exposto, diante das Novas Dimensões surgidas ao longo do Século XX, em especial, a segunda, esta garantidora dos direitos sociais, faz-se necessária uma releitura dos Poderes Constituídos pela Carta Maior Brasileira. Sendo o Estado uno, estrategicamente dividido em setores, a função primordial de cada um deles deverá ter por prioridade o povo, sob pena de controle por parte dos demais em sua atuação desvirtuada de sua finalidade.

 

      

5. Conclusão

Diante do exposto, buscou-se demonstrar de forma objetiva o evoluir de um Estado Liberal patrimonialista ao extremo até sua crise para dar espaço ao surgimento do chamado Welfare State, que traria ao mundo contemporâneo uma maior preocupação com os chamados direitos sociais.

Em diversos países do mundo, e não fora diferente no Brasil, tais direitos foram promovidos ao status de Direitos Fundamentais, normas de Direitos Humanos constitucionalizadas inseridas no texto constitucional.

 Se ao constituinte e ao legislador coube a tarefa de estabelecer previsões acerca desses direitos, ao Poder Executivo restou a missão de implementação de tais direitos na sociedade. Assim sendo, a Administração Pública surge como poder a viabilizar o usufruto dos direitos sociais através das chamadas políticas públicas.

Ocorre que, na atualidade, o modelo de concretização dos direitos sociais vem se apresentando fracassado: ou em razão da má administração do Poder Executivo, ou mesmo pela inércia total do mesmo no sentido de sequer envidar esforços visando assegurar tais direitos aos indivíduos.

 Diante de tal quadro, faz-se necessário uma nova análise acerca dos Poderes Constituídos pelo Estado Brasileiro, no sentido de que todos estejam harmonizados e, acima de tudo, atuando como agente controlador dos demais no sentido de efetivar os Direitos Sociais assegurados pela Carta Maior de 1988.

 Consequência disso, o fenômeno da judicialização dos Direitos Sociais descortinou a ineficácia do Poder Executivo na execução de políticas públicas visando o mínimo existencial aos indivíduos através de garantias dos direitos mais básicos à sociedade, surgindo o Poder Judiciário como protagonista da segurança social que se exige do administrador.

 Posto isto, não se trata aqui em defender a tese do Poder Judiciário atuar em esfera estranha ao seu papel primordial, mas sim de estabelecer um sistema de controle entre os Três Poderes a fim de que o principal destinatário do Estado como um todo – o indivíduo – tenha instrumentos minimamente dignos a exercer a sua civilidade dentro da sociedade brasileira.

 

Referências Bibliográficas

 

AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das Sociedades: Das Sociedades Modernas às Sociedades Atuais. Editora Ao Livro Técnico. 36 ed. 1997. Rio de Janeiro.

 

BADIN, Arthur Sanchez. Controle Judicial das Políticas Públicas. Editora Malheiros. 1 ed. 2013. São Paulo.

 

CAPPELLETTI, M. Juízes Legisladores. Editora Sérgio Antônio Fabris, 1999. Porto Alegre.

 

DI PIETRO, Mria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Atlas. 27 ed. 2014. São Paulo.

 

GARCIA, Bruna Pinotti; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. Editora Jus Podium. 2 ed. 2015. Salvador.

 

LEITE, Celso Barroso. A proteção Social no Brasil. São Paulo: LTR, 1972. 120 p.
__________________. Filantropia e Contribuição Social. São Paulo: LTR, 1998. 136 p.

 

VALLE, Vanice Regina Lírio do (org). Ativismo judicial e o Supremo Tribunal Federal. Editora Juruá. 2012. Curitiba

 

 

 

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Sobre o autor
Anna Carolina Moraes Ribeiro Maia

Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Petrópolis - UCPPós-graduada em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJPós-graduada em Processo Civil e Civil pela Universidade Estácio de Sá - UNESAAdvogada e Professora

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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