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Odebrecht (pai) reconhece culpa. A insensatez da educação e da cultura na nação sem freios

26/09/2016 às 15:28
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Emílio Odebrecht está pedindo desculpas pelo comportamento criminoso e deplorável da sua empresa. A família Odebrecht ocupa lugar notável no clube da kleptocracia, sendo representante no sodalício das podres e carcomidas elites econômicas nacionais. É dona de uma fortuna incalculável, mas grande parte foi conquistada por meio da corrupção e de vários outros crimes.

Emílio Odebrecht está pedindo desculpas pelo comportamento criminoso e deplorável da sua empresa. É virtude reconhecer a falta de virtudes (leia-se: a sem-vergonhice) na conquista do poder e da riqueza. Mas é preciso sublinhar que ele mesmo foi um grande corruptor: admitia o pagamento de propinas para a prosperidade dos seus negócios (para o ex-ministro Magri e tantas outras pessoas – ver P. H. Pedreira Campos, Estranhas catedrais). Essa é uma forma insensata de deseducar a nação e os filhos.

Sua nova postura é relevante para a reconstrução do Brasil, que está carente de um pacto civilizatório (depois do reset geral da Lava Jato e congêneres). Se as empresas firmemente se unirem e não aceitarem nem propuserem o jogo corrompido aos políticos, eles terão que baratear suas campanhas, sob rigoroso controle jurídico, e, com isso, todo o país ganha (mais escolas, mais hospitais, mais segurança e mais Justiça). O próprio empreendedor ganha, quando ele sabe que está jogando um jogo limpo.

A família Odebrecht ocupa lugar notável no clube da kleptocracia, sendo representante no sodalício das podres e carcomidas elites econômicas nacionais. É dona de uma fortuna incalculável, mas grande parte foi conquistada por meio da corrupção e de vários outros crimes, praticados em conjunto com as oligarquias políticas, que se tornaram kleptodependentes das suas benesses delitivas.

O filho, Marcelo Odebrecht, preso há mais de um ano na Lava Jato, está agora admitindo tais crimes, como o superfaturamento de obras (17%, talvez, como apurou o TCU) para irrigar os bolsos de muitos políticos, assim como os cofres dos arquicorruptos partidos tradicionais.

O alemão Sebastian Brant (A nau dos insensatos) no final da Idade Média dizia: “Quem negligencia os filhos [ou quem os deseduca para a criminalidade] e não cuida dos freios, muito há de sofrer no final.”. Os jovens e as crianças de um país não podem ser “um rebanho sem pastor”. As insolências não podem ficar sem admoestação.

Em todas as idades eles sempre aprendem (o certo ou o errado, tudo depende da educação e dos freios impostos). Ninguém, nem as pessoas nem as empresas, nem as elites nem as oligarquias, ninguém pode crescer sem limites e sem freios inibitórios. A Lava Jato, nesse sentido, enquanto dentro da lei, tem cumprido função pedagógica.

Perguntaram certa vez ao 2º presidente dos EUA (John Adams) se a democracia era melhor que a aristocracia e a monarquia. Sua resposta: “É inútil afirmar que a democracia é menos vã, menos orgulhosa, menos egoísta, menos ambiciosa ou menos avara que a aristocracia e a monarquia (…) Essas paixões são as mesmas em todos os homens [humanos], sob todas as formas de governo, e, quando infrenes, produzem os mesmos efeitos de fraude, violência e crueldade.” (em Micklethwait e Wooldridge, A quarta revolução, p. 239).

A nação (por decisão das suas elites/oligarquias políticas e econômicas), assim como os pais que descuidam da boa educação de todos os jovens, adolescentes e crianças, é insensata e cega (S. Brant, A nau dos insensatos, p. 37). Educar é muito mais que escolarizar. O comportamento dos pais, a cultura do país, os meios de comunicação: tudo educa (ou deseduca). Nada passa despercebido para as crianças e jovens. Mais: eles aprendem tudo com muita facilidade. Se o que é ensinado é o crime, rapidamente se convertem em criminosos (teoria da associação diferencial de Edwin Sutherland). Quando se ensina a virtude, prontamente tendem a ser virtuosos.

“A panela nova fica impregnada com o gosto e o odor da comida; um galho novo pode ser vergado e moldado.” (Brant, citado). Se os pais e a nação ensinam aos filhos que a escravidão é a forma de se enriquecer, assim eles crescerão. E foi assim que nasceu a kleptocracia brasileira (em 1822), depois de três séculos de kleptocracia portuguesa. Depois da escravidão, as elites/oligarquias ensinaram que a corrupção é o caminho do enriquecimento. Mais: que a ignorância da maior parte da população faz parte do sistema kleptocrata. A escravidão, a corrupção e a ignorância enriquecem os donos do poder, não a nação.

Sebastian Brant (A nau dos insensatos) ainda advertia: “O freio imposto com justiça não produz gritos de desespero; sem freios não há aprendizado; cresce o mal que não é extirpado; os pais de hoje, cegos pela avareza, escolhem mestres que fazem seus filhos de bobos, de modo que estes voltam para casa ainda mais palermas do que eram quando dela saíram; não causa assombro que um néscio tenha filhos néscios; há insensatez em acumular riquezas e não cuidar dos filhos, posto que é para eles que a riqueza vai; é comum o lamento dos pais (e o arrependimento) por haver criado inutilmente um espantalho; o princípio, o meio e o fim da honra são construídos pelo bom ensinamento; nada é duradouro e imortal como o bom ensinamento; certa vez Górgias perguntou se o grande senhor da Pérsia era feliz, ao que Sócrates respondeu: ‘Não sei se ele já aprendeu os deveres da virtude’; o poder e a riqueza ficam sem brilho quando não acompanhados da doutrina da virtude.”. Um país em crise econômica lamenta a falta de dinheiro. Mas a falta de boa educação para todos é mal maior (porque não é pela ignorância que se descobre a saída da crise).

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Odebrecht (pai) reconhece culpa. A insensatez da educação e da cultura na nação sem freios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4835, 26 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50475. Acesso em: 26 dez. 2024.

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