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Governança de organizações públicas

17/07/2016 às 12:32
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Pela adoção de um modelo que elege os ocupantes de funções de confiança e de cargos comissionados exclusivamente da organização pública, baseado em um processo seletivo objetivo que privilegie a meritocracia, troca-se o líder arrivista pelo realista, o alienado pelo mais preparado.

No âmbito das organizações públicas existem as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo (art. 37, V, da Constituição Federal) e os cargos em comissão, os quais podem ser preenchidos por servidores que já detenham cargos efetivos de carreira, de acordo com percentuais estabelecidos na respectiva lei de criação (art. 37, II e V, da Constituição Federal). Significa pois, que os cargos em comissão devem ser ocupados por um percentual mínimo legal de servidores de carreira, podendo-se preencher as vagas restantes por pessoas sem vínculo definitivo com a administração.

Ambos os cargos devem ser criados por lei e se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento na administração pública e são respectivamente preenchidos ou exercidos mediante livre nomeação pela autoridade competente, na contrapartida das respectivas livres exoneração e dispensa, a qualquer tempo (ad nutum), seja a pedido, seja de ofício, pela mesma autoridade que nomeou.

Funções de confiança e cargos em comissão, ao lado de servidores e empregados públicos, integram o capital humano de toda organização pública, constituindo o seu principal ativo. É ele (o capital humano) que detém o conhecimento institucional e determina a qualidade dos serviços prestados.

Algumas organizações públicas não executam processo formal sucessório, baseado em competências internas, conhecimento, cultura orientada para resultados, gestão de talentos e transparência para selecionar seus gestores.

O modelo de recrutamento de cargos de livre provimento de natureza gerencial, selecionados, exclusivamente, da organização pública, em perfis de competências essenciais tais como qualificação técnica, experiência, comprometimento, habilidade para motivar, integridade, disposição para compartilhar e iniciativa, afirmam a boa governança, desenvolve e retém profissionais com as competências desejadas, cria um esforço laborativo para a melhor alocação de lideranças e induz melhorias à produção de resultados para a sociedade.

O TCU[1] realizou mapeamento de riscos na contratação de funções de confiança e de cargos em comissão. De acordo com a Corte de Contas federal, enquanto o Poder Legislativo tem 97% de servidores sem vínculo com a administração pública, o Judiciário e o Executivo têm a maioria dos cargos ocupados por servidores do próprio quadro. O TCU identificou e avaliou os riscos relativos à escolha e à investidura em funções de confiança e cargos em comissão no âmbito da administração pública federal. A auditoria realizada também objetivou obter informações sobre quantitativos, atribuições, requisitos de acesso e outros dados relevantes relacionados a esses cargos/funções.

Foi realizada amostra em 278 unidades jurisdicionadas, nas quais 25% dos servidores são ocupantes de funções de confiança e 5% ocupam cargos em comissão. Quando foi realizada a análise por poder, observou-se que o Poderes Legislativo e Judiciário, assim como o Ministério Público da União (MPU), possuem, respectivamente, 79%, 56% e 44% de servidores ocupando funções de confiança e cargos em comissão, valores superiores à média geral, que é de 31%, e à média do Poder Executivo, de 26%.

Em relação à origem do vínculo de pessoas com cargos em comissão, 60% dessas funções são ocupadas por servidores efetivos, enquanto os demais são ocupados por pessoas sem vínculo com a administração. Quando esta análise é feita por poder, o Legislativo tem 97% de servidores sem vínculo com a administração e o Judiciário e o Executivo têm a maioria dos  cargos em comissão ocupados por servidores do próprio quadro, nos percentuais de 83% e 64%, respectivamente.

Dos R$ 9,68 bilhões gastos mensalmente com os servidores ativos das 278 organizações, R$ 3,47 bilhões, ou 36%, são gastos com os servidores comissionados ocupantes funções de confiança e cargos em comissão, sendo 7% para os titulares de cargos em comissão e 29% para ocupantes de funções de confiança.

Também foram observadas discrepâncias entre os 30 ministérios participantes, das 278 organizações verificadas. A título de exemplo, o Ministério das Cidades possui percentual de funções de confiança e cargos em comissão de 40%, menos da metade do observado no Ministério da Pesca e Aquicultura, de 85%.

A auditoria também avaliou os riscos inerentes aos processos de escolha e indicação de ocupantes dos cargos comissionados, entre os quais investidura em funções de confiança e cargos em comissão de pessoa que não possui os requisitos e as competências necessários e conflito entre interesses públicos e privados das pessoas com essas funções. Também foram observados casos de funções de confiança e cargos em comissão de pessoa enquadrada nas hipóteses de nepotismo ou com impedimentos legais e existência de comissionados cujas atribuições não são de direção, chefia ou assessoramento.

Uma das dificuldades que levam ao risco de investidura em funções de confiança e cargos em comissão de pessoa enquadrada nas hipóteses de nepotismo refere-se aos normativos que regem a proibição de tal prática. Na avaliação do TCU, essas normas são de difícil implementação, em face tanto da dependência de declaração própria daquele que incide na proibição, quanto da apresentação de eventual denúncia.

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O TCU constatou que, em regra, estruturas mais enxutas, com menor quantidade de servidores alocados em cargos de chefia, direção e assessoramento tendem a ser menos burocráticas e mais efetivas, além de possuírem um custo menor. Não foi afastada, no entanto, a interferência de outros fatores que interferem na produtividade com custo menor, como, por exemplo, gestão mais eficiente e adoção de processos de trabalho menos redundantes. Apesar disso, esses aspectos não foram analisados no trabalho atual.

Exemplo da diferença de produtividade foi observado entre dois Tribunais Regionais do Trabalho (TRT). O TRT-20 possui 37 magistrados e baixou de seu estoque, no ano de 2014, 34.320 processos. Já o TRT-22, que possui 38 magistrados, baixou 42.380 processos no mesmo período. No TRT-20, que tem percentual de comissionados de 60%, a produtividade de cada magistrado foi de 928 processos no ano. No TRT-22, que tem 38% de comissionados, essa produtividade foi de 1.115 processos. Em julho de 2015, o gasto total de pessoal do TRT-22 foi de R$ 5,45 milhões, contra R$ 6,79 milhões do TRT-20. 

Note-se, diante dos dados coletados pelo TCU, órgão de controle externo, que é imprescindível a busca incessante de um ideal de profissionalização da administração pública, descomprometida de acomodações partidárias e de escolhas baseadas em reciprocidade, amizade ou de relações de parentesco. 

O preenchimento de funções e cargos por meio dessas acomodações compromete a segurança jurídica, cria lideranças vocacionadas a agirem com o raciocínio meramente político e o costume de amarrarem-se a políticos para preencherem quadros na administração pública. Com efeito, pela adoção de um modelo que elege os ocupantes de funções de confiança e de cargos comissionados exclusivamente da organização pública, baseado em um processo seletivo objetivo que privilegie a meritocracia, troca-se o líder arrivista pelo realista, o alienado pelo mais preparado.

A busca por direções e chefias que deem garantia de resultado enquanto encarregados do poder de gerir pessoas e recursos públicos, portanto, observa os seguintes passos:

a) designações de direções e chefias exclusivamente da organização pública;

b) realização de ações para identificar potenciais agentes vocacionados ao exercício de liderança, orientadas pelo mapeamento das competências existentes e desejadas;

c)  criação de banco de talentos que facilite a identificação desses candidatos; e

d) implementação de processo de seleção com base no princípio da impessoalidade, que assegure a avaliação dos perfis de competência dos candidatos e a transparência.

A busca por gestores líderes e eficientes, selecionados exclusivamente da estrutura organizacional e baseada em competências internas, conhecimento técnico, cultura orientada para resultados e gestão de talentos, que deem a garantia de retorno enquanto encarregados do poder de gerir pessoas e recursos públicos é o que se almeja.


Nota

[1]http://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-realiza-mapeamento-de-riscos-na-contratacao-de-funcoes-de-confianca-e-de-cargos-em-comissao.htm

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Governança de organizações públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4764, 17 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50573. Acesso em: 25 dez. 2024.

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