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O plano do Governo para salvar o sistema penitenciário brasileiro

12/09/2016 às 15:18
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Preocupado com aumento alarmante da população carcerária brasileira, e prevendo o colapso do sistema prisional, o Ministério da Justiça planejou um conjunto de medidas para a melhoria do sistema penitenciário, que serão objeto do presente estudo.

No dia 23 de novembro de 2011, em Brasília-DF, o Governo Federal lança o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional. A expectativa do Programa apresentado pelo Ministério da Justiça era zerar o déficit de vagas em presídios e reduzir a quantidade de presos provisórios, valendo-se para tanto, do implemento de novas vagas, através da ampliação ou construção de novos estabelecimentos prisionais.

Naquela oportunidade, o Governo Federal lançou uma série de medidas com o objetivo de reduzir o déficit de unidades penitenciárias e melhorar a gestão do sistema prisional, a exemplo da criação da Estratégia Nacional de Alternativas Penais, implantação do sistema de monitoração eletrônica de presos, e ações de ressocialização dos internos.

O programa também previa o aparelhamento de centros de referência para atenção à saúde materno-infantil, restruturação das unidades básicas de saúde no interior das penitenciárias e implementação de oficinas permanentes de capacitação profissional.

Tratava-se de projeto ambicioso e com orçamento bilionário, com a previsão de repasses em torno de R$ 1,1 bilhão aos Estados nos próximos três anos subsequentes ao lançamento do programa. O objetivo inicial era gerar cerca de 42,5 mil vagas em penitenciárias e cadeias públicas, sendo 15 mil em estabelecimentos prisionais femininos e 27,5 mil vagas em cadeias públicas masculinas.

Os problemas encontrados no sistema prisional brasileiro vêm de longa data e possuem várias causas. Com toda a certeza, é possível afirmar que o crescente aumento da violência é a principal consequência do aumento substancial, ano após ano, da população carcerária.

Acrescente-se a isso o fato de as políticas públicas de combate a violência não seguirem o mesmo ritmo de seu crescimento. As medidas de contrarresposta muitas vezes são insuficientes ou ineficazes. O Programa lançado pelo do Governo Federal no ano de 2011, não foge a essa regra, pois concentrou esforços e investiu não na causa do problema, que é o aumento constante da violência, mas somente em sua consequência prática, qual seja, o descompasso entre a oferta de vagas e o crescimento exponencial de presos.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou importantes dados sobre a evolução da taxa de homicídios no Brasil. No período avaliado, a pesquisa mostra um aumento da violência, principalmente, nos Estados do Nordeste. A pesquisa aponta queda desses índices nos Estados que adotaram políticas qualitativas combate à criminalidade.

Principais conclusões do Atlas da Violência 2016 publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA):

Em 2014, pelo menos 59.627 pessoas sofreram homicídio no Brasil, o que elevou nossa taxa para 29,1 mortes por 100 mil habitantes. Trata-se de uma situação gravíssima, ainda mais quando notamos que mais de 10% dos homicídios do mundo acontecem em solo nacional. Desde 2004, a evolução da prevalência de homicídio tem se dado de maneira desigual no território. Enquanto oito unidades federativas lograram diminuição em suas taxas, em outros seis estados o aumento das taxas foi superior a 100%, sendo que a maioria deles é situada no Nordeste. Um ponto interessante a notar é que naqueles estados em que se verificou queda dos homicídios, políticas públicas qualitativamente consistentes foram adotadas, como no caso de São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro.[1]

É inegável que o sistema prisional necessita de melhorias, no entanto, a superlotação tem como elemento motriz a falta de política efetiva de combate à violência. Em uma comparação grosseira, seria como evitar o conserto de um vazamento ocasionado por um cano quebrado e ficar apenas enxugando o chão molhando, onde o lógico seria primeiramente colocar fim ao vazamento.


 Dados sobre a população carcerária no Brasil

Para a melhor compreensão do tema, é fundamental conhecer os dados sobre a população carcerária. A realidade dos números apresentados é preocupante, e sinaliza que, em um futuro bem próximo, um percentual considerável da população brasileira estará encarcerada.

As Filipinas, Peru e o Paquistão possuem a maior taxa de ocupação prisional, acima de 170%. No Brasil, a taxa de ocupação dos estabelecimentos prisionais gira em torno de 161%. Os Estados Unidos contam com a maior população prisional do mundo, e a Rússia com a terceira maior. A taxa de ocupação desses países é relativamente pequena. Enquanto os estabelecimentos prisionais russos operam com cerca de 94% de ocupação, os estabelecimentos dos Estados Unidos operam apenas um pouco acima da capacidade, com 102%.[2]

Em termos de crescimento de população prisional, no período de 1995 a 2010, o Brasil teve um aumento de 136%, ocupando a segunda posição no ranking de países que tiveram os maiores aumentos no número de presos. Na primeira década de 2000, a taxa de aumento, foi de 104%, em relação aos 50 países com a maior população prisional do mundo.

No ano de 2013, o Brasil estava posicionado entre os quatro países com a maior população prisional do mundo, contabilizava mais 548 mil pessoas presas, e déficit de mais de 200 mil vagas.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informação Penitenciária (InfoPen), no ano de 2014, o Brasil contava com 1.424 unidades prisionais, sendo quatro estabelecimentos penitenciários federais, e os demais estabelecimentos, unidades estaduais. Todos os Estados da federação têm taxa de ocupação superior a 100%. O Estado com a maior taxa de ocupação prisional é Pernambuco, com 265% de ocupação; o Estado do Maranhão apresenta a menor taxa, com 121%.[3]

O Brasil apresentava-se no cenário global com 5,7% da população prisional do mundo, sendo que 41% do total das pessoas privadas de liberdade no território brasileiro eram de presos provisórios. No intervalo de 20 anos, o Brasil apresentou uma taxa evolução de pessoas presas da ordem de 575%, sendo que entre 2000 e 2010, o aumento da taxa de presos provisórios foi de 104% em relação ao resto do mundo.

No ano de 2014, a população prisional brasileira chegou a 607.731 pessoas. Desde 2000, a população prisional cresceu, em média, 7% ao ano, totalizando um crescimento de 161%, valor dez vezes maior que o crescimento do total da população brasileira, que apresentou aumento de apenas 16% no período, em uma média de 1,1% ao ano. De acordo com o levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, se o ritmo de encarceramento se manter nos níveis constatados, no ano de 2022, a população prisional brasileira ultrapassará a marca de um milhão de indivíduos. [4]

No Piauí, as maiores dificuldades enfrentadas pelo sistema prisional estão relacionadas ao número de presos provisórios. O Estado apresenta um dos maiores índices nacionais de detentos que ainda não foram julgados.

Dados do Mutirão Carcerário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, entre 2010 e 2011, a população carcerária do Piauí era formada por 2.927 detentos. Desse total, 65,73% eram presos provisórios (ainda não julgados), enquanto a média nacional desses presos é de 43%.  Das 405 liberdades concedidas durante o Mutirão Carcerário realizado em junho de 2011 no Estado, 325 beneficiaram detentos provisórios.[5]

Os dados revelam um crescente aumento da população carcerária, e não é de hoje que órgãos responsáveis pela segurança pública têm conhecimento dessas pesquisas. No ano de 2013 o Piauí apresentava cerca de 3.221 mil presos, com 62% de presos provisórios.


As propostas do Governo Federal

Foi exatamente em virtude da preocupação com aumento alarmante da população carcerária brasileira, e prevendo o colapso do sistema prisional, que o Ministério da Justiça planejou um conjunto de medidas para a melhoria do sistema penitenciário. O Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, a Lei nº 12.736/2012, é fruto desse projeto.

Além das medidas anunciadas para a melhoria da infraestrutura dos presídios e diminuição do déficit de vagas, no lançamento do programa, o Governo Federal apresentou ato normativo para incentivar a política de penas e medidas alternativas (Portaria nº 2.594/2011, que criou a Estratégia Nacional de Alternativas Penais – ENAPE).

Regulamentou, através de decretos, a implantação do sistema de monitoração eletrônica de presos provisórios e condenados (Decreto nº 7.627/2011). E do Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional, com o objetivo de ampliar e qualificar a oferta de educação nos estabelecimentos penais (Decreto nº 7.626/2011).

Foram propostos, ainda, três projetos de lei, o primeiro previa que dados sobre execução penal, prisão cautelar e medidas de segurança deveriam ser mantidos e atualizados em sistema informatizado de acompanhamento, permitindo o rápido fluxo de informações entre o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Polícias. A proposta foi aprovada pelo congresso e sancionada pela Presidência, dando origem a Lei Nº 12.714/2012 (Dispõe sobre o sistema de acompanhamento da execução das penas, da prisão cautelar e da medida de segurança).

A segunda proposta, regulamentava o direito do preso a convivência familiar no sistema prisional, estabelecendo os direitos das visitas familiares. O terceiro projeto deu origem a Lei nº 12.736/2012, tema da presente pesquisa.

A proposta determinava que o juiz sentenciante levasse em conta o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no exterior, o de prisão administrativa e o de internação como critério para definir o regime inicial de cumprimento da pena. O objetivo do Ministério da Justiça com essas medidas, era tornar o sistema prisional mais eficiente, oferecer alternativas ao encarceramento e, assim, evitar a superlotação dos estabelecimentos prisionais.

A proposta tem objetivo de reduzir o encarceramento, através da aceleração do processo de progressão de regime. A administração pública precisava dar vazão ao número elevado da população prisional em relação ao déficit de vagas. Com essa intenção, foi proposto o projeto da Lei nº 12.736/2012.

Conforme trecho do parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados:

Com efeito, a possibilidade de a detração ser reconhecida já pelo juiz que proferir a sentença condenatória, inclusive para fins de determinação do regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, fará justiça com o condenado que do instituto puder se beneficiar, evitando privações de liberdade por tempo maior do que o devido, e trará vantagens para a execução penal, aliviando o grave problema da superpopulação carcerária.[6]

Após um ano de trâmite legislativo, a Lei foi sancionada pela Presidência da República. O projeto foi aprovado em tempo recorde tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal. Nesse cenário, veio ao mundo jurídico a Lei nº 12.736/2012, dando nova redação ao art. 387 do Código de Processo Penal, regulamentando a detração a ser considerada pelo juiz sentenciante.

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A citada lei acrescenta novo parágrafo ao artigo 387 do Código de Processo Penal, estabelecendo que o juiz, ao proferir sentença condenatória, compute o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, para determinar o regime inicial de pena privativa de liberdade.

Significa que o juiz sentenciante deverá descontar o tempo em que o réu permaneceu preso provisoriamente do quantum de pena definitiva, com o propósito de estabelecer o regime inicial. A partir dessa inovação legislativa, a competência para apreciar a detração é antecipada para o juízo penal de conhecimento, assim, o condenado tem sua progressão de regime a partir da sentença.

A lei foi idealizada para trazer celeridade à concessão da primeira progressão de regime de pena, e, assim, diminuir o número de presos em regime fechado. Na prática, a referida lei trouxe confusão entre institutos penais e divisões doutrinárias acerca de sua interpretação.

Em uma sociedade em que a violência avança a cada dia, é imprescindível uma resposta célere e eficaz do Estado, e tal ideal somente será alcançado se as leis forem efetivamente concretizadas, de forma justa e adequada à culpabilidade das pessoas.

A Justiça brasileira padece de sérios problemas correlacionados a sua estrutura. Se nas capitais dos Estados a situação é difícil, nas comarcas mais remotas, o problema se agrava. E logo aparece o argumento de que o problema é a escassez de pessoal e recursos. Talvez o verdadeiro entrave esteja na administração da Justiça Criminal.


Notas

[1] INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA), Nota técnica nº 17: atlas da violência 2016. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160322_nt_17_atlas_da_violencia_2016_finalizado.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2016. p. 39.

[2] DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL (DEPEN). Levantamento nacional de informações penitenciárias INFOPEN - junho de 2014. Disponível em:<http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em 30 jan. 2016.

[3] DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL (DEPEN). Levantamento nacional de informações penitenciárias INFOPEN - junho de 2014. Disponível em:<http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em 30 jan. 2016.

[4] DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento nacional de informações penitenciárias INFOPEN - junho de 2014. Disponível em:<http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf>. Acesso em 30 jan. 2016.

[5] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Mutirão carcerário: raio-X do sistema penitenciário brasileiro. Brasília-DF: CNJ, 2012.

[6] Projeto de Lei nº 2.784/2011, Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, Câmara dos Deputados, Relator Deputado Luiz Couto.

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Sobre o autor
José Sousa

Graduando em Direito na Universidade Federal do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, José. O plano do Governo para salvar o sistema penitenciário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4821, 12 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50859. Acesso em: 26 abr. 2024.

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