4 – RESOLUÇÃO CNJ Nº 190/2014: INCLUSÃO DOS PRETENDENTES DOMICILIADOS NO EXTERIOR NO CNA
A também chamada “Lei da Convivência Familiar” (Lei 12.010/09) foi criada para tentar sanar os problemas existentes no país quanto ao procedimento de adoção. Passados cinco anos de sua vigência percebeu-se que, apesar dos avanços nesse campo, as suas principais metas - acabar com a informalidade e diminuir o período de tempo que as crianças passam em abrigos - não haviam se concretizado.
Existem vários tipos de adoção informal, podendo ser enquadrada como crime ou apenas como irregularidade. Um exemplo de adoção irregular muito comum no país é a adoção intuitu personae, em que o casal/pessoa se aproxima de uma criança por razões diversas e fica informalmente com ela por um determinado período, dirigindo-se em seguida ao Judiciário para pedir a sua "guarda provisória" e, depois, a adoção. É considerada irregular porque o pretendente não está inscrito no CNA. Já a adoção à brasileira, que ocorre quando o pretendente encontra uma criança, informalmente, e a registra diretamente no Cartório de Registro Civil como filha biológica, está tipificada no Código Penal como crime contra o estado de filiação. Há ainda o risco de adoções informais acobertarem crimes como tráfico de seres humanos, exploração sexual, mendicância e trabalho infantil.
Quanto ao tempo máximo que crianças e adolescentes devem permanecer em abrigos a lei estabelece o período de dois anos. Entretanto, na prática a adoção ainda é lenta porque existe uma grande lacuna entre o que a lei expressa e o que realmente ocorre, já que em muitas comarcas não existem profissionais e recursos suficientes. Além de o Judiciário demonstrar um pudor excessivo em destituir o poder familiar, esperando um arrependimento dos pais biológicos pelo abandono.
O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal priorizam a manutenção da criança e do adolescente na família natural, em seus artigos 23 e 227, respectivamente. Portanto, o deferimento da adoção implica na autorização dos detentores do poder familiar ou na destituição destes. É o que preceitua o artigo 45 do ECA, senão vejamos:
“Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.
§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder.”
Como a lei exige que sejam esgotadas todas as tentativas de reinserção da criança junto ao núcleo familiar de origem antes de encaminhá-la a um novo lar, é permitido aos pais biológicos arrepender-se do consentimento, dado ao juiz e ao promotor em audiência, até a data da sentença constitutiva da adoção. Como dispõe o artigo 166, §5º, do ECA:
“Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado.
§ 5º O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção.”
Tal regra gera insegurança jurídica que atrasa o procedimento. Visto que, após a retratação, a criança que já está em uma família substituta deverá retornar à sua família natural e aqueles pretendentes que a tinham inserido no núcleo familiar terão que recomeçar o processo com outra criança.
De acordo com os dados do Cadastro Nacional de Adoção existem 30 mil famílias à espera de um filho, por outro lado, existem 5,5 mil crianças em condições de serem adotadas, além das 34,5 mil que já vivem em abrigos, embora os pais ainda detenham o pátrio poder sobre elas.
No entanto, a maioria das crianças e adolescentes disponíveis para adoção não se encaixam no perfil dos pretendentes brasileiros, seja pela idade, pelo fato de ter irmãos, ou por outras razões. Essa incompatibilidade é um dos motivos que levam o processo a demorar muito mais do que a média de um ano prevista em lei. É o que se apreende das tabelas abaixo:
Crianças disponíveis para adoção: 5.655 |
Por raça: Brancas – 1.826 Negras – 1.031 Pardas – 2.746 Amarelas - 25 Indígenas - 33 |
Por idade: Menos de 01 ano -28 01 ano - 54 02 anos - 65 03 anos - 88 04 anos - 90 05 anos - 117 06 anos - 137 07 anos - 151 08 anos - 206 09 anos - 312 10 anos - 345 11 anos - 435 12 anos - 503 13 anos – 584 14 anos - 639 15 anos – 647 16 anos - 629 17 anos - 624 |
Total de Crianças/Adolescentes que possuem irmãos: 4.348 |
Total de Crianças/Adolescentes que possuem irmãos cadastrados no CNA: 2.125 |
Fonte: Cadastro Nacional de Adoção (CNA) - dezembro/2014 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/cna/publico/relatorioEstatistico.php >
Pretendentes à adoção: 33.113 |
Estado civil: Casado - 25.660 Divorciado ou separado - 806 Solteiro – 2.802 União estável – 3.620 Viúvo - 225 |
Faixa etária: 18 a 20 anos - 10 21 a 30 anos – 1.120 31 a 40 anos – 11.506 41 a 50 anos – 13.922 51 a 60 anos – 4.850 Mais de 61 anos – 993 Datas de nascimento inválidas - 712 |
Já têm filhos biológicos? Sim – 7.770 Não – 25.343 |
Somente aceitam crianças da raça: Branca – 9.136 Negra - 608 Parda – 1.833 Amarela - 313 Indígena - 304 São indiferentes à cor – 14.862 |
Aceitam crianças da idade 0 anos – 4.230 01 ano – 5.832 02 anos – 6.560 03 anos – 6.561 04 anos – 3.842 05 anos – 3.824 06 anos – 1.569 07 anos - 774 08 anos - 386 09 anos - 154 10 anos - 279 11 anos - 60 12 anos - 94 13 anos - 24 14 anos - 16 15 anos - 30 16 anos - 10 17 anos - 42 |
Aceitam adotar irmãos? Sim – 6.917 Não – 26.196 |
Fonte: Cadastro Nacional de Adoção (CNA) - dezembro/2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/cna/publico/relatorioEstatistico.phpl>
Por sua vez, os estrangeiros, principalmente franceses e italianos, querem adotar crianças maiores de sete anos e não excluem a possibilidade de adotar irmãos, abrangendo a parcela de crianças e adolescentes preteridos para adoção no Brasil. Logo, a adoção internacional, esgotada a possibilidade da adoção nacional, representa oportunidade, para infantes acolhidos, de colocação em família substituta.
Importante frisar que a colocação em família substituta, seja por meio de adoção, tutela ou guarda, é feita somente se a família natural não for capaz de provir direitos e garantias decorrentes do princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, uma vez que o artigo 227 da Constituição Federal adota o princípio do melhor interesse do menor.
Ao estabelecer os direitos fundamentais da criança e do adolescente, o constituinte vinculou todo o Estado, em suas diversas funções, a esse propósito. E não poderia ser diferente em relação ao Poder Judiciário, que deve fornecer a tutela jurisdicional adequada por meio de procedimentos céleres, que atendam às necessidades urgentes daqueles que estão em situação especial de desenvolvimento.
Com o objetivo de deixar mais efetivo o Cadastro Nacional de Adoção e a necessidade de tornar acessível a todos os magistrados da infância e juventude do país a lista dos pretendentes à adoção domiciliados fora do Brasil, para eventual início do processo de adoção internacional, os conselheiros do CNJ decidiram alterar a sua Resolução de nº 54/2008. A Resolução nº 190/2014 deu a seguinte redação ao artigo 1º:
“Art. 1º O Conselho Nacional de Justiça implantará o Cadastro Nacional de Adoção, que tem por finalidade consolidar dados de todas as comarcas das unidades da federação referentes a crianças e adolescentes disponíveis para adoção, após o trânsito em julgado dos respectivos processos, assim como dos pretendentes à adoção domiciliados no Brasil e no exterior, devidamente habilitados, havendo registro em subcadastro distinto para os interessados domiciliados no exterior, inserido no sistema do CNA.
§ 1º A consulta e convocação de interessados/pretendentes inscritos no subcadastro, de que trata este artigo, somente poderá ocorrer após malogradas as tentativas de inserção em família substituta nacional para candidatos representados por entidades credenciadas no Brasil para tal fim, ou quando a solicitação for formulada diretamente pela autoridade consular do país de acolhida.
§ 2º A inserção dos interessados/pretendentes domiciliados no exterior no Cadastro Nacional de Adoção compete às CEJAS/CEJAIS dos Tribunais de Justiça.”
É importante ressaltar que essa mudança no Cadastro Nacional de Adoção não altera o sentido da Lei nº 12.010/09, que prevê a adoção internacional como exceção. Apenas busca diminuir a burocracia ocasionada com a promulgação da referida lei a esse tipo de adoção, pois permitirá aos magistrados da infância e juventude de todos os municípios brasileiros o acesso aos dados dos estrangeiros habilitados em todos os Tribunais de Justiça. É o que se apreende do §1º do artigo supracitado.
O CNA fica hospedado nos servidores do CNJ, no endereço eletrônico www.cnj.jus.br/cna, e como administrador do sistema em nível nacional, o Conselho Nacional de Justiça tem acesso irrestrito às informações do cadastro, sendo de sua competência: manter o sistema em funcionamento; modificar, incluir e excluir funcionalidades e campos para melhor atingir os objetivos do sistema; garantir a segurança do sistema e dos dados nele contidos, devendo promover as medidas para assegurar que os usuários terão acesso apenas às funcionalidades próprias de seu perfil; fornecer senha para as Corregedorias-Gerais dos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação.
Essa atribuição foi dada pelo artigo 2º da Resolução nº 54/2008, e mantida pela Resolução nº 190/2014:
“Art. 2º O Cadastro Nacional de Adoção e o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos ficarão sob os auspícios do Conselho Nacional de Justiça, assegurado o acesso aos dados neles contidos, exclusivamente aos órgãos autorizados, neles incluídos as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção (CEJAS/CEJAIS) e as Coordenadorias da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios.
Parágrafo único. Fica assegurado à Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF) o fornecimento dos dados integrais referentes ao cadastro dos pretendentes à adoção domiciliados no exterior, bem como aos relatórios estatísticos referentes aos demais dados constantes no cadastro.”
O CNJ havia previsto que a alteração no sistema de funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção deveria ser finalizada no período de 04 (quatro) a 06 (seis) meses após a publicação da nova Resolução, que se deu na data de 03/04/2014. No entanto, segundo a própria ouvidoria do CNJ os testes da nova versão do CNA começarão a ocorrer somente em janeiro de 2015 e ainda não há uma previsão para a sua disponibilização. Observando esse fato, se faz necessária análise sobre a morosidade na implantação do referido subcadastro e suas consequências.
Como exposto anteriormente, a Lei da Convivência Familiar foi a responsável pela efetiva incorporação da Convenção de Haia ao direito pátrio. Com as mudanças advindas dessa lei, como a proibição do contato direto de representantes de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com dirigentes de programas de acolhimento institucional ou familiar, e a exigência de um estágio de convivência no Brasil de pelo menos 30 (trinta) dias, houve uma queda expressiva no número de estrangeiros interessados em adotar crianças brasileiras.
As alterações normativas eram necessárias, pois, como já restou comprovado em outros países, leis frouxas e leniência abrem portas para crimes como o tráfico e a escravidão de menores. O maior problema não é o texto legal, mas sua aplicação prática. Atualmente a adoção internacional é subutilizada, pois muitas vezes não é vista como opção mesmo em situações cabíveis. E aqueles que são disponibilizados para esse tipo de adoção enfrentam um período de espera excessivo, sem contar o tempo que já passaram no abrigo, primeiro tentando ser reinserido na família natural e depois à espera de um adotante nacional. Quanto aos pretendentes estrangeiros as maiores reclamações são em relação ao alto custo da adoção no Brasil, além do tempo de espera.
O objetivo da Resolução nº 190/2014 é justamente aumentar as chances de reinserção em um núcleo familiar de crianças e adolescentes preteridos na adoção nacional. Pois se percebeu que estava havendo uma “preferência” pela manutenção dessas crianças e adolescentes em estado de desamparo em detrimento da colocação destes em novos lares fora do país. Portanto é necessário, juntamente com essa medida, conscientizar os operadores do Direito.
O tempo é essencial nessa alteração do Cadastro Nacional de Adoção, já que desde 2010, quando a Lei nº 12.010 entrou em vigor, muitos menores perderam a oportunidade de crescer dentro de uma família, como demonstrado. Por isso os conselheiros haviam determinado um prazo máximo de seis meses para a implantação do subcadastro, mas tal prazo não foi cumprido, uma vez que a previsão para começar os testes desse novo sistema é somente para janeiro de 2015.
Esse atraso de no mínimo seis meses, já que não existe previsão para a disponibilização oficial do novo CNA, prejudica a vida de milhares de crianças e adolescentes que esperam uma oportunidade de sair dos abrigos; principalmente os 624 (seiscentos e vinte e quatro) adolescentes que contam com dezessete anos de idade e que em sua maioria chegarão aos dezoito antes de ter suas chances de visibilidade para uma adoção internacional aumentadas.
As discussões e as ideias surgidas a partir daquelas estão no caminho certo para melhorar e agilizar o procedimento das adoções internacionais, no entanto, a parte prática ainda deixa muito a desejar, como é possível observar no caso específico da Resolução nº 190/2014.