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Da terceirização no Brasil e a responsabilidade da administração pública

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4. DA RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO – ADC Nº. 16/STF

A Lei 8.666/93 menciona expressamente em seu art. 71, §1º, que o ente público não deve arcar com os encargos trabalhistas, fiscais e comerciais advindos de descumprimento de contrato. A inadimplência do contratado, com relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública, de forma imediata a responsabilidade por seu pagamento.

Por sua vez, em sua antiga redação, a Súmula 331, do TST, afirmava que o tomador dos serviços responderia subsidiariamente pelas verbas trabalhistas, sem distinguir os particulares e os entes da administração pública.

Sob a alegação de que esse entendimento do TST correspondia à não aplicação do artigo 71, §1º, da Lei n. 8.666/93, o governador do Distrito Federal, ajuizou ação declaratória de constitucionalidade (ADC n. 16), perante o STF, para que confirmasse a constitucionalidade do referido dispositivo.

O Supremo Tribunal Federal, no ano de 2010, por votação majoritária, ao decidir a questão, declarou a constitucionalidade do dispositivo legal questionado.

No entanto, o STF também mencionou, na fundamentação da decisão, que a constitucionalidade do dispositivo não significava a irresponsabilidade dos entes da administração pública, e sim que estes não responderiam apenas pelo fato de terem sido os tomadores do serviço, sendo necessário que no caso concreto ficasse evidenciada a culpa do ente da administração.

Assim, a mera inadimplência do contrato não é hábil a transferir a responsabilidade pelo pagamento dos encargos ao Poder Público, podendo, contudo, referida responsabilidade prevalecer no caso de falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante.

Diante desse quadro, a Súmula 331 do TST sofreu alteração em maio de 2011, apresentando a atual redação:

SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Nesse diapasão, o Entendimento Jurisprudencial Consolidado se encontra em consonância com a decisão da Suprema Corte, ao prescrever que os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, apenas se evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora., sendo que aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

Dessarte, pelo exposto, evidencia-se que a Administração Pública não pode incontinenti ser responsabilizada pelo inadimplemento dos encargos advindos do contrato de trabalho, devendo a Justiça do Trabalho analisar, caso a caso, se houve falta ou falha na fiscalização das atividades exercidas, para, apenas nesse caso, incidir a responsabilidade subsidiária sobre o ente público.


CONCLUSÃO

Considerando as explanações supra, vê-se que a terceirização surgiu, basicamente, no intuito de especializar mão de obra e reduzir os custos. Entretanto, para que a referida contratação contribua para o bom desempenho da Administração é necessário que ela seja fiscalizada em todas as suas etapas.

Como fenômeno atual, a terceirização foi efetuada durante muito tempo com escassa regulamentação normativa, tanto no âmbito privado, quanto no setor público. Apenas, a partir de 1986, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula nº 256 buscando uniformizar a jurisprudência.

Em 1993, a Súmula 256 foi revista e atualizada pela Súmula 331. Nessa, o TST acrescentou determinações contemplando a prática da terceirização inclusive no serviço público.

Até a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC nº 16, a orientação normativa sobre a responsabilidade da Administração Pública na terceirização ilícita restringia-se à aplicação da responsabilidade subsidiária do Estado, consistindo no dever de pagar apenas débitos trabalhistas, sem assinar a CTPS (tendo em vista considerar o contrato nulo). Entretanto, após o julgado do STF, foi alterado o teor da Súmula 331, determinando que a Administração Pública só deve ser responsabilizada subsidiariamente quando a terceirização for contratada de forma culposa, sem a devida cautela do Poder Público com relação à idoneidade da empresa terceirizante.

Por derradeiro, conclui-se, com base nos dispositivos legais e nos entendimentos jurisprudenciais trazidos a lume, que a Administração Pública não pode incontinenti ser responsabilizada pelo inadimplemento dos encargos advindos do contrato de trabalho existente entre empresa fornecedora e empregado terceirizado, mas apenas se existentes provas efetivas da ausência de fiscalização do contrato estabelecido entre o ente público e a empresa fornecedora, a fim de se impedir, assim, a indevida responsabilização da Administração Pública em situações em que agiu dentro dos estritos termos legais.

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Decisão proferida em sede de ADC nº 16 em 26 de novembro de 2010.

<http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/Livro_Jurisprud/livro_pdf_atual.pdf> Acesso em 19.07.2016.


Notas

1. GIOSA apud MORAES, 2003, p.64

2. SILVA apud MORAES, 2003, p. 65

3. MORAES, 2003, p. 66

4 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 414.

5 RIBEIRO, Aquilina Nery. FARINHO, Luciana Lopes. BEZERRA FILHO, João Eudes. PEREIRA G., João Paulo. Terceirização: uma alternativa de redução de custos na Administração Pública. Revista Controle Gerencial para Entidades da Administração Pública Governamental.

6. MORAES, 2003, p.101

7. BARROS, 2006, p. 428

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Jéssica Samara Freitas. Da terceirização no Brasil e a responsabilidade da administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4778, 31 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50967. Acesso em: 23 abr. 2024.

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